quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Um caso apenas

Cartas recebidas de Lourenço Marques por este autor são o melhor testemunho que ele pode em­prestar a este documento, acerca da forma como de­correu a colaboração. Eram militares da FRELIMO e do Exército Português a ajudar os proprietários rurais na reconstrução dos seus celeiros, das suas casas, na recuperação do gado e das colheitas quase destruídas pela onda de violência; era a colaboração muito especial dos elementos da FRELIMO na re­pressão ao banditismo que naqueles dias grassou abertamente. Ao comerciante e agricultor branco de Lourenço Marques e seus arredores bastava o recurso às gentes da FRELIMO para que a sua segurança, se estivesse ameaçada, fosse imediatamente assegurada.
Mas talvez que para elucidar sobre a confusão que inicialmente se espalhou, possamos relatar aqui a «aventura» de que foram protagonistas dois agri­cultores da região de Marracuene. Passada a onda de violência, Jacob, agricultor de Marracuene, zona vizinha de Lourenço Marques, dirigiu-se às suas terras na companhia de quatro militares e de um outro agricultor, cujos terrenos confinavam com os seus.
Ao aproximarem-se da herdade, um numeroso grupo de trabalhadores negros que se entregava a um festim, assando porcos e bebendo lautamente, reconheceu o «jeep» do agricultor Jacob e correu ao seu encontro, de catanas e varapaus em punho. Ao depararem com os militares armados, porém, recuaram e atiraram com as armas para o capim. Inspeccionados aqueles terrenos, passaram à herdade do outro agricultor, onde militares e proprietários se entregaram então à tarefa de recolher as centenas de sacos de milho que os trabalhadores negros haviam retirado do armazém e escondido na mata.
Estavam nesta tarefa, quando são abordados por um desta­camento da Polícia Militar de Lourenço Marques — que também os ajuda. Subitamente, é descoberto o cadáver de um negro, já em decomposição. O sar­gento da polícia militar quer saber «quem fez aquilo». Ninguém consegue dar uma resposta. E aos quatro militares (que pertenciam a um destacamento insta­lado em Vila Luísa, a 25 quilómetros de Lourenço Marques) bem como aos dois agricultores, é dada voz de prisão. São levados para a capital e encar­cerados no quartel da Polícia Militar.
Só vinte e quatro horas depois a mulher do Jacob sabe do paradeiro do marido. Tenta visitá-lo no quartel da PM mas não lho permitem. O marido estava incomunicável! Acusado de assassínio!
Corre ao Governo-Geral, e expõe a situação. Dali, com uma carta escrita pelo punho de um oficial superior, desloca-se a Vila Luísa e avista-se com o capitão que comandava o destacamento militar a que pertenciam os soldados presos juntamente com o marido. O capitão não quer acreditar. «Que é isto? Tropa a prender tropa?»
Na manhã seguinte, Jacob e o outro agricultor, bem como os quatro militares, são postos em liber­dade.
À data em que o autor escreve estas linhas, decidiu Jacob já, contrariamente àquilo a que estava deci­dido, não se refugiar na África do Sul. E para Lisboa envia cartas em que fala da sua esperança no futuro, agora que, com a ajuda de elementos da FRELIMO e do Exército português, conseguiu recuperar grande parte das duzentas cabeças de gado que possuía e tem os seus celeiros e currais em reconstrução.
Menos de  um mês  se  passou sobre  os  acontecimentos de Lourenço Marques.  Em Lisboa, vinte e quatro horas depois de a «maioria silenciosa» ter sido definitivamente silenciada, afirma-se1 que o acto desesperado levado a efeito pela MOLIMO em Lourenço Marques estaria programado para 28 de Se­tembro, em sincronia com a contra-revolução ten­tada na capital portuguesa. Mais: sugere-se que apesar do acordo de Lusaka, não seria intenção do comando da MOLIMO levar a efeito o golpe de posse sobre o Rádio Clube de Moçambique. Que esse «comando» teria sido «empurrado» pela força da multidão, e que só depois de estar no interior do edifício onde funcionava o RCM decidiu levar a sua acção para a frente.