terça-feira, 11 de setembro de 2012

MINISTÉRIO DO INTERIOR: Entre o profissionalismo e a ingerência de um partido...


Falar abertamente do funcionamento deste ministério tem dificuldades acrescidas em virtude do manto de secretismo que encobre quase tudo o que se refere a defesa e segurança entre nós. Mesmo que seja um assunto trivial e de domínio público a tendência é de fechar os canais de comunicação e não permitir que haja qualquer coisa como bisbilhotice ou investigação independente ao sector.
Tentar perceber a actuação do corpo mais visível deste ministério, a polícia, requer que se entenda um pouco a sua génese. Com uma pronunciada pressa e vontade de escangalhar o aparelho de estado colonial assisitiu-se ao desmantelamento da PSP. O corpo de polícia criado em sua substituição passou a ter elementos inteiramente provenientes das Forças Populares de Libertação de Moçambique. Politicamente foi o caminho encontrado para lidar com o fardo da provável infiltração que representaria assimilar alguns dos integrantes da polícia colonial. Contra a história não podemos fazer nada neste momento. Foi uma medida que teve as suas consequências pois no processo perdeu-se alguma competência técnica acumulada. Com o desmantelamento da PSP, a Polícia Judiciária, corpo investigativo da polícia, também sofreu o mesmo destino.
Estas escolhas que se enquadravam nos propósitos da Frelimo na altura e provavelmente a conselho dos seus conselheiros do Leste teve consequências que talvez estejamos sofrendo até aos dias de hoje. O esclarecimento de crimes nunca foi tão dificil e o desempenho da polícia em geral nunca foi tão questionado.
Com a transformação da Frelimo em partido marxista assistiu-se a uma agudização do controle do partido em todas as esferas da sociedade. Tudo tinha que obedecer a agenda do partido visto que era tido como força dirigente da sociedade.
Nem o advento do multipartidarismo no país provocou as transformações que se apresentavam necessárias de modo a acomodar uma maneira nova de estar na vida pública. Fruto do seu poder e influência na hierarquia e porque de facto podia dispor dos mecanismos de nomeações, foi sempre garantido que a ascendência a cargos de chefia fosse inteiramente confiada a pessoas conhecidas e de confiança do partido no poder. A competência técnica muitas vezes não constituía o critério para decidir quem ocupava as pastas.
Muito tempo passou e não se vislumbra uma mudança na qualidade das actuações que a polícia oferece aos cidadãos. Parece que o que amarrava a polícia e a impedia de cumprir suas funções persiste e domina.
Julgo que em face da realidade se deve conduzir ou encaminhar as discussões sobre a polícia nacional para as forças políticas e o parlamento. E daqui de regresso para o governo visto que este não se tem mostrado capaz de agir a altura de responder com o vigor, firmeza e profundidade necessários.
As fronteiras porosas que temos, a definição do tipo de migração que se pretende, o tratamento dos casos de narco-tráfico como se exige requerem uma definição política de modo claro, sem ambiguidades para que os interesses nacionais sejam acautelados. A Comissão Política da Frelimo entanto que partido no poder está sendo omissa neste assunto que afecta a segurança nacional. Não está oferecendo a liderança que se impõe em relação a um assunto que toca e afecta a estabilidade e soberania da nação. Parece evidente que o alinhamento das forças policiais com o partido no poder, através da nomeação de quadros de direcção politicamente seguros e de confiança, sossega a liderança partidária. Mas a questão não se resume ou se esgota por aí. A segurança pública, a integridade territorial, ultrapassam a esfera dos interesses partidártios e é dessa maneira que a questão deve ser olhada e tratada. O país é mais do que a Frelimo e sua liderança. Julgo que alguma da incapacidade de lidar com determinados fenómenos que minam polícia nacional tem de ser encontrada nesta recusa de tornar a polícia num corpo efectivamente sem influência e ingerência de partidos políticos. Moçambique necessita de uma polícia profissional altamente treinada, obediente à Constituição e defensora dos cidadãos. Enquadrada e estruturada de modo que suas funções sejam executadas com brio e orgulho. Um sistema de salários, progressão na carreira, segurança social, e reforma devem ser desenhados de tal forma que a polícia tenha orgulho de sê-lo e colocá-la longe das malhas do suborno e da corrupção. O vulgo cinzentinho não deve almejar a ser trânsito ou PIC sob a alegacão de só aí é que se come. Importunar vendedores ambulantes e cidadãos respeitadores da lei não é função de uma polícia digna desse nome. Enquanto houver recusa de tornar a polícia num corpo verdadeiramente independente dos partidos políticos não haverá condições mínimas para em fórum próprio, se discutir ou debater o que se pretende com a polícia deste país. Transferências, nomeações, exonerações não são suficientes para modificar um cenário sombrio e preocupante como o actual. Após um determinado tempo em que as competências técnicas eram presentes e visíveis, fruto de cooperação e assesssoria com países como a ex-RDA, actualmente não existe uma cooperação daquele tipo e os resultados estão à vista de todos. Nem o estabelecimento da ACIPOL não está trazendo os efeitos que a situação no terreno exige. O know-how e meios técnicos para esclarecer crimes continuam ausentes. Os criminosos aos poucos ganharam a dianteira e colocaram a polícia na defensiva.
Embora sob direcção de um civil como noutros países democráticos é norma, qualquer semelhança quanto ao modo de actuação termina por aqui, Moçambique não tem sido capaz de conferir maiores capacidades aos seus polícias. Entre nós simplesmente não há resultados. Aumento de efectivos formados nas diversas escolas existentes tem significado maior circulação de polícias mas dificilmente maior qualidade de trabalho. Há que reconhecer que uma polícia faminta como a nossa é bastante vulnerável ao suborno e à fuga de informções. Pode ser que alguns dos polícias assassinados tenham sucumbido por informações fornecidas por colegas seus. É extremamente perigoso o que se passa dentro da polícia na medida em nem mesmo os seus agentes se sentem seguros. A eliminação física virou a método utilizado sempre que haja necessidade de gaantir que as coisas continuem na mesma. O dinheiro transformou-se em obsessão tal no seio da corporação que não se olha a meios para consegui-lo. Uma situação como esta é complexa e não se pode dizer que seja fácil aos quadros e direcção do MINT e ao próprio PR lidar com a mesma. Só que são estas mesmas pessoas que por força das sua funções devem oferecer soluções independentemente da complexidade existente.
As nomeações pouco ortodoxas do PR para determinadas pastas ministeriais podem ter alguns efeitos nocivos na qualidade final do trabalho do Ministério do Interior. Embora se possa referir que não interessa ser polícia para dirigir o MINT, esperava-se que no mínimo a escolha fosse de alguém com domínio perfeito das leis, um jurista ou na melhor das hipóteses um militar que tivesse tido formação em direito ou policial específica. Não se pode prescindir dos aspectos técnicos numa área em que muitas das soluções são encontradas através da técnica. Um engenheiro civil dificilmente poderá dirigir uma exploração agrícola e isso não é difícil de ver.
A primazia dos aspectos políticos nas nomeações presidenciais deixa algo a desejar no capítulo de resultados apresentados pelo trabalho das suas escolhas. Uma prerrogativa deve ser utilizada para [produzir os melhores resultados possíveis e não para assegurar obediência ou qualquer outra agenda.
Diagnosticar Moçambique é um exercício interessante e necessário. Julgo que cada um pode oferecer o seu ponto de vista e quem de direito pode no final decidir o que interessa. Ficar calado é que decerto não constitui a opção.
(Noé Nhantumbo) - CANAL DE MOÇAMBIQUE - 22.01.2009