quarta-feira, 12 de setembro de 2012

“Houve tentativas de manipulação nas reivindicações dos muçulmanos”

Gulamo_Taju1Segundo o sociólogo Gulamo Tajú
O sociólogo Gulamo Tajú concedeu-nos uma entrevista onde, de entre outros temas, analisa o movimento de reivindicação dos muçulmanos, desencadeado nas últimas semanas. Tajú diz que este movimento não é alheio ao X congresso da Frelimo, que se avizinha.
Como é que explica a emergência do Movimento Islâmico de Moçambique?
O movimento desta natureza não é algo linear. Em primeiro lugar, a criminalidade que nos últimos tempos se manifestou, particularmente sentida entre alguns elementos da comunidade muçulmana sob forma de raptos. Então, o elemento inicial despoletado deste movimento é esta situação de que a onda de criminalidade recrudesceu nos últimos tempos, com esta manifestação de raptos em reivindicação de pagamentos de dinheiro para libertação dessas pessoas.
O que se procedeu nos encontros, depois de algumas exigências, começando com o reforço da segurança, foi caminhando para um nível político mais prático. Segundo o discurso público, nesta estação, de Amad Camal, um dos aspectos fulcrais é negociar a participação, a inclusão dos muçulmanos.

Esta é a expressão. Negociar com a Frelimo a inclusão dos muçulmanos no poder, porque a Frelimo nos próximos 10 anos vai ser o partido no poder. É o que eu ouvi. Saiu da simples exigência do reforço da segurança da criminalidade para uma exigência da inclusão dos muçulmanos no poder. Acha que a questão de segurança foi um protesto?
Pode não ter sido, provavelmente para um conjunto de movimentos sociais. Nem toda a gente tem a mesma agenda que toca a todos. Com o tempo, alguns passam a não se identificar com o mesmo. Não sei se será para todos ou um processo para alguns.
Sob ponto de vista de liderança, ir buscar um elemento aglutinador como a segurança era um elemento fundamental sob ponto de vista das pessoas?
Penso que lá dentro há pessoas que, genuinamente, foram por razões de segurança e aquela era a melhor forma de exigirem, mas há outros que não era essa a visão. Como se disse nas reuniões convocadas, apareceram pessoas de outras congregações religiosas e de partidos políticos. Um segmento naturalmente faz uso deste para outras oportunidades e começa acentuar esta questão de negociar com a Frelimo a inclusão dos muçulmanos no poder, porque a Frelimo nos próximos 10 anos é previsível que seja o partido no poder. Portanto, esta é a linguagem de Camal. Estamos à beira de um congresso, não há melhor oportunidade para fazer passar alguma ideia e reivindicação para isso, mas depois ele acrescenta: diz que muito por culpa dos intelectuais e dos media está a racializar-se, adjectizar-se este movimento. Estas são as palavras de Camal e que 98% dos muçulmanos deste país são negros e pobres.
Qual é o alcance desta mensagem?
Em primeiro lugar, por que a história dos muçulmanos no poder? Temos um país em que o poder não está constituído de forma linear, racial, regional e nem religiosamente, muito menos de outra natureza, não é esse o princípio.
Como explica este súbito apetite dos muçulmanos?
De que muçulmanos? Essa é a pergunta! Eu sou muçulmano de origem familiar, pelo menos até à geração dos meus bisavós, do que me contaram, são todos muçulmanos, tanto do meu pai assim como da minha mãe. Mas temos parentes cristãos, a mãe das minhas filhas é católica apostólica Romana. A questão é: de que muçulmanos estão a falar, embora o poder não esteja constituído em linhas religiosas. Temos um primeiro-ministro que é muçulmano; temos um provedor da justiça que é muçulmano; temos um ministro da planificação e desenvolvimento; vice-ministro dos recursos minerais e energia; vereadores das assembleias municipais e deputados que são muçulmanos e não foram para lá por serem muçulmanos, mas como cidadãos moçambicanos. Agora, qual o muçulmano que está a reivindicar? Este grupo com certeza categoriza muçulmanos e muçulmanos. Que fique claro de que muçulmanos se trata.
Este movimento não se afirma como partido político, mas comporta-se como tal: fazem exigências ao estado. Há ali um grupo político em embrião de uma irmandade Islâmica como acontece no Egipto?
Embora ele diga que 98% são negros e pobres, as imagens eram de 2%. O que predominava ali eram os 2% e é um grupo bem definido. Este grupo é que diz que o Ide é hoje e não amanhã, contrariando todo o resto, é um grupo extremamente bem realizado. É um grupo de pertença. Uma identidade é um sentido de pertença ao grupo que convoca alguns recursos, podem ser a língua, a religião, a terra de origem, a irmandade.
Nós temos múltiplas identidades. Eu sou Islâmico, mas sou de Inhambane, sou da UEM e da Matola. Provavelmente, entre o grupo islâmico, haja outros elementos de identidade que são convocados. Não se olhe a comunidade Islâmica como identidade única.
Sobre a questão das identidades, que é a questão central, o grupo mostrou pouca homogenidade. Pareceram homogéneos mas desagregaram-se à medida que o processo foi desenvolvendo. Há distanciamento dos Hindus e Ismaelitas, depois fica a percepção de que são os muçulmanos de Maputo. O que isto significa?
 É exactamente esta questão da multiplicidade de identidade e de recursos identitários que são convocados a formar grupos... dentro da comunidade há elementos de pertença que distinguem e grupalizam ainda mais. Quer dizer que, eventualmente, o Camal convocava para dizer que vocês estão a racializar. A presença não é discurso, foi a própria configuração da comunidade que dá. Isto é mau.
Há uma questão racial dentro da própria comunidade?
Eventualmente que sim. Isto é algo que mesmo nas nossas práticas religiosas sentimos. Em Inhambane existia uma mesquita velha, mais Afro e outra nova mais Ásia. Hoje, provavelmente, as coisas não sejam às mesmas. Alguns seguem o Islão, mas, na verdade, fazem parte de um grupo, os outros fazem por empréstimos.
A relação religiosa e a política tem sido problemáticas desde séculos, muitas vezes por instrumentalização da religião. Estaremos a encaminhar-nos por aí?
Espero que não encaminhemos por aí. Espero que aquelas pessoas tenham ido genuinamente na sua maioria porque o seu primo, amigos e tios foram raptados. Espero que esta solidariedade humana tenha sido a fonte motivadora e que Camal e o seu grupo sejam um grupo pequeno e isolado. Provavelmente o Camal e o seu grupo tinham os seus interesses, que os colocaram dentro de um grupo que estava preocupado com outros problemas.
Voltamos à questão de identidade: Amin Maalouf escreveu um livro com o título “identidades assassinas”, em que ele diz que na história da humanidade a afirmação de si próprio segue tantas vezes a ponte da negação do outro. Estamos perante esta situação?
Toda a identidade é construída para agregação aos semelhantes e por diferenciação dos outros. Eu sou islâmico porque não sou cristão e identifico-me como islâmico e por oposição de diferença do outro. Esta questão da identidade não é natural, biológica, hereditária, é qualquer coisa que é construída em relações sociais e contextuais,  num espaço que me identifico com um e outro.
O PAÍS – 12.09.2012