segunda-feira, 3 de setembro de 2012

MANU disparou primeiro tiro e não a FRELIMO (em Agosto de 1964)

Moçambique - o ínicio da guerra
…E não foi no Chai, mas em Nangololo

Ao contrário do que reza a história oficial da Frelimo,o primeiro tiro da guerra da independência de Moçambique não foi disparado,nem em 25 de Setembro de 1964, nem no Posto Administrativo de Chai, nem pela então frente de libertação.
Da leitura de relatos credíveis, feitos por investigadores independentes, conclui-se que a primeira acção militar contra o regime colonial português no nosso país Moçambique foi da iniciativa da MANU (União Nacional Africana de Moçambique) e deu-se em Agosto daquele ano contra a Missão Católica de Nangololo. Por outro lado, a 24 de Setembro de 1964 foi reportado um ataque a Cóbué, na província do Niassa, bem como outras operações ao longo da margem norte do lago com o mesmo nome que incluiram o disparo de vários tiros contra uma lancha da Marinha de Guerra portuguesa, no dia seguinte. A MANU, que juntamente com a Udenamo já havia rompido com a Frelimo em 1962, era uma organização composta essencialmente por macondes, com raízes em Cabo Delgado, etnia que possuía, no início dos anos sessenta, cerca de 250 mil membros a viver, ou nascidos e criados na Tanzania, Zanzibar e Quénia.
Orientação tanzaniana
A semelhança do nome com o partido único do regime de Dar-es-Salaam, TANU (Tanzania African National Union), não é acidental, e tornou-se óbvio desde o início que se tratava de um movimento criado, inspirado, orientado e da preferência das autoridades tanzanianas, nomeadamente do então presidente Julius Nyerere, que sempre se mostrou adverso às consideradas «tendências radicais» da Udenamo, ligada e financiada pelo Ghana de Kwame Nkrumah, a grande figura orientadora das independências africanas naquela altura.

"Big brother"tanzaniano

Nas origens da MANU está a Sociedade dos Africanos de Moçambique, cujas reivindicações sociais e laborais provocariam o massacre de Mueda em 1960.
No ano seguinte, em Janeiro, aquela sociedade juntar-se-ia às delegações de Dar-es-Salaam, Mombassa e Zanzibar da Makonde African Assossiation (MAA), para constituir a MANU. A organização era devotada à causa da Independência de Moçambique, muito embora os seus primeiros presidente e vice-presidente, Matthew Mmole e Lawrence Malinga Millinga, fossem tanzanianos, e houvesse entre os seus membros quem advogasse a secessão de Cabo Delgado para unificação com o país governado por Nyerere. A nível de nacionalidades, entre os macondes, havia no entanto muita latitude, bastando referir que, por exemplo, tanto o secretário-geral da TANU, Rashid kawawa, como o ministro tanzaniano do Interior e dos Negócios Estrangeiros, Oscar Kamkomba, eram moçambicanos de origem.
Lutas intestinas
A permanência da MANU na Frelimo foi “sol de pouca dura”, tal como aconteceu, aliás, para os outros dois movimentos de cuja fusão teria resultado – na versão oficial – a frente, nomeadamente a Udenamo e a Unami, este último com origem nos mineiros do carvão de Tete. Para Mondlane, tratava-se de um grupo criado pelos tanzanianos sem enraizamento em Moçambique e daí que os seus dirigentes, aquando do I Congresso, tivessem obtido cargos sem expressão na Frelimo: Mmole foi designado tesoureiro, e Millinga secretário executivo do Comité de Bolsas. Os dois acabariam por ser expulsos da Frelimo em Maio de 1963, depois de terem exigido, em conjunto com Gwambe, um presidência dupla da MANU e Udenamo para a frente de libertação, e se mostrarem exasperados com as alegadas hesitações de Mondlane, a quem chegaram a apelidar de «Tshombé de Moçambique», para optar pela luta armada.
Tal impaciência, aliada às lutas intestinas que vinham dilacerando a Frelimo desde 1962, motivadas sobretudo pela desconfiança das bases numa liderança shangana e sulista tida como colaboracionista do regime colonial e dos EUA, levou os macondes leais à MANU a fazerem a primeira incursão armada em Moçambique, contra a Missão Católica de Nangololo, que se saldou pela morte de um padre holandês.
Outros intervenientes
Para além dessa operação, entretanto, não há registo de qualquer outra actividade militar posterior daquele movimento, na guerra da independência, onde a Frelimo teve sem dúvida o maior quinhão, seguida, de muito longe, pela Coremo (Comité Revolucionário de Moçambique).
Além das do Sul, a província onde a frente teve mais dificuldades em penetrar foi a província da Zambézia, onde só se verificou actividade militar da Frelimo em Julho de 1974, depois do golpe de Estado de 25 de Abril em Portugal. Nessa província há o registo de um ataque do Exército de Libertação Nacional do Monomotapa, o braço armado da Udenamo- -motapa, que se opunha tanto ao regime colonial como à Frelimo, a Chire.
Quanto à Coremo, considerada pelos relatórios da CIA como gozando de apoio popular, bem como de capacidade de o-ganização e recursos diminutos, iniciou a “sua” guerra em Tete, não conseguindo penetrar, apesar de várias tentativas, na Zambézia. Começou a desmembrar-se, militar e politicamente, em meados de 1968, quando um dos seus mais proeminentes quadros, Mazungo Bob, foi morto em combate perto da fronteira com a Zâmbia.
Diversos confrontos armados entre a Frelimo e a Coremo foram também registados, o primeiro dos quais ocorreu em 1968, com o movimento então liderado por Samora Machel a prender vários quadros da organização rival em 1970, e dois comandantes militares e o tesoureiro da Coremo a serem mortos em 1972 numa emboscada da Frelimo.
Maior número de baixas
A luta armada prolongar-se-ia pelo dobro do tempo inicialmente previsto por Mondlane (cinco anos), sendo que foi no nossos país onde o Exército português sofreu maior número de baixas, por comparação a Angola ou à Guiné-Bissau. De acordo com os números registados por Lisboa, 2.893 membros das suas forças armadas morreram em Moçambique entre Setembro de 1964 e Setembro de 1974. Do lado da Frelimo, entretanto, as contas são outras, e no segundo aniversário do início da guerra da independência, reivindicava a morte de mais de 3.000 soldados lusos. Em 1971, alegava ter liquidado, só nesse ano, 2.850, nove vezes mais do que o admitido pelo regime colonial. (Fonte principal deste dossier: “Mozambique: The tortuous road to democracy”, de João M. Cabrita)
Em 25 de Setembro de 1964 – Mondlane estava na Europa
Eduardo Mondlane, então presidente da Frelimo, encontrava-se numa digressão por vários países da Europa quando o seu movimento decidiu desencadear a guerrilha.
Por outro lado, o Governo tanzaniano proibiu uma conferência de Imprensa convocada pela frente para Dar-es-Salaam que se destinava a anunciar que a luta armada já fora desencadeada.
Após o seu regresso à capital da Tanzania, Mondlane revelaria que sete destacamentos da Frelimo haviam penetrado no Norte de Moçambique a 25 de Setembro, dos quais três foram capturados pelos portugueses, dois acabaram por dispersar, com diversas baixas, após troca de tiros com as tropas coloniais, enquanto os restantes dois se mantinham intactos.
Sobre a MANU, que se declarou farta de esperar pelo início da guerra da independência, haveria o líder frelimista de comentar indirectamente que qualquer acção militar daquele movimento seria «uma missão manipulada do exterior» para levar à separação de Cabo Delgado e Niassa de Moçambique, com integração na Tanzania.
O sentimento de frustração pela alegada apatia de Mondlane alastrava noutros sectores da Frelimo nas vésperas do desencadeamento oficial da guerra da Independência, sendo de realçar a expulsão, em Agosto de 1964, de seis quadros da frente, incluindo o então secretário da Defesa, Leo Milas, acusado de ser «um espião norte-americano». Como tinha sido nomeado pelo próprio presidente da Frelimo, a expulsão causou alguns embaraços a Mondlane que, posteriormente, revelou que o verdadeiro nome de Milas era Leo Clinton Aldrige, que nem sequer seria moçambicano, mas sim um americano do Texas.
O expulso viria a retaliar logo a seguir, em conferência de Imprensa, acusando o presidente da Frelimo de não fazer nada para promover a guerra em Moçambique. Denunciou ainda que Mondlane passava «menos de um terço do seu tempo de liderança em África».
IMPARCIAL - 24.09.2002 
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