quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O filme de uma desanexação forçada


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Destaques - Nacional
Escrito por Redacção/Hermínio José   
Quarta, 12 Setembro 2012 16:31
Com duas sentenças transitadas em julgado a favor dos queixosos, a família Amad, o Conselho Municipal da Beira continua relutante em entregar uma parcela de terra aos legítimos proprietários. A parcela sob número 82, situado no bairro da Manga, cidade da Beira, é titulada por Amina Mahomed, mas o executivo de Daviz Simango desanexou-a a seu favor, decorria o ano de 2008. O @Verdade fez a reconstituição da história da usurpação de terra, com base em documentos oficiais que uma mão amiga fez-nos chegar. Lamentamos o silêncio das autoridades municipais da Beira em dar a sua versão dos factos, ainda que chumbada por instâncias judiciais.

Em causa está a Quinta Amad uma unidade produtora de leite cuja actividade está licenciada e é do conhecimento do Governo provincial de Sofala e do município da Beira.Veja aqui o DUAT da família Amad.
Amina Mahomed é a titular do Direito de Uso e Aproveitamento do terreno em causa sob licença n.82, situado no bairro da Manga, cidade da Beira. Esta titularidade é reconhecida pelo Tribunal Judicial da Província de Sofala onde o litígio já deu entrada e foi sentenciado a favor da queixosa.
Segundo uma procuração a que o @Verdade teve acesso, o Conselho Municipal da Cidade da Beira tomou conhecimento a 16 de Agosto findo de que o Tribunal Judicial da Província de Sofala teria reconhecido, pela terceira vez, num intervalo de três anos, que o terreno ocupada pela Quinta registada sob a licença 82 é titulada por Amina Esmail Mahomed.
O filme do litígio
A cidadão Amina Esmail Mahomed é uma das herdeiras de uma grande parcela de terra na cidade da Beira, antes avaliada em um milhão de hectares, mas recentemente reduzida para pouco mais da metade com a implantação da Zona Económica Especial. Amina e o esposo Amad são titulares de uma concessão para fins agro-pecuários por 50 anos, segundo o aforamento n°82, sito no 15°Bairro da Manga- Chingussura/Mungassa, Cidade da Beira.
A referida concessão confronta, a partir do norte pelo leste, com o aforamento n°54, uma serventia de 10 metros e com uma faixa de 50 metros ao longo da linha férrea, e, mede um milhão de metros quadrados. Neste aforamento estão implantadas algumas benfeitorias tais como casas de habitação, comércio, dependências e estábulos.
Atribuição a um cidadão português
“Por despacho do Exmo Senhor Presidente do Conselho Municipal da Beira, de 23.09.2008, o terreno sob talhão sem número foi desanexado do prédio descrito sob número 1512 e inscrito a favor do Conselho Municipal da Beira – certidão de fls. 35”, lê-se. Posteriormente, foi concedido ao cidadão português Jaime Jesus Correia “a licença de uso e aproveitamento de terra no 288/88, de 13 de Março de 1008, para ocupar 1.410 metros quadrados, talhão sem número, fins de construção de uma habitação”. Veja aqui o documento do município
Confrontado com este cenário, “numa primeira fase, a família de Amad solicitou ao Conselho Municipal da Beira para que procedesse ao embargo administrativo da obra, tendo este, ao invés de embargar a obra, solicitado à Conservatória dos Registos da Beira, através da Requisição n°46/08, a desanexação de uma parte do aforamento 82”, refere. Facto estranho é que a Conservatória dos Registos da Beira procedeu, a 30 de Setembro de 2008, ao averbamento da desanexação mas, no mesmo dia, cancelou-o.
Foi preciso recorrer à justiça. Concretamente ao Tribunal Judicial da Provincial de Sofala que conclui que ficou provado que a família Amad é titular do uso e aproveitamento de terra sob o aforamento 82. “O prédio descrito sob número 1512, do livro B-5, está inscrito sob número 11065, a fls. 86, do livro G-12, a favor de Amina Esmail Mahomed e seu marido, por lhes ter ficado a pertencer na escritura de 22.02.1693, lavradas a fls. 32vo, do livro de notas para Escrituras diversas, número 9, do primeiro cartório da Comarca da Beira”, lê-se na certidão do tribunal. Ou seja, “a família Amad tem, a seu favor, um registo definitivo. O co-réu Conselho Municipal da Beira tem um título provisório que, sem qualquer renovação, já caducou, pelo decurso do tempo (seis meses). E, por último, o co-réu. Jaime de Jesus Correia não tem qualquer registo sobre a referida parcela.Veja aqui a sentença.
Portanto, “a família Amad é a única presumível titular do direito de uso e aproveitamento de terra na aludida parcela e, a coberto da presunção tantum júris prevista no art. 8 da C.R Predial, escusa de provar o facto a que ela conduz, invertendo, consequentemente o ónus da prova, cabendo, no caso em apreço, aos co-réus. Conselho Municipal da Beira e Jaime de Jesus Correia fazerem a prova do registo definitivo daqueles factos sujeitos (...)”.
Efectivamente, “por ofício número 886/CRE/2008, de 21 de Outubro, a Conservatória dos Registos da Beira” tinha informado “ao Conselho Municipal que a inscrição a favor do domínio público era provisória por falta de consentimento da titular do direito de uso e aproveitamento de terra”.
No entanto, esta não foi a única vez que o Conselho Municipal da Beira atentou contra o DUAT daquela família, pois “em Setembro de 2008, o município concedeu uma parte do aforamento nº 82 à confissão religiosa “Alcançar Moçambique com o Evangelho”. Contudo, a família solicitou o embargo judicial da obra, que foi então ratificado pelo Tribunal Judicial da Província de Sofala. A confissão religiosa abandonou pacificamente o local.Veja aqui a tentativa de atribuição a uma confissão religiosa.
Ainda em 2008, houve uma outra tentativa de perturbação do DUAT da família de Younusse Amad, sobre parte do aforamento n°82, desta feita, pela Sra. Luísa Armando, a qual iniciou uma obra nova no aforamento acima referido. Amad e família, uma vez mais, solicitaram o embargo judicial deste empreendimento, que foi decretado pelo Tribunal Judicial da Província de Sofala. Veja aqui o caso da Sra. Luísa Armando.
O tribunal concluiu que em momento algum o pedido de desanexação conferia à requerente Luísa Armando o direito de uso e aproveitamento da terra em disputa e ainda que “a requisição nº 46/08 era datada de 29 de Setembro de 2008, tendo sido emitida 14 dias posteriores à data da propositura da providência cautelar, sendo manifesta a pressa com que se pretendia desanexar o referido prédio rústico, pois que tal atribuição a quem quer que seja seria destituída de qualquer título” lê-se no documento.
Não obstante, as duas sentenças judiciais transitadas em julgado terem reconhecido expressamente o DUAT da família de Younusse Amad sobre o aforamento nº 82 e numa destas acções ter sido ordenado pelo juiz da causa o cancelamento da desanexação e, por outro lado, a Conservatória dos Registos da Beira ter cancelado a desanexação de parte do aforamento, o Conselho Municipal da Beira, em Fevereiro de 2011, concedeu uma parte do aforamento nº 82 à Sogecoa Moçambique, Lda. Aqui sentença do caso Sogecoa.
Depois da Sogecoa o mesmo espaço foi atribuído pela edilidade ao Ministério da Saúde para construção de um hospital provincial.
Titulares agredidos
No dia 14 de Dezembro de 2011, o Conselho Municipal da Beira, através da sua Polícia Municipal, sem aviso prévio e sem exibir qualquer documentação que fundamentasse o acto, dirigiu-se ao aforamento n°82 no Bairro da Manga e por meio da força e com recurso à violência física, destruiu benfeitorias erguidas numa parte do aforamento.
Não restou outra hipótese à família Amad a não ser apresentar uma queixa à Polícia da República de Moçambique das agressões perpetradas pela Polícia Municipal e ordenada pelo Presidente do Conselho Municipal da Beira, Deviz Simango, no exercício das competências de Chefe da Polícia Municipal atribuída pela alínea x) do n°2 do art. 62 da lei 2/97 de 18 de Fevereiro.
O que dizem os advogados
Advogados ouvidos pelo @Verdade consideram que o Município da Beira agiu em clara desobediência às sentenças judiciais. Os homens da lei explicam que se tivermos atenção às datas das sentenças é fácil concluir as concessões foram ilegais.
Outro jurista recorre ao artigo 215 da Constituição da República que estabelece que as decisões dos Tribunais são de cumprimento obrigatório para todos cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as outras autoridades.
Contudo, um especialista referiu que o facto de existir um registo em nome do queixoso coloca a edilidade em confronto com a lei. Ainda assim, o município pode caçar o direito de uso desde que fundamente e faça em conformidade com a lei. Porém, a edilidade agiu com a força, se quisesse a terra tinha de indemnizar em função do valor da mesma e das benfeitorias que existem no local. Instado à falar sobre o DUAT, a fonte referiu que é um documento para efeitos de exploração de terra para fins comerciais. Por outro lado, o título de propriedade incide sobre os imóveis erguidos no espaço cedido. Ainda assim, possuir o DUAT significa ter os direitos minimamente protegidos.
Efectivamente, “a decisão de uma instância pública por interesse público pode anular o direito. Porém, rigorosamente falando, a família não podia ter perdido nem sequer um metro do espaço”. Acrescenta: “a desanexação foi cancelada na conservatória porque não é feita com base em ofícios, sobretudo quando se trata do espaço de um cidadão. É um processo bastante sinuoso e que leva o seu tempo”.
“O município, neste caso, tinha de agir por via administrativa. Ou seja, retirar uma parte e indemnizar desde seja para benefício público. Só que os documentos revelam que só no caso do Hospital Provincial é que o benefício público podia ser arvorado”. Em suma: “de princípio a edilidade agiu à margem da legalidade administrativa e jurídica”. Ou seja, “trata-se de um decisão administrativa de um edil que fere a lei e os direitos alheios”.
Edilidade continua "muda"
Edilidade ignora contactos do @Verdade Relativamente ao assunto em questão, @Verdade tem vindo a insistir desde sexta-feira para ouvir a versão do edil da Beira ou de alguém ligado ao município. Depois das inúmeras chamadas efectuados para o número pessoal do Daviz Simango, os nossos repórteres optaram pelo envio de mensagens de texto, uma vez aconselhados pelo seu assessor. “O Presidente não atende chamadas dos números que desconhece. Enviem-lhe uma mensagem com o assunto que pretendem tratar”, disse-nos.
Enviamos uma primeira mensagem com o seguinte teor: “Boa tarde, aqui é o repórter do Jornal @Verdade. Vimos que as nossas chamas não estão a ser atendidas optamos pelo envio desta mensagem. Consta que que a sua edilidade está envolvido num litígio e alegada usurpação de terra na Beira. Confirma tais informações em poder do @Verdade?” Não obtendo nenhuma resposta enviamos outra por volta das 18horas de terça-feira: “Boa noite senhor Presidente do Município da Beira. Pedimos que, ao menos, diga se pode prestar declarações ao nosso órgão pois estando o mesmo na posse de um dossier cujo litígio envolve a sua edilidade pretendemos ter a posição da vossa parte”. Foi mais uma mensagem que ficou sem resposta.
Esta terça-feira, quinto dia de insistência, mandamos mais uma mensagem com o seguinte teor: “Bom dia senhor edil da Beira, talvez esteja a estranhar o número. Somos a Redacção do Jornal @Verdade e pretendemos ter o vosso posicionamento quanto à usurpação de terra no município que dirige.” Fracassámos novamente.
A nossa reportagem fez diligências e conseguiu o número do assessor de imprensa do Conselho Municipal da Cidade da Beira, o qual referiu que era novo na edilidade e não sabia de nada. Pedimos que informasse ao edil que o pretendíamos ouvir, mas este disse-nos que estava fora do escritório. Pedimos para que procurasse o vereador das construções e informou-nos que também estava ausente e que não tinha o seu contacto telefónico. Ainda assim deixamos espaço para que o município da Beira deixe ficar o seu posicionamento.
Veja em anexo toda documentação deste processo.