segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Testemunhas de Jeová - Invasão armada causa pânico e morte


No começo de 1983, membros armados do movimento de resistência começaram a invadir a região do Carico, obrigando o comandante do centro administrativo a refugiar-se na sede do distrito em Milange, 30 quilômetros distante. Por um período relativamente curto, os irmãos pareciam respirar aliviados, embora continuassem ainda sob alguma vigilância das autoridades.
Mas a tragédia sobreveio em 7 de outubro de 1984, enquanto se terminavam os preparativos para um congresso de distrito. Um grupo armado aproximou-se do leste. Ao cruzarem a aldeia n.° 9, deixaram atrás um rastro de pânico, sangue e morte. Depois de matarem o irmão Mutola, na aldeia malauiana n.° 7, mataram Augusto Novela na aldeia moçambicana n.° 4. Na aldeia moçambicana n.° 5, o irmão Muthemba foi alertado pelo tiroteio. Quando viu o corpo dum irmão no chão, clamou a Jeová por ajuda. Os homens armados saquearam e queimaram as casas. Homens, mulheres e crianças corriam desordenados procurando desesperadamente esconder-se. Este ataque violento foi apenas o prelúdio do que havia de vir. Depois de atravessar os campos, o grupo escolheu uma área logo ao norte da aldeia n.° 1 para estabelecer a sua base.
Nos dias seguintes, fizeram incursões diárias nos campos — roubando, queimando casas e matando. Numa dessas ocasiões, mataram seis Testemunhas malauianas, inclusive a esposa de Fideli Ndalama, superintendente de circuito.
Outros foram levados presos à base do campo. Especialmente os jovens foram submetidos a esforços para integrá-los no seu movimento militarizado. Muitos dos jovens fugiram das aldeias para se esconder nas machambas (seus campos cultivados) e os familiares lhes levavam alimentos. Moças passaram a ser recrutadas como cozinheiras, mas então os invasores procuravam obrigá-las a servir como “amantes”. Hilda Banze foi uma das que resistiram à pressão e, por conseguinte, foi espancada tão severamente, que foi dada como morta. Felizmente, ela se recuperou.
O grupo armado exigia ser sustentado pela população e que carregasse suas bagagens. Os irmãos achavam esta exigência incompatível com a sua posição de neutralidade cristã e por isso se negaram. Sua recusa provocou furor. Neutralidade e direitos humanos estavam fora de questão num mundo isolado em que o espancamento e as armas eram a única lei reconhecida. Cerca de 30 irmãos morreram durante este período turbulento. Um deles foi Alberto Chissano, que se negou a dar apoio e que tentou explicar: “Não faço parte da política, esta é a razão pela qual fui trazido de Maputo para cá. Já recusei no passado e não será diferente agora.” (Note João 18:36.) Isto era demais para os opressores, que furiosamente o levaram embora arrastado. Sabendo o que certamente o aguardava, o irmão Chissano despediu-se dos irmãos com uma expressão de inabalável fé. “Até o novo mundo”, foram as suas últimas palavras antes de ser severamente espancado e mortalmente ferido. Os irmãos da equipe médica ainda tentaram salvá-lo, mas sem êxito. Seria de fato “até o novo mundo”, pois nem mesmo a ameaça de morte conseguiu quebrantar-lhe a fé. — Atos 24:15.
Libertados da fornalha de fogo
Algo tinha de ser feito para aliviar a insuportável tensão. A Comissão ON reuniu-se com os anciãos e os servos ministeriais para considerar como tentar estabelecer um diálogo com o movimento de resistência. Entretanto, homens do movimento de resistência já tinham enviado um convite a todos da região para comparecer em sua base. Os anciãos decidiram ir, junto com um grupo considerável de Testemunhas que se ofereceu a acompanhá-los. Dois irmãos foram instruídos a servir de porta-vozes de todas as aldeias. Isaque Maruli, um dos porta-vozes designados, passou pela sua casa para informar sua jovem esposa e se despedir dela. Alarmada com o que podia acontecer, ela tentou dissuadi-lo. Ele lhe falou consoladoramente e disse: “Será que sobrevivemos até agora devido a alguma esperteza da nossa parte? E será que somos mais valiosos do que os outros irmãos?” Ela silenciosamente concordou. Fizeram juntos uma oração e se despediram.
Na reunião estavam presentes não só as Testemunhas, mas também os que não eram Testemunhas, que estavam dispostos a apoiar o movimento armado. O número dos irmãos, porém, era de 300, excedendo os outros. Foi uma reunião acalorada, alguns gritando slogans políticos e cantando canções militares. Fez-se o anúncio: “Hoje vamos gritar ‘Viva Renamo’ [Resistência Nacional de Moçambique, movimento que combatia o governo Frelimo] até que caiam as folhas destas árvores.” O comandante, os soldados e os que não eram Testemunhas ficaram impacientes com o silêncio dos irmãos. O comissário político que presidia à reunião explicou a ideologia do seu movimento. Falou da determinação do alto comando de desmantelar as aldeias e de fazer todos dispersar-se e morar nas machambas. Deu então oportunidade para os presentes se expressarem. Nossos irmãos explicaram sua posição neutra. Esperavam que seus motivos de não participar em fornecer alimentos, carregar bagagem, e assim por diante, fossem compreendidos. Quanto a se dispersarem das aldeias, já tinham sido obrigados a fazer isso.
O comandante não gostou nada da resposta corajosa dos irmãos mas, providencialmente, o comissário era mais compreensivo. Acalmou o comandante e mandou os irmãos embora em paz. Saíram assim vivos do que descreveram como “fornalha de fogo”. (Note Daniel 3:26, 27.) Mas a paz não estava garantida. O evento único mais abalador ainda estava por vir poucos dias depois.
O massacre da aldeia n.° 7
O domingo, 14 de outubro de 1984, apesar do sol brilhante, foi um dia tenebroso no Carico. Cedo naquele dia, os irmãos tinham realizado sua reunião congregacional, alguns visitando depois as aldeias para apanhar o restante dos suprimentos antes de rapidamente retornarem às suas novas moradas nos campos. Sem aviso, um grupo armado deixou sua base e foi na direção da aldeia moçambicana n.° 7. Capturaram um irmão nos limites da aldeia n.° 5 e exigiram: “Mostre-nos o caminho da aldeia n.° 7; você vai ver o que é a guerra.” Chegando à aldeia, prenderam a todos os que por acaso estavam ali. Fizeram-nos sentar em círculo, por ordem do número da aldeia a que pertenciam. Daí começou o interrogatório.
“Quem bateu em nosso mudjiba [um vigia ou informante desarmado] e o roubou?” queriam saber. Os irmãos, não sabendo do que os homens estavam falando, responderam que não sabiam. “Então, se ninguém vai falar, vamos fazer um exemplo deste homem sentado aqui na frente.” E atiraram à queima-roupa na testa do irmão. Todos ficaram abalados. A pergunta foi repetida vez após vez, e sempre com uma nova vítima para ser fuzilada. As mulheres, segurando seus bebês, se viam obrigadas a ver a execução bárbara dos maridos, como se deu com a irmã Salomina, que viu seu marido Bernardino morrer. Mulheres também foram assassinadas. Leia Bila, esposa de Luís Bila, que morrera de ataque cardíaco no campo perto de Lichinga, foi uma delas, e seus filhos pequenos ficaram assim orfanados. A execução nem poupou os jovens, tais como Fernando Timbane, que mesmo baleado orou a Jeová e procurou encorajar os demais.
Quando dez vítimas tinham sido brutalmente executadas, surgiu um desacordo entre os executores, acabando com o pesadelo. Às ordens deles, o irmão Nguenha, que teria sido a 11.a vítima, levantou-se da “cadeira da morte”. Ele conta: “Eu tinha orado a Jeová para que cuidasse da minha família sobrevivente, pois os meus dias tinham terminado. Daí levantei-me e senti uma coragem incomum. Foi só depois que me sobreveio o abalo emocional.”
Após isso, obrigaram os sobreviventes a queimar as casas remanescentes na aldeia. Antes de partirem, os homens armados advertiram: “Viemos com a ordem de matar 50 de vocês, mas estes já são suficientes. Não devem ser enterrados. Vigiaremos, e se algum corpo desaparecer, serão mortos dez por cada corpo que faltar.” Que ordem mais estranha e hedionda!
Com o som dos tiros ecoando por toda a área e a notícia se espalhando pelos que conseguiram escapar, gerou-se uma nova onda de pânico nas aldeias. Os irmãos, em desespero, fugiram para o mato e para as montanhas. Só depois se descobriu que as perguntas acusatórias que geraram o massacre tinham sido instigadas por um desassociado que queria juntar-se ao movimento de resistência. Ele também se tornara ladrão. Fizera as acusações falsas contra os irmãos da sua própria aldeia, procurando granjear os favores e a confiança do grupo. Mais tarde, quando os do grupo descobriram que tinham sido enganados, prenderam o originador dessa mentira e o mataram da maneira mais bárbara.
Começa a dispersão
O inteiro Círculo do Carico estava pesaroso e confuso. Os anciãos, também em pranto, procuravam consolar as famílias enlutadas pela perda dos entes queridos no massacre. A idéia de continuar naquela região era insustentável. Assim, começou uma dispersão natural. Congregações inteiras buscavam lugares de até 30 quilômetros distantes, onde pudessem sentir-se mais seguras. Alguns decidiram ficar perto das machambas. De modo que redobrou o trabalho dos anciãos da Comissão ON. Tinham de andar muitos quilômetros para zelar da união e da segurança física e espiritual do rebanho em todas as congregações muito dispersas.
As notícias desses lamentáveis acontecimentos chegaram à congênere da Sociedade em Zimbábue, que providenciou que membros da congênere visitassem os irmãos e os edificassem. Consultou-se também o Corpo Governante em Brooklyn sobre a necessidade de alimentos, roupa e medicamentos nos campos em Milange. Com profunda preocupação com o bem-estar dos irmãos, o Corpo Governante deu instruções de se usarem os recursos financeiros disponíveis para cuidar das necessidades deles, inclusive de sair da região de Milange e voltar para suas regiões de origem, se fosse aconselhável. Essa opção parecia mesmo aconselhável.
No começo de 1985, membros da Comissão ON, assim como haviam feito todos os anos, partiram de Milange para se encontrar com o superintendente zonal, enviado pelo Corpo Governante. Don Adams de Brooklyn estava ali. Numa reunião que incluía as Comissões de Filial da Zâmbia e do Zimbábue, os membros da Comissão ON expressaram suas preocupações referentes ao Círculo do Carico. Foram aconselhados a considerar se era sábio continuar no Carico. Chamou-se atenção para o princípio bíblico em Provérbios 22:3: “Argucioso é aquele que tem visto a calamidade e passa a esconder-se.” Com isto em mente, voltaram aos campos.
Sair? Como? E para onde?
O conselho foi imediatamente transmitido às congregações. Alguns agiram prontamente, como no caso de João José, irmão solteiro que mais tarde participou na construção dos prédios para as congêneres em Zâmbia e em Moçambique. Com um grupo de outros irmãos, cruzou a fronteira para Malaui, chegando à Zâmbia sem maiores problemas.
Mas a situação não era tão fácil para outros. Muitas famílias tinham filhos pequenos a considerar. Membros do movimento de resistência vigiavam constantemente os caminhos, e quem os usasse estava sujeito a ser atacado. A fronteira com Malaui apresentava outro desafio, especialmente para os irmãos malauianos, visto que as Testemunhas de Jeová ainda eram desprezadas e caçadas ali. Surgiram assim questões polêmicas: Como sairiam? Aonde iriam? Tendo vivido por anos no mato e sem documentos, como podiam cruzar fronteiras? “Nós também não sabemos”, foi a resposta dos membros da Comissão ON numa reunião extremamente tensa com todos os anciãos. “Uma coisa é certa — temos de nos dispersar”, enfatizaram. Concluíram: “Cada um faça orações, planeje e aja.” — Note 2 Crônicas 20:12.
Nos meses à frente, esse foi o tema dominante das reuniões. A maioria dos anciãos apoiava a idéia de sair e incentivava os irmãos neste sentido. Outros decidiram ficar. Por fim, começou um êxodo esparso. Os irmãos malauianos que tentaram voltar para casa foram bloqueados na fronteira pelos motivos antigos e tiveram de voltar. Isto diminuiu o entusiasmo dos que tinham decidido sair e reforçou o argumento dos a favor de ficar. Um “convite” para outra “reunião importante” na base militar passou a ser o fator decisivo para a maioria.
Êxodo em massa
Em 13 de setembro de 1985, apenas dois dias antes da reunião anunciada, os irmãos Muthemba, Matola e Chicomo, os três membros restantes da Comissão ON, reuniram-se mais uma vez. O que deviam recomendar aos irmãos com respeito ao “convite”? A reunião durou toda a noite. Depois de muita oração e ponderações, decidiram: “Teremos de fugir na próxima noite.” Logo em seguida, no que foi possível, espalharam a notícia da decisão, bem como a hora e o lugar de encontro. As congregações que decidiram partir compareceram. Foi o último ato da Comissão ON nos campos.
A partir das 20h30, depois de fazer uma oração, os irmãos começaram um êxodo cronometrado. Seu êxodo foi um segredo bem guardado tanto dos soldados como dos “rebeldes”. Serem apanhados teria sido uma calamidade. Sob a cobertura da noite, cada congregação tinha 15 minutos para sair, concedendo-se a cada família 2 minutos. A longa fila indiana se enveredou na mata silenciosamente, sem saber o que no amanhecer os aguardaria na fronteira de Malaui, se conseguissem chegar lá. Os pastores espirituais da Comissão ON foram os últimos a partir, à uma hora da madrugada. — Atos 20:28.
Filipe Matola foi vencido pelo cansaço, depois de uma caminhada de uns 40 quilômetros e de não ter dormido por duas noites. Adormeceu à beira da trilha enquanto esperava os últimos dos idosos passar. Podemos imaginar a alegria que sentiu quando o jovem Ernesto Muchanga veio correndo da vanguarda com as boas novas: “‘Tio’, os irmãos estão sendo recebidos em Malaui!” “Este é um exemplo”, exclamou Matola, “de como Jeová abre o caminho, quando não parece haver saída, como no mar Vermelho”. — Êxo. 14:21, 22; veja o Salmo 31:21-24.
Nos meses seguintes, sentiram o que significa viver em campos de refugiados em Malaui e na Zâmbia, antes de retornarem a Moçambique e de voltarem às suas cidades. Mas o que aconteceu aos que ficaram na área do Carico?
Os que ficaram
A decisão da Comissão ON não chegou a tempo a todas as congregações dispersas antes de começar o êxodo. Alguns dos que o ouviram decidiram permanecer ali e ir à reunião na base militar. A Congregação Maxaquene, junto com outras, não ouvira o anúncio, mas já decidira fugir. Estes irmãos, antes de irem à reunião, deixaram sua família preparada para fugir. Cerca de 500 irmãos compareceram à reunião. Esta foi breve e ao ponto. O comandante disse: “Foi determinado pelos nossos superiores que todos aqui presentes deverão comparecer à nossa base superior da região. Será uma viagem longa. Por lá passarão até três meses.” E a viagem começou naquele momento.
Valendo-se da vigilância relativamente pouca da parte dos soldados, os irmãos decididos a fugir escaparam. Juntaram-se a seus familiares e escaparam como puderam rumo à fronteira de Malaui. Outros, quer no cumprimento das ordens do movimento armado, quer por falta de oportunidade, empreenderam a viagem para o sudoeste até a base em Morrumbala, chegando ali alguns dias depois. Ali foram outra vez pressionados para apoiarem o movimento. Sua recusa resultou em severas torturas e inúmeros espancamentos, de que pelo menos um irmão morreu. Três meses depois, receberam finalmente a permissão para voltar às suas casas.
Muitos continuaram na região do Carico, totalmente sob o controle do movimento de resistência. Viram-se isolados da organização de Jeová pelos próximos sete anos. Eram um grupo bastante grande, de cerca de 40 congregações. Sobreviveriam espiritualmente? Seria seu amor a Deus forte o bastante para não sucumbirem ao desespero? Voltaremos a eles mais tarde.
Campos de refugiados em Malaui e na Zâmbia
Nem todos os que fugiram do Carico foram prontamente recebidos em Malaui. A Congregação Maxaquene, depois de cruzar a fronteira e descansar um pouco, foi descoberta pela polícia malauiana e mandada voltar. Os irmãos suplicaram aos policiais, explicando que fugiam da guerra na região onde havia morado. Os policiais não se deixaram comover. Aparentemente sem opção e em desespero, alguém gritou: “Vamos chorar, irmãos!” E foi exatamente o que fizeram, e choraram tão alto, que atraíram a atenção da vizinhança. Os policiais, embaraçados, pediram que parassem. Uma irmã rogou: “Deixem-nos pelo menos preparar algum alimento para as crianças.” Os policiais concordaram, dizendo que voltariam mais tarde. Felizmente, nunca voltaram. Mais tarde, uma autoridade veio em socorro das Testemunhas, trazendo alimentos e encaminhando-os para o campo de refugiados onde estavam os demais irmãos.
As Testemunhas de Jeová moçambicanas estavam assim inundando os campos de refugiados em Malaui. O governo malauiano as recebeu na condição de refugiados de guerra. A Cruz Vermelha Internacional veio em auxílio, trazendo suprimentos para aliviar o desconforto e as dificuldades causadas pelas intempéries nos campos a céu aberto. Alguns foram para a Zâmbia, onde foram encaminhados a outros campos de refugiados. Filipe Matola e Fernando Muthemba trabalharam então associados com membros da Comissão de Malaui em busca dos irmãos moçambicanos nesses campos, a fim de levar consolo espiritual e ajuda financeira, autorizada pelo Corpo Governante.
Em 12 de janeiro de 1986, A. D. Schroeder, membro do Corpo Governante, deu a esses irmãos encorajamento espiritual e lhes transmitiu o cordial amor do Corpo Governante. Não podendo entrar nos campos, proferiu na Zâmbia um discurso que foi traduzido para o chicheua, gravado e depois levado aos campos em que estavam os irmãos moçambicanos.
Aos poucos, esses refugiados foram ajudados a chegar à sua próxima parada, em Moçambique. Para muitos foi Moatize, na província de Tete. Em Moçambique havia uma mudança na atitude do governo para com as Testemunhas de Jeová, embora nem todas as autoridades locais ainda evidenciassem isso.
De volta a Moçambique
Grupo após grupo começou a superlotar os vilarejos ao leste da cidade de Tete. Vagões abandonados, antes usados como sanitários públicos, foram usados para abrigá-los. Depois de limpar os vagões, muitos deles foram usados como locais para celebrar a Comemoração da morte de Cristo em 24 de março de 1986.
Irmãos de todo o Moçambique ficaram ali por meses sem saber como seriam transportados de volta aos seus lugares de origem. Esta espera tinha seu quinhão de tribulação. Tentaram improvisar algum trabalho a fim de se sustentar ou de juntar algum dinheiro para uma passagem aérea, mas sem muito sucesso. Por causa da guerra, não era possível seguir pelas estradas. Nem sempre eram bem tratados pelas autoridades locais, que ainda tentavam obrigá-los a repetir slogans políticos. A isso os irmãos respondiam corajosamente: “Fomos levados para o Carico por esta questão. Ali cumprimos a nossa pena e fomos abandonados à mercê de atacantes armados. Escapamos pelos nossos próprios meios. O que ainda querem de nós?” Depois de tal resposta, eram deixados em paz. No entanto, os jovens ainda continuavam a ser hostilizados e encarcerados na tentativa de recrutá-los para o exército do governo, a fim de combater a contínua insurgência armada na região. Muitos irmãos jovens usavam de astúcia para fugir e viver escondidos.
A comissão em Malaui decidiu que Fernando Muthemba devia ir a Tete para ajudar os irmãos ali. Quando o irmão Muthemba chegou a Moatize, as autoridades decidiram inspecionar sua bagagem. Bem a tempo, os irmãos conseguiram resgatar as publicações que tinha consigo. Portanto, quando os policiais revistaram sua bagagem, o que encontraram? “Apenas alguns trapos”, ele diz. A polícia desapontada perguntou: “É só isso?” Sim, era só isso. Esta era toda a bagagem de um homem que arcara com responsabilidades tão pesadas nos campos. Como todos os demais, voltara despojado de tudo o que possuíra. De fato, naquele momento, a aparência física dos irmãos não era nada agradável — sujos, maltrapilhos, famintos e obviamente maltratados. Enquadravam-se bem na descrição inspirada de muitos dos servos de Deus no passado: “Andavam vestidos de peles de ovelhas e de peles de cabras, passando necessidade, . . . sofrendo maus-tratos; e o mundo não era digno deles. Vagueavam pelos desertos, . . . e pelas cavernas, e pelas covas da terra.” — Heb. 11:37, 38.
Por fim, transporte para Maputo
Em Maputo, uma comissão designada pela Sociedade passou a contatar diversas agências governamentais e não-governamentais para encontrar meios de translado dos irmãos em Tete e na Zâmbia. Quão felizes ficaram Isaque Malate e Francisco Zunguza quando se dirigiram ao Alto Comissariado das Nações Unidas Para Refugiados e foram informados: “Já foram autorizados mais de 50 vôos para trazer de volta as Testemunhas de Jeová”! Ficaram gratos de que o governo dera a autorização.
Sem saber deste arranjo, os irmãos em Tete, todos os acampados perto do aeroporto, iam todos os dias a ele na esperança de que um avião de carga levasse pelo menos alguns deles. Comovido, Fernando Muthemba fala sobre o dia 16 de maio de 1987: “Eram 7h30 da manhã. Quando olhei para o aeroporto, vi dois grandes aviões Boeing que iam iniciar a ‘ponte aérea’ para evacuar todas as Testemunhas de Jeová para Maputo.” Que emoção! Depois de 12 anos retornar às suas cidades!
Infelizmente, sua aparência não era nada apresentável. Emídio Mathe, ancião na Congregação Maxaquene, tomou emprestado uma calça de alguém que tinha mais de uma, para chegar a Maputo mais ou menos vestido. Os irmãos que esperavam a chegada dos refugiados em Maputo também levavam roupa aos aviões, para que pudessem desembarcar com um pouco de dignidade. Sentiam-se envergonhados? “Não”, responde Emídio, “embora tivéssemos ficado materialmente despojados, tínhamos a esperança de que Jeová, um dia, nos usasse para que seu nome fosse enaltecido. Não estávamos preocupados com bens materiais; não nos sentíamos envergonhados. Andávamos esfarrapados, mas a nossa fé em Jeová estava invicta.” Os irmãos na África do Sul e no Zimbábue contribuíram de bom grado toneladas de alimentos e de roupa para seus irmãos moçambicanos que retornaram.
O governo providenciou transporte adicional às Testemunhas que voltavam para outras províncias. Para os que retornaram à província de Sofala, à região conhecida como o Corredor da Beira (por causa da proteção dada por soldados do Zimbábue), ainda ia haver dificuldades. Dezoito deles, inclusive um ancião, foram capturados e levados à base do movimento de resistência.
‘Jeová é grande, Jeová é grande!’
O comandante da base, depois de interrogá-los e ficar sabendo que eram Testemunhas de Jeová, chamou um religioso que dirigia uma igreja na região controlada pelo movimento de resistência. Ele disse a este homem: “Estes são Testemunhas de Jeová e agora vão orar com vocês. Trate-os bem.” Para a surpresa dos irmãos, este pastor (que algum tempo antes obtivera publicações da Torre de Vigia no Zimbábue), meneou a cabeça e exclamou: “Jeová é grande . . . Jeová é grande!” Prosseguiu: “Oramos a Jeová para que enviasse pelo menos um para nos ensinar.”
No outro dia, ele reuniu os 62 membros da sua igreja e pediu que o ancião lhes falasse. O irmão começou por dizer que todas as imagens deles tinham de ser removidas. (Deut. 7:25; 1 João 5:21) Eles prontamente obedeceram. Ele mostrou também que Jeová não aprova e nem autoriza a expulsão de demônios por seus servos hoje em dia e que o toque ritual de tambores não faz parte da verdadeira adoração conforme delineada na Bíblia. (Mat. 7:22, 23; 1 Cor. 13:8-13) Na conclusão, o líder do grupo levantou-se e disse: “A partir de hoje, eu e minha família somos Testemunhas de Jeová.” Com exceção de um casal, a congregação inteira expressou o mesmo desejo.
Nos quatro meses que os irmãos permaneceram ali, realizaram regularmente reuniões. Quando chegou o tempo de irem embora, levaram consigo um bom número deste grupo, muitos deles tendo sido antes membros ativos das facções combatentes.
Muitos se juntaram ao povo de Jeová durante este período, pois apesar das condições difíceis de vida, os irmãos nunca deixaram de pregar as boas novas do Reino de Deus e de fazer discípulos. — Mat. 24:14; 28:19, 20.
Retorno à vida nas cidades
Os irmãos eram gratos de estar de volta nas cidades. Mas sem documentos, sem moradia ou serviço secular, a vida continuava a ser difícil para eles. Era uma nova fase na sua vida cheia de desafios. A própria nação passava por convulsões, flagelada por guerra civil, fome, seca e desemprego. Conseguiria o povo de Jeová soerguer-se nestas circunstâncias difíceis?
O governo veio em seu auxílio, criando o Departamento de Reintegração Social. Muitas Testemunhas receberam de volta seus empregos anteriores, ocupando posições importantes em empresas do setor público e privado. Outros abriram seus próprios negócios.
Muitos puderam voltar às suas residências anteriores, ainda ocupadas por parentes. Para outros, porém, a situação não era fácil. Sua casa tinha sido ocupada por estranhos ou por parentes inamistosos, ou tinha sido nacionalizada pelo Estado. Demonstrando mansidão, as Testemunhas que voltaram decidiram não criar caso, contrário ao que o governo talvez temesse. Testemunhas que não tinham sido enviadas aos campos abriram seus lares, acolhendo seus irmãos sem teto. Aos poucos, acharam ou construíram para si acomodações. Com a bênção de Jeová sobre a sua diligência, muitos têm hoje uma boa casa, para a surpresa dos que tinham observado a condição lastimável em que voltaram. É notável que no meio da prevalecente pobreza, nenhuma Testemunha de Jeová teve de recorrer à mendicância. Depois de poucos anos, quando se abriu a oportunidade para as pessoas comprarem sua própria casa do Estado, a primeira pessoa em todo o país a conseguir uma casa foi uma Testemunha de Jeová que estivera no Carico. O depósito de publicações em Maputo funciona atualmente neste lugar.
No entanto, obter uma casa ou conseguir outros benefícios materiais não era a principal preocupação dos irmãos. Mais importante era achar locais para reuniões de adoração. Afinal, não era este o principal motivo de Jeová os ter trazido a salvo para casa? Certamente era isso o que os irmãos acreditavam firmemente. (Note Ageu 1:8.) Prontamente, improvisaram todo tipo de Salão do Reino — em quintais, em salas de estar e em cozinhas, em barracos de zinco e de sapé; às vezes — um luxo — reuniam-se em salas de aula em escolas ou auditórios de hospitais. É nestes Salões do Reino improvisados que a maioria das 438 congregações em Moçambique se reúne até agora. Há raras exceções. Uma delas é na Beira onde, com a ajuda da congênere da Sociedade no Zimbábue e da sua valente equipe de construção, os irmãos superaram os muitos obstáculos e finalmente, em 19 de fevereiro de 1994, dedicaram em Moçambique seus primeiros dois Salões do Reino construídos com tijolos.
Comissões especiais  reconhecimento legal
Com o objetivo de cuidar das necessidades materiais e espirituais dos irmãos ao reorganizarem sua vida, o Corpo Governante designou comissões especiais em Tete, na Beira e em Maputo, supervisionadas pelas congêneres no Zimbábue e na África do Sul. Com este arranjo, as congregações puderam receber mais atenção. Para fornecer as muito necessitadas publicações bíblicas, estabeleceram-se depósitos nestas cidades. Estes serviram também como centros de distribuição de alimentos e de roupa. Organizaram-se assembléias e congressos, embora ainda fosse preciso vencer alguns obstáculos antes que pudessem ser realizados abertamente.
Daí, em 11 de fevereiro de 1991, correu uma notícia emocionante por todo o país, para a alegria do povo de Jeová em todo o mundo. O governo de Moçambique concedera reconhecimento legal à Associação das Testemunhas de Jeová de Moçambique. Fernando Muthemba, que ajudara lealmente a cuidar dos irmãos no Carico, serviria como seu primeiro presidente. O povo de Jeová em Moçambique regozijou-se também de ter no seu meio os primeiros missionários treinados em Gileade. Estes ficavam em lares missionários em Maputo e na Beira. Mas outro lar estava sendo preparado em Tete, para receber mais missionários que iam chegar em breve.
Missionários alegram seus irmãos
Abriu-se em Moçambique um verdadeiro campo missionário. Abnegados e desejosos de participar na reconstrução e colheita espirituais em Moçambique, os formados em Gileade e pioneiros especiais experientes que já serviram em outros campos aceitaram prontamente o convite de servir aqui. Vieram de cinco continentes, muitos deles de países onde se fala português, tais como o Brasil e Portugal. Sua nova designação não deixava de ser um desafio, porque em 1990 e 1991 o país apenas estava começando a sair do atoleiro econômico causado pela guerra e pela seca. Hans Jespersen, missionário dinamarquês que servira no Brasil e que atualmente serve como superintendente de distrito, conta: “Não havia praticamente nada nas lojas, e eram evidentes as marcas da guerra e suas conseqüências.” No entanto, já se evidencia a constante recuperação econômica. Apesar disso, muitos de nossos irmãos nas regiões norte e rurais continuam a viver em condições extremamente difíceis.
Os missionários se confrontaram com muito do que era novidade para eles. Por exemplo, antes da assinatura do acordo de paz entre o governo Frelimo e a Renamo, as designações dos missionários às vezes exigiam que viajassem em colunas (comboios compridos de veículos escoltados pelas forças armadas do governo), e estes às vezes sofriam ataques. Mas tiveram muita alegria em conhecer irmãos; e para muitos destes, conhecer Testemunhas de outras raças e nacionalidades era a realização dum sonho.
Numa parte remota do norte, uma criança andou o dia inteiro com o pai para ver um missionário que viera da Austrália. Notando a expressão de admiração no rosto da criança, o pai disse: “Eu não lhe disse que havia irmãos brancos?” Muitos, ao cumprimentar missionários, expressavam sua satisfação dizendo: “Conhecíamos vocês apenas pelas experiências no Anuário.” Testemunhas moçambicanas, que em 1993 ainda estavam em campos de refugiados na Zâmbia, disseram: “Quando ouvimos na Zâmbia que em Tete havia um lar missionário, fizemos tudo para retornar, para ver isso com os nossos próprios olhos e para continuar o serviço aqui, 18 anos depois de termos sido levados para o Carico.”
O objetivo principal desses missionários em Moçambique é pregar as boas novas do Reino de Deus. Isso tem sido muito gratificante. Os primeiros missionários em Maputo e na Beira contam: “A fome espiritual era tão grande, que quantidades enormes de publicações eram colocadas diariamente.” As publicações da Sociedade, em quatro cores, são novidade neste país e atraem muito a atenção do público. Os lares missionários são muitas vezes usados como base central para dirigir estudos bíblicos, visto que muitos estudantes parecem preferir isso.
Atualmente, há seis lares missionários espalhados pelo país, com 50 missionários servindo em diferentes designações. Alguns missionários viajam cada mês em rotas estabelecidas pela filial para recolher relatórios e levar correspondências, revistas e outras publicações. Estas rotas incluem o lugar onde antes havia o Círculo do Carico, em Milange.
A propósito, o que aconteceu com as Testemunhas que ficaram nessa região e que ficaram isolados do restante dos seus irmãos?
Abre-se o Círculo do Carico
Em 4 de outubro de 1992, foi assinado em Roma o Acordo Geral de Paz entre a Frelimo e a Renamo pondo fim oficial a 16 anos de guerra civil em Moçambique. Este evento amplamente festejado possibilitou levantar a cortina que separava a região do anterior Círculo do Carico. E o que se viu? Mais de 50 congregações das Testemunhas de Jeová emergindo do isolamento que durara sete anos. Como sobreviveram espiritualmente a este severo isolamento?
Em fevereiro de 1994, realizou-se em Milange uma entrevista com 40 irmãos responsáveis. Também estavam presentes mil outros que andaram mais de 30 quilômetros para ver os missionários. Os anciãos que permaneceram depois do êxodo contaram: “Depois de muitos de nós termos sofrido espancamentos naquela base militar, permitiram que voltássemos para viver nas machambas das extintas aldeias. Com o tempo, a Renamo autorizou-nos a construir Salões do Reino e realizar reuniões. Prometeram — e o cumpriram — que enquanto estivéssemos nos nossos salões ou em caminho para a nossa adoração, não seríamos molestados. No entanto, não se responsabilizavam se num dia de reunião alguém estivesse em casa ou mesmo fora do Salão do Reino.” E quanto à pregação? A resposta dos irmãos é tocante: “Sem roupa e despojados, vivíamos como bichos, mas não esquecíamos que éramos Testemunhas de Jeová e que tínhamos a obrigação de pregar o Reino.” Que demonstração eloqüente de apreço e de amor a Deus!
Em 1993, o superintendente de distrito e sua esposa presenciaram um evento sem paralelo numa assembléia de circuito realizada em Milange, algo que confirmou que esses irmãos deveras haviam continuado a fazer discípulos. Quando o orador do discurso do batismo pediu que os candidatos ficassem de pé, 505 se levantaram dentro duma assistência de 2.023, apresentando-se para o batismo! E tem mais.
O “Saulo” do Carico
Saulo de Tarso, ferrenho perseguidor dos seguidores de Jesus Cristo no primeiro século EC, tornou-se servo zeloso de Jeová. O Carico também teve seu “Saulo”. Ele é um homem de traços finos e de aparência mansa, e é atualmente servo ministerial e pioneiro regular. Não há nada que o diferencie dos seus colegas de trabalho quando estes dão duro para ganhar o sustento. Mas escute-o ao contar sua história, ao fazer uma pausa no seu trabalho:
“Em junho de 1981, a região em que eu vivia foi tomada pelo movimento de resistência. Fui levado com outros homens ao seu quartel. Foi-nos exposto o motivo da sua luta e a importância de apoiá-la para a libertação de nosso povo. Recebi treinamento militarizado e participei em combates bem-sucedidos. Esta tornou-se minha rotina nos próximos sete anos. Dada a minha lealdade ao movimento, fui promovido a comandante. Chefiei sete pequenos exércitos. Muitas regiões vieram a estar sob o nosso controle, e uma delas era o Carico. Destaquei homens para penetrarem nas aldeias onde estavam as Testemunhas de Jeová em busca do seu apoio. Autorizei a queima das suas casas e que algumas delas fossem mortas. Meus comandados me disseram: ‘Mataremos a todos, mas nunca conseguiremos mudá-los.’ Com o tempo, fui transferido para outras bases.”
Embora este comandante não tivesse escrúpulos de perseguir o povo de Jeová, o próprio Jeová, na sua misericórdia, deu-lhe a oportunidade de mudar. O homem explica: “Após sete anos sem ver a minha esposa, pedi dispensa para visitá-la. E foi em Malaui, num campo de refugiados, que tive meu primeiro contato com a verdade. Recusei inicialmente. Depois, ao ouvir sobre o novo mundo, o Reino de Deus e um mundo sem guerras, perguntei-me: ‘Pode alguém que fez tantas coisas más beneficiar-se com isso?’ Foi-me respondido com a Bíblia: ‘Sim, por ter fé e obedecer a Deus.’ Aceitei um estudo bíblico, e em junho de 1990 fui batizado. Desde então tenho sido pioneiro, ajudando a muitos dos meus colegas ex-combatentes. Só ali naquele campo ajudei a 14 pessoas a se tornarem servos de Jeová. Tendo servido onde há mais necessidade, já sofri o meu quinhão por motivos de neutralidade. Sou muito grato a Jeová pela sua misericórdia e por não levar em conta os tempos da minha ignorância, perdoando-me por meio do sacrifício de Jesus Cristo.” (Atos 17:30) Este é apenas um dos muitos exemplos que mostram por que os irmãos moçambicanos dizem tantas vezes com profundo apreço: “Jeová é grande.” — Sal. 145:3.
Uma filial em Maputo
Quem diria? Aconteceu mais cedo do que esperávamos. O Corpo Governante aprovou que houvesse uma filial em Moçambique. Desde 1925, quando o mineiro Albino Mhelembe trouxe a verdade de Johanesburgo, a obra em Moçambique havia sido cuidada pelas congêneres na África do Sul, em Malaui e no Zimbábue. Finalmente, em Maputo, a partir de 1.° de setembro de 1992, numa grande casa que a Sociedade adquiriu e renovou na área de muitas embaixadas, a filial moçambicana iniciou seu trabalho de supervisionar este vasto campo. Começando com uma reduzida família de 7 membros, a recém-designada Comissão de Filial tinha pela frente um trabalho desafiador. Tinha de organizar a obra no campo, cuidar das necessidades espirituais — e mesmo materiais — dos irmãos, ajudar na construção de Salões do Reino e construir um novo prédio para a filial. Era uma tarefa e tanto. Mas começou a chegar ajuda.
Equipes de voluntários internacionais de construção, vindas de partes diferentes do mundo, participam agora com os irmãos moçambicanos na construção do novo prédio da filial num lugar agradável perto duma praia. A própria família de Betel aumentou para 26 membros regulares. Irmãos e irmãs da região de Maputo também ajudam. Como grupo unido, todos trabalham para enaltecer a adoração do verdadeiro Deus, Jeová, nesta parte da Terra. — Isa. 2:2.
“Tende em estima a homens desta sorte”
Um trabalho desafiador é também realizado pelos superintendentes viajantes. Mencionamos homens tais como Adson Mbendera, que costumava visitar as congregações no norte e que depois serviu como membro da Comissão ON nos campos; Lameck Nyavicondo, lembrado com apreciação pelos irmãos de Sofala; Elias Mahenye, que veio da África do Sul para servir, sofrendo atrocidades e advertindo: “A PIDE [a polícia colonial] desapareceu, mas o avô dela, Satanás, o Diabo, ainda está por aí. Fortaleçam-se e tomem coragem.” (1 Ped. 5:8) Sem contar com as comodidades normais, renunciaram a quaisquer confortos que tivessem para servir aos seus irmãos.
Há pouco tempo, na região de Milange, onde estavam as aldeias “carcerárias”, formou-se um circuito. Os irmãos que moram naquela região são especialmente gratos a Jeová por serem beneficiados mais plenamente pelos cuidados providos por meio da Sua organização visível. Orlando Phenga e sua esposa acharam ser um privilégio sair de Maputo para servir ali, onde ele e milhares de outros tinham atuado no “Palco do Carico”. Ao oeste da cidade de Tete, ajudando a reintegrar congregações que por anos também ficaram isoladas pela guerra, Benjamin Jeremaiah e sua esposa viajam por dias a pé a lugares onde muitos nunca viram um automóvel. Raymund Phiri, solteiro abnegado, teve de dormir no alto duma montanha junto com os demais da congregação que servia para escapar a possíveis ataques, e foi ali que preparou seu relatório para o escritório. Também Hans e Anita Jespersen servem um distrito que abrange o país todo e chegaram a conhecer tanto as riquezas espirituais como a pobreza material dos seus irmãos.
Todos estes irmãos demonstraram ter o espírito que induziu o apóstolo Paulo a escrever a respeito de Epafrodito: “Tende em estima a homens desta sorte.” — Fil. 2:29.
Avanço com zelo piedoso
Os fiéis em Moçambique, além de terem mantido a integridade em severas provas, têm manifestado seu amor a Deus e ao próximo de outros modos. No ministério público, aproveitam bastante sua recém-conseguida liberdade e as abundantes provisões de Jeová na forma de revistas e de outras publicações. Podem ser vistos pregando livremente nas ruas, nas praças públicas e em mercados tais como o de Xipamanine. Os resultados são evidentes no aumento rápido do número de louvadores de Jeová.
Além do acréscimo de novos publicadores, o aumento tem sido ampliado pelo retorno de irmãos dos campos de refugiados em países vizinhos. Circuitos inteiros têm retornado. Constroem rapidamente Salões do Reino com qualquer material disponível. Fazem isso até mesmo em comunidades temporárias de refugiados, tais como Zóbuè, na fronteira de Malaui, e Caboa-2, fora de Vila Ulongue. Sem esperar tempos melhores, muitos se têm alistado como pioneiros. Há agora mais de 1.900 participando neste serviço de tempo integral. Expressam grande apreciação pelo treinamento recebido na Escola do Serviço de Pioneiro, em funcionamento aqui desde 1992.
Pode imaginar quem foram os instrutores numa recente escola em Maputo, onde quase a turma inteira era daqueles que estiveram no Círculo do Carico? Francisco Zunguza, recordista moçambicano do número de vezes que foi preso por causa da sua fé, e Eugênio Macitela, preso e mandado a Milange depois de ter estudado apenas por uma semana. Ambos servem atualmente como superintendentes de circuito. E um dos estudantes foi Ernesto Chilaule. Ele tem uma lembrança que gosta de contar: “Quando passo naquela rua onde está o prédio da extinta PIDE, olho para aquela janela e lembro — foi ali que os agentes me disseram: ‘Fica sabendo, Chilaule, que aqui é Moçambique, e vocês nunca serão reconhecidos neste país.’ E logo ali perto, rua abaixo, está a nossa filial legalizada!”
Como o irmão Chilaule deve sentir-se recompensado, pois a sua pequena Alita, que costumava buscar alimentos das provisões congregacionais enquanto seu pai estava na prisão de Machava, é agora a esposa de Francisco Coana, um dos membros da Comissão de Filial! O irmão Coana era aquele pioneiro zeloso no Carico que espertamente “vendia” produtos aos de fora dos campos, para poder pregar-lhes. Por certo, Jeová tem abençoado os milhares de fiéis que, lá no norte no distrito de Milange, no Círculo do Carico, escreveram uma bela página repleta de amor, de fé e de integridade para a honra e a glória de Jeová. — Pro. 27:11; Rev. 4:11.
Mas a batalha ainda não acabou. Há novos perigos desafiadores. O espírito permissivo do mundo que se espalhou pela Terra também pode fazer vítimas aqui e já os tem feito. Imoralidade, materialismo e indiferença causados pelos tempos aparentemente mais fáceis, têm causado dano. No entanto, os servos fiéis de Jeová, em Moçambique, continuam fervorosamente a manter constante vigilância. Sobreviveram a tremendas provas de fé. Estão decididos, com a ajuda de Jeová, a continuar a dar evidência de que amam a Jeová de todo o coração, mente, alma e força, e que amam seu próximo como a si mesmos. Têm fé inabalável em que o Reino de Deus em breve transformará a Terra num paraíso, em que não somente não haverá guerra e fome, mas que terão ali a grande alegria de acolher de volta os seus entes queridos falecidos, inclusive todos os que se mostraram fiéis a Deus mesmo até a morte no Círculo do Carico. — Pro. 3:5, 6; João 5:28, 29; Rom. 8:35-39.
[Foto/Mapas na página 123]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Mapa encaixado: Muitos irmãos foram exilados para São Tomé, no oceano Atlântico, distante uns 3.900 quilômetros
ZÂMBIA
MALAUI
MOÇAMBIQUE
ZIMBÁBUE
ÁFRICA DO SUL
Milange
Carico
Mocuba
Inhaminga
Beira
Maxixe
Inhambane
Maputo
Tete
[Foto na página 131]
Disseram a Ernesto Chilaule: “Vocês nunca serão reconhecidos neste país. . . . Mas você esquece isso!”
[Fotos nas páginas 140, 141]
No campo de refugiados no Carico, nossos irmãos (1) cortavam lenha e (2) pisavam barro para a fabricação de tijolos, ao passo que (3) as irmãs carregavam água. (4) Achavam um meio de realizar assembléias. (5) Xavier Dengo, (6) Filipe Matola e (7) Francisco Zunguza ajudavam por dar ali supervisão espiritual como superintendentes de circuito. (8) Salão do Reino construído ali por Testemunhas malauianas, ainda em uso.
[Foto na página 175]
Testemunhas reunidas para o Congresso de Distrito “Devoção Piedosa” perto de Maputo, em 1989, logo depois de retornarem dos campos
[Fotos na página 177]
Em cima: anciãos e superintendentes de circuito no lugar onde missionários entregam cada mês publicações e correspondência
Embaixo: missionários em Tete recebem aulas de chicheua
[Fotos na página 184]
Comissão de Filial (da esquerda: Emile Kritzinger, Francisco Coana, Steffen Gebhardt) com foto dos prédios da filial agora em construção em Maputo
[Gravura de página inteira na página 116]