domingo, 2 de novembro de 2014

Eleições Gerais 2014 - CNE reduz 26.000 votos na Zambézia


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Sem nenhuma explicação, a Comissão Nacional de Eleições removeu 26.000 votos da província da Zambézia. O total de votos válidos para os três candidatos presidenciais anunciados pela Comissão Nacional de Eleições, antes de requalificação dos votos inválidos (nulos), registou uma redução de 26.313 votos, em relação aos anunciados pela comissão provincial de eleições da Zambézia (CPE). E para os três principais partidos políticos no parlamento, registou-se a redução de 25.662. Uma tabela no PDF em anexo dá mais detalhes.
Veja aqui outros dados: Download Eleições_Nacionais_Estudo-3_ projecção_de_resultados
Em nenhuma província, os dados da CNE corresponderam aos da contagem provincial, mas estiveram muito próximos. Em contraste com 2009, não foi feita nenhuma tentativa de compensar o enchimento de urnas em Gaza e Tete. Em Tete a CNE fez uma pequena alteração, diminuindo os votos de Nyusi em cerca de 3.000 e aumentou os votos da Renamo em mais de 2.000.

Fazendo comparações com os resultados provinciais era mais difícil este ano que em 2009. Uma sala de imprensa montada no STAE, nos dois dias após a votação, deu resultados provisórios. Mas como parte de sua política de maior transparência, a CNE de repente interrompeu este processo, e também ordenou que a sala de imprensa não devia dar os resultados provinciais como tinha acontecido nas eleições passadas, alegando que a média tinha que obtê-los diretamente nas comissões provinciais de eleições. Com efeito, a maioria dos órgãos de comunicação social dependia da AIM e do jornal Notícias, que, por vezes, davam números diferentes. A CNE disponibilizou os resultados provinciais para alguns meios de comunicação e observadores, e publicamos neste Boletim, mas estes, continham erros.
Todas as reclamações da Renamo e MDM foram rejeitadas pelos tribunais distritais 
Somente 24 denúncias dos partidos políticos, sobre os ilícitos eleitorais, deram entrada nos tribunais distritais. Apenas uma, feita pela Frelimo relativa à Tsanago, Tete, foi aceite. Todas as outras foram rejeitadas por falta de provas ou por terem sido feitas fora do prazo de 48 horas após ao anúncio dos resultados, explicou o juiz do Tribunal Supremo Pedro Nhatitima numa conferência de imprensa na quinta-feira. "Os tribunais só podem funcionar com provas e não com alegações", explicou. A maioria das denúncias rejeitadas vieram da Renamo e do MDM. 
Relativamente a Tsangano, Tete, onde os militantes da Renamo destruíram algumas assembleias de voto, o que levou a interrupção da votação, o tribunal distrital ordenou a Comissão Nacional de Eleições (CNE) para que organize a repetição das eleições nas assembleias de voto onde estes actos ocorreram. Mas a CNE afirma que só iria fazer isso, se as assembleias de voto em questão pudessem fazer uma diferença significativa nos resultados, o que não é o caso.
De acordo com as revisões na lei eleitoral, acordadas entre o Governo e a Renamo, as reclamações sobre ilícitos eleitorais são feitas em primeira instância nos tribunais distritais. Foram feitas queixas a exigir recontagens, contestação dos números, alegações de intimidação e existência de editais falsos e que alguns postos de votação não abriram. Mas de acordo com Nhatitima, a Renamo não foi capaz de cumprir com as regras que ela própria introduziu na lei. Muitas vezes, não apresentou qualquer prova das suas alegações, e muitas delas, foram submetidas após o prazo de 48 horas. Pelo menos quatro queixas rejeitadas já foram objeto de recurso ao Conselho Constitucional.
Juiz Nhatitima também afirmou nesta conferência de imprensa que até ao momento, o tribunal supremo tem o conhecimento que 374 pessoas estão a ser julgadas, nos tribunais distritais, por crimes eleitorais cometidos durante a campanha eleitoral e dia de votação. Desses, 129 foram absolvidos, 133 condenados e sentenciados a penas que variam de multas a um ano de prisão, e 112 ainda estão em processo.
O maior número de pessoas acusadas estão em Nampula (98), Tete (82), Manica (58) e Zambézia (53). Cerca de 70% dos acusados são por destruição do material de propaganda. No dia das eleições, 15 pessoas foram acusadas de perturbar o processo de votação nas assembleias de voto e 6 pessoas foram acusadas de voto múltiplo.
Nhatitima observou que os casos de violência registados em várias cidades após o termino da votação, ou mesmo durante a contagem, têm sido tratados como delitos comuns, e não como crimes eleitorais.
Um país dividido 
Os resultados das eleições mostraram que Moçambique é um país dividido. O candidato da Frelimo, Filipe Nyusi, ganhou mais de dois terços dos votos em quatro províncias do sul e em Cabo Delgado. Os candidatos da oposição juntos ganharam mais de 60% na Zambézia e Sofala. 
As outras quatro províncias estão muito divididas. Em Nampula a oposição tem uma pequena vantagem e Dhlakama obteve 49,8% dos votos para as presidenciais. Em Niassa, Tete e Manica, a Frelimo tem o mesmo número de assentos parlamentares que a oposição.
PVT e os resultados finais 

O PVT, contagem paralela, com um conjunto estatisticamente selecionado de 10,7% das mesas de voto, chegou muito perto dos resultados finais anunciados. O PVT projectou que Nyusi obteve 57,24% e os números reais dão 57,03%, e para a Frelimo este previu 55,20% e o real foi de 55,97%. Para os restantes candidatos, o PVT havia superestimado um pouco o desempenho de Daviz Simango e subestimado ligeiramente o desempenho de Afonso Dhkalama. Mas todas as estimativas se situaram dentro do intervalo de 1,3% do resultado final.
Delegados e Observadores 
Para as 17.012 assembleias de voto, as comissões eleitorais haviam registado 103.359 delegados dos partidos políticos, 9.411 observadores nacionais, 526 observadores estrangeiros, 1.795 jornalistas nacionais e 85 jornalistas estrangeiros. 
A tabela mostra os números dos delegados dos partidos registrados. Os partidos políticos foram autorizados a ter um delegado e um suplente para cada assembleia de voto. A Frelimo teve 3000 delegados à mais, em Cabo Delgado, Tete, e na província e cidade de Maputo. Isto poderá ter permitido que os membros da Frelimo tivessem acesso indevido a algumas assembleias de voto. 
Nem o MDM, nem a Renamo tiveram delegados suficientes para cobrir todas as assembleias de voto em Gaza e Inhambane, e a Renamo também não teve o número suficiente na cidade de Maputo.
Comentário 1   Quem tem a responsabilidade pela desorganização?
Estas foram as quintas eleições gerais multipartidárias e mais uma vez foram marcadas por evidências de desorganização e casos de má conduta. Depois de observar com detalhes a estas eleições, com correspondentes em todo o país, acreditamos que o STAE deveria se envergonhar da forma como decorreu o processo. Este processo deveria ter sido bem organizado e não há nenhuma razão para tantas falhas na máquina eleitoral. O que esteve a fazer o STAE entre 2009 à 2013, período em que deveria estar a preparar a realização das eleições autárquicas e gerais? Depois de quatro eleições, somos da opinião que o STAE não pode continuar a recorrer "as nossas insuficiências", para se justificar.
Mas os partidos também têm responsabilidade. Estas também foram as quintas eleições nacionais para a Renamo. Afonso Dhlakama diz que ele venceu a todos, mas passados 20 anos, ele ainda não conseguiu formar uma equipe eleitoral capaz de monitorar as assembleias de voto e o STAE, e capaz de fornecer evidências que sustentem as suas acusações. Nos acordos assinados com o governo no início deste ano, a Renamo teve a oportunidade para fazer todas as alterações que julgasse serem necessárias à lei eleitoral. Criou-se o sistema de ter um membro da mesa de voto (MMV) nomeado pela Renamo em cada assembleia de voto, e o sistema pelo qual os crimes eleitorais são tratados pelos tribunais distritais. E para incentivá-los à agir com rapidez, os protestos devem ser submetidos nos tribunais dentro de 48 horas. Mas a Renamo não se organizou o suficiente para utilizar os sistemas que ala própria criou. Agora Renamo afirma que há assembleias de voto que recusaram aceitar os protestos, o que na nova lei é um crime - mas onde estavam os MMVs e os delegados da Renamo, e por que nenhum deles foi fazer imediatamente uma queixa no tribunal distrital?
De igual modo, o MDM tem conhecimento desde 2009 que teria que ter mais de 15 mil pessoas nas assembleias de voto, mas esteve a recrutar pessoas até aos últimos dias antes da votação, isto aconteceu até na cidade de Maputo, onde era de esperar que o processo fosse razoavelmente bem organizado. 
Para estas eleições, o MDM e a Renamo tiveram seus membros em todos STAEs e em todas as comissões eleitorais. O que estes membros fizeram para evitar os casos negligência e má conduta reportados? Quando o STAE provincial de Nampula mostrou dificuldades para emitir credenciais aos observadores, o que fizeram os nomeados pela Renamo e MDM para corrigir o problema? A razão pela qual o MDM e a Renamo exigiram ter pessoas na máquina eleitoral era monitorar os casos de má conduta e detectar as irregularidades, mas eles não fizeram o seu trabalho.
A culpa pelas irregularidades nestas eleições deve ser compartilhada entre o STAE e os partidos da oposição. Não é aceitável que os partidos da oposição venham dizer "Todas as nossas exigências foram satisfeitas, mas não fomos capazes de fazer uso delas, por isso a culpa é toda do STAE." 
O STAE e os partidos da oposição têm igual responsabilidade na desorganização.
É fácil culpar a Frelimo, como partido dominante, na medida ela tem a sua quota de responsabilidade nas irregularidades que foram reportadas. Mas em sistemas eleitorais democráticos, a alternância de partidos no governo não acontece automaticamente; os eleitores devem fazer escolhas. O partido do governo sempre tira alguma vantagem, mas, eventualmente, quase sempre perdem. Mas a oposição deve estar muito bem organizada de modo a convencer a grande maioria dos eleitores e ter um número suficiente de pessoas a monitorar o processo evitando práticas fraudulentas e casos de má conduta e negligência. 
Se a oposição está for capaz de a aceitar sua quota de responsabilidade, o próximo passo seria criar uma plataforma onde todos os funcionários eleitorais, partidos políticos e sociedade civil pudessem sentar e discutir sobre a criação de uma administração eleitoral capaz de trabalhar no contexto moçambicano. Este debate não deve se cingir somente nas alterações à lei, mas também sobre as práticas administrativas e a motivação dos funcionários eleitorais e militantes dos partidos de modo a permitir que nos próximos anos, todos se preparem da melhor maneira para as eleições de 2018 e 2019.       jh & tr
Comentário 2
   Desorganização propositada?
Prevê-se que a maioria dos funcionários votaram nestas eleições. E muitos funcionários públicos são leais a Frelimo têm razões para tal - por exemplo, eles pensam que foi a independência que permitiu que tivessem acesso à uma boa educação, e têm visto uma expansão dos serviços de saúde e educação que creditam dever-se a Frelimo. Alguns vão um pouco mais longe apoiando o partido e dando preferência aos membros do partido nos postos de trabalho ou atribuição de financiamentos, como é o caso dos "7 milhões".
Mas alguns sentem-se pressionados - eles recebem telefonemas dizendo que a terra deve ser dada a pessoa X ou um contracto para a pessoa Y. Os professores que se declaram candidatos do MDM foram transferidos, e as pessoas que não possuem o cartão do partido Frelimo não tiveram acesso as promoções. Pode não ser a política oficial, mas algumas pessoas sentem que sua progressão na função pública e no partido será reforçada se fizerem coisas que prejudiquem a oposição e ajudem a Frelimo. Como consequência, em alguns lugares, há receio das pessoas de identificarem como delegados dos partidos da oposição ou como activistas da oposição. Há varias reclamações sobre o aumento desta política durante o segundo mandato de Armando Guebuza na presidência da república.
Como sabemos a partir das eleições autárquicas em Gurué no ano passado, é muito fácil as pessoas aproveitarem-se da confusão no apuramento distrital para colocar folhas dos resultados (editais) falsos no sistema. A falta de pessoal do STAE tem sido uma desculpa perfeita para retardar a emissão de credenciais para pessoas capazes de detectar as irregularidades.
Alguns destes exemplos de desorganização pode ser intencionais? Pode ser que algumas pessoas que trabalham no STAE pensem que com um sistema confuso, obscuro, e com poucos funcionários, seja mais fácil a práctica fraudes e alterações nos resultados?
Será que estamos perante casos simples de incompetência e desorganização, ou estamos perante casos de desorganização propositada? jh
Comentário 3
   Tentativas de tornar a Renamo perigosa
Duas campanhas de desinformação muito incomuns, supostamente perpetradas pela Frelimo na semana passada, tiveram como objectivo, tornar a Renamo mais perigosa e criar medo. Na quinta-feira, quando estavam para ser anunciados os resultados das eleições, a Frelimo usou as redes sociais e outros meios para exortar aos ministérios para que fechassem mais cedo e as pessoas fossem para casa, alegadamente, porque a Renamo havia programado levar à cabo actos de violência como forma de protesto contra os resultados. Ministérios e escritórios fecharam. Não houve violência, mas a campanha de desinformação serviu para criar medo.
No dia anterior, a Rádio Moçambique e a TVM informaram que o embaixador dos Estados Unidos, Douglas Griffiths, encontrou-se na terça-feira com os dois líderes da oposição, Afonso Dhlakama e Daviz Simango, com o objectivo de exortá-los a não aceitar o resultado das eleições. A embaixada dos EUA considerou as informações "absurdas". Informou que Griffiths e o vice-secretário de estado adjunto dos EUA, Shannon Smith, que esteve de visita a Moçambique, encontraram-se com os três candidatos presidenciais. Eles usaram a via diplomática para apelar que todos os partidos utilizem os mecanismos legais existentes para apresentar as suas reivindicações.
Estas informações não têm fundamento por dois motivos. Em primeiro lugar, actualmente nenhum embaixador diria a um partido moçambicano para rejeitar os resultados das eleições. Mas, mais importante, a relação entre as embaixadas e o governo mudou na última década, refletindo a prioridade dada ao negócio, até mesmo com os governos mais conservadores. Apesar das divergências com o governo quanta a emissão das obrigações da Ematum e os casos de corrupção, o atual governo da Frelimo é visto pelas embaixadas como aquele que é capaz de "fazer negócios". Eles não querem um governo da oposição com o qual todos os contratos teriam de ser renegociados, e eles não querem um governo de unidade nacional fraco ou governo de tecnocratas que não seja capaz de tomar decisões. Mesmo os EUA são a favor da manutenção do status quo.
Então, porque será que uma parte dos membros da Frelimo tentou agitar a população e criar medo em torno da Renamo? Uma das possibilidades é que a ala linha-dura dentro Frelimo pretenda impedir possíveis concessões do recém-eleito Presidente Filipe Nyusi para Dhlakama, e está a intervir de modo a inviabilizar o início das negociações. jh
Estudos especiais do Boletim:     Estimativas de resultados rápidos
    Problemas em 10% das mesas de voto 

Após as eleições foram realizados três estudos especiais. O terceiro, em anexo, é baseado no seguinte argumento: No dia seguinte a votação, a TV e rádio divulgaram os resultados dos editais que foram afixados fora de cada assembleia de voto. Esta não foi uma amostra aleatória, pois baseou-se em dados dos lugares de acesso fácil para a rádio e a TV. No entanto, o estudo mostra que com os resultados divulgados até as 10h da manhã, foi possível elaborar uma rápida projeção e com bons resultados.
Estes outros dois estudos usaram dados do PVT, a amostra da contagem paralela de 10,7% das mesas de voto, e observaram atentamente os casos de alta e baixa afluência às urnas, cadernos extras, e números excessivos de votos nulos. Eles estimam que: 
- Houveram pelo menos 105 mil votos extras para as presidenciais, introduzidos nas urnas (ou adicionados nos editais); A maioria provavelmente foram para Nyusi. Estima-se que isso ocorreu em pelo menos 680 assembleias de voto, 4% do total. 
- Em 150 assembleias de voto (0,8% do total), a participação foi muito baixa, devido a abertura tardia das mesas de voto ou outros problemas administrativos. 
- Em 250 assembleias de voto (1,4% do total), havia um caderno de recenseamento extra, não declarado, e que não constava da lista oficial. 
- Em mais de 750 assembleias de voto (4,5% do total), registou-se um número excessivo de votos nulos, e estima-se que mais de 30.000 votos foram invalidados indevidamente pelos membros das mesas de votos (MMVs). 
Apesar de algumas assembleias de voto estão em mais de um dos grupos de problemas reportados, estima-se que houve problemas e/ou acções ilegais em 10% das mesas de voto, o que é um número muito elevado.
In Boletim sobre o processo político em Moçambique
Número EN 75 - 2 de Novembro de 2014
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