sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Blaise Compaoré: o homem do Ocidente


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"Compaoré? Este é um homem muito inteligente e sensível. No dia que souberem que Blaise prepara um golpe contra mim, não se preocupem em tentar se opor ou até mesmo me avisar
Quando souberem significa que é tarde demais”. Thomas Sankara, chefe de Estado do Burkina Faso (1983-1987)
×Ads by HQ-Video-Pro-2.1cSOB a presidência de Blaise Compaoré, o Burkina Faso impôs-se como um parceiro importante da França e do Ocidente em geral. Compaoré jogou um papel vital na África Ocidental e na resolução de crises. Assim, o Ocidente preferiu fechar os olhos PARA a parte obscura do regime burkinabe que agora cai sob a pressão da rua.
A onda de choque da queda de Blaise Compaoré foi indubitavelmente sentida nas capitais ocidentais, nomeadamente em Paris e Washington.
“ (...) O chefe de Estado do Burkina Faso tem sido indispensável a estes dois parceiros (EUA e França), vendendo a imagem de um país pobre mas empreendedor, bem administrado, capaz de lidar com as crises na região ou de fornecer ajuda na libertação de ocidentais detidos por grupos islâmicos que operam na região do Sahelo-Sahariana", diz um relatório do International Crisis Group (ICG) sobre o Burkina Faso, publicado em Julho de 2013 (1).
Compaoré tinha-se estabelecido como um intermediário incontornável. Ele tornou-se, de alguma forma - como explicou à rfi.fr o especialista da vida política africana Francis Kpatindé - num sucessor do costa-marfinense Houphouet Boigny, que até à sua morte, em 1993, foi um interlocutor privilegiado dos franceses na África Ocidental. Não é fortuito que o nome do ex-chefe de Estado burkinabe apareça, em tanto que mediador, pela primeira vez, em 1993, ano em que desapareceu o seu par costa-marfinense.
BOMBEIRO PIROMANÍACO?
Desde então, Blaise Compaoré participou directa ou indirectamente na gestão de pelo menos sete crises da África Ocidental: Libéria, Serra Leoa, Níger, Togo, Costa do Marfim, Guiné-Conacri e Mali.Foram muitos dossiers que lhe permitiram exercer o seu talento de mediador.  Não sem habilidade, aliás, mesmo que tenha sido acusado, às vezes com razão, de fazer o jogo de "bombeiro piromaníaco", particularmente nos casos da Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim e Mali.
Os detractores de Compaoré lembram que sem o apoio do seu governo aos rebeldes costa-marfinenses liderados por Guillaume Soro, a crise político-militar que eclodiu em 2002 na Costa do Marfim não poderia ter a amplitude que teve.
O relatório do ICG aponta na mesma direcção referindo que a rebelião da Costa do Marfim "provavelmente não teria o controlo de cerca de 60 por cento ​​do território marfinense, sem uma retaguarda segura no ‘País dos Homens Íntegros’ (Burkina Faso) ".
Da mesma forma, no Mali, o mediador burkinabe é acusado de ter feito o jogo da rebelião tuaregue antes de convidá-los PARA a mesa de negociações ao ser designado “facilitador” pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Entretempos, o “homem forte” de Ouagadougou foi capaz de fortalecer os seus laços com os seus patrocinadores ocidentais.
Há vários anos que o Burkina Faso alberga bases militares ocidentais PARA a vigilância do Sahara. Drones norte-americanos decolam das suas bases para bombardear terroristas estabelecidos na região.
A França estabeleceu em Ouagadougou a principal base das suas forças especiais no quadro da “Operação Barkhane”.
SERVIÇOS
As relações entre o Burkina Faso e a França são antigas e complexas. Ex-potência colonial, a França está presente no país africano desde o final do século XIX. Após a independência, em 1960, as relações entre a ex-metrópole e o novo Estado que ainda se chamava Alto Volta eram “cor-de-rosa”. Elas se deterioraram com a chegada ao poder, em 1983, do capitão Thomas Sankara. O regime revolucionário com convicções anti-imperialistas que Sankara pôs em prática entrou imediatamente em desacordo com a política ditada pela França às suas ex-colônias. As divergências vieram à luz com a chegada ao poder em Paris da direita em 1986. Um ano depois, Sankara foi assassinado durante um golpe de Estado.
O cabecilha do golpe de 15 de Outubro de 1987, foi Blaise Compaoré que se tornaria no líder do Burkina Faso, até ao dia 31 de Outubro último. O amplo processo de "rectificação” que ele lançou no início do seu reinado PARA um virar de páginas dos anos de Sankara reabilitou também as relações com Paris. 
Os serviços que prestou desde então à comunidade internacional, leia-se Ocidente, explicam provavelmente que não se lembre à Compaoré o assassinato de Thomas Sankara, que constitui o pecado fundador do seu regime, e outros crimes ocultos que marcaram os seus 27 anos no poder, incluindo o assassinato de membros da guarda presidencial, em 1998, do jornalista Norbert Zongo que investigava a morte sob tortura do motorista do irmão do presidente. Enfim, também foi esquecido como traficante de armas e de diamantes com a UNITA assim como o seu envolvimento com Charles Taylor nas guerras civis que assolaram a região, que, segundo um balanço anunciado pelo ex-procurador do Tribunal especial da ONU para a Serra Leoa, resultaram no "assassinato, estupro e mutilação de 500 mil pessoas na Serra Leoa e de cerca de 600 mil na Libéria".
“CEGUEIRA”
Apesar do seu lado obscuro, Compaoré foi sempre recebido com respeito pelo governo francês. Talvez, algumas vezes, com algum exagero, como o evidenciado pelas felicitações dirigidas a ele, a 05 de Junho de 2013, pela socialista Elisabeth Guigou, depois da sua audição perante a Comissão dos Assuntos Externos do Parlamento francês: "Sr. Presidente da República, obrigado. Os aplausos, que não são sistemáticos na nossa comissão, demonstram o nosso apreço pelo papel que desempenha e pela visão que tendes no desenvolvimento do vosso país e do continente Africano ".
Por inconvenientes que sejam, especialmente à luz dos recentes acontecimentos ocorridos em Ouagadougou, estas palavras são reveladoras da “cegueira ingênua e cínica” de que Blaise Compaoré se beneficiou em Paris e também em Washington.
NR – Texto adaptado da RFI, da autoria de Tirthankar Chanda
NOTÍCIAS – 15.11.2014

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