sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O discurso da crise - Domingos Chipilica Eduardo

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Luanda - Cordialmente, os discursos oficiais falam de crise nos preços do petróleo a nível do mundo, e aconselham o povo fazer poupança, empreendedorismo e não contar com a empregabilidade na função pública.
Fonte: Club-k.net
E, os jovens têm sido os mais mobilizados para que tenham outra visão de emprego, o argumento é, o “Estado não pode dar tudo nem dar trabalho a todos.”É verdade, o sacrifício deve ser colectivo.
Os discursistas fazem-nos crer que são vítimas, tal como nós, por causa do baixo preço do petróleo, quando na verdade são co-autores e co-responsáveis dos males da economia de hoje.
E é muito importante percebermos , os estudiosos da economia angolana apresentam-na em dois momentos: anterior a independência e pós independência.
O período salazarista em que o ultramar principalmente Angola alimentava Portugal quase que umbilicalmente. Mais tarde, com a independência nacional o rumo do país politicamente alterou-se, passando para os nativos.
Naquele contexto geopolítico mundial o Estado adoptara a economia planificada, os confiscos e as nacionalizações. Argumenta-se também que são resultados das sequelas da exploração, descriminação e de “escravatura civilizada”. Pois, que, no tempo colonial o nativo servia apenas como meio de produção. Logo, era importante partilharmos tudo de todos!
Porém, o destino da economia apresentava vazios insuperáveis, que implicavam novas medidas legislativas e programas coesos. Foi, então, que no ano de1987, surge o famoso Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF), cujo pano de fundo era “ a libertação da economia angolana”. O país económico antecipara-se do país político.
Este era um instrumento que visava objectivos nobres. No entanto, a sua implementação não foi integral. A viragem do Estado Socialista para o Estado Democrático e de Direito permitiu que o SEF fosse executado simplesmente com a produção legislativa, o que criou a base da economia de mercado.
Pois, que essa mudança deixara políticos acérrimos e governamentos íntegros morrerem na penúria e nos horrores do capitalismo selvagem. Somente, os mais vivos sobreviveram, criaram uma “classe de nobres”. Privatizaram-se empresas, doaram-se imóveis, financiamentos …
Foi nessa classe de nobres criado o embrião para estabilidade económica e financeira de algumas famílias endinheiradas da actualidade. Apostando na formação principalmente no exterior, criando riquezas através do Estado. Passando assim, a colagem do poder financeiro ao poder politico, que são siameses. 
Os efeitos desta união estão inequivocamente nas grandes empresas nacionais, nas parceiras empresarias com estrangeiros, e é lá onde passam os negócios gigantescos com o Estado, desde a construção civil, petróleo, diamante e outros.
É uma classe de nobres imbatíveis, nesse círculo não entra qualquer zé-ninguém! Quem ousa pôr em causa os seus apetites carnívoros financeiros é abatido impiedosamente e perderá a pequena fortuna que também teve “amabilidade” de conseguir.
Por isso, “os pequenos burgueses” (alguns que não provêm das famílias dos ricos do país) tornam-se assim, por terem sido sorteados a assumiram cargos políticos ou governamentais e inevitavelmente tiveram que negociar com os barões e apanharam “alguns trocos”.
No entanto, a classe nobre faz tudo devidamente planeado, até para evitar a justiça, e quando, é necessário justiça vão para cadeia os pequenos burgueses com provas irrefutáveis. Neste grupo de medrosos aconselha-se prudência, não falar muito nem tão pouco reclamar. Nada de ostentação exagerada!
É indiscutível que a guerra arrasou a nossa economia, mas terá também enriquecido ambos os lados de forma inexplicável. 
Devemos aceitar o discurso politicamente correcto, temos todos que fazer sacrifício. Contudo, há maus exemplos no nosso dia-a-dia que circulam em contramão aos discursos e não é necessário pensar muito.
Sabemos hoje que basta ser um bom político para ter estabilidade económica e financeira, o próprio Estado oferece o luxo e a ostentação. É só observar a nossa volta o antes e depois dos “nossos”. É verdade que o Estado deve criar condições aos servidores públicos, não somos contra isso, mas nunca uma “vida celestial”. Assim, qual é a mensagem que é transmitida aos que estão a volta?
Logo, não importa o grau académico nem a competência (é observável alguma excepção) mas basta cair na graça de quem nomeia e do coral do poder para que alguém esteja também na “fila do petróleo”, entenda-se “o mundo do saque do erário público”. Embora haja quem discorda que o país anda ao saque!
Hoje aconselham-nos a não lutar para cargos políticos. Mas sim, explorar ao máximo a nossa formação académica através do seu exercício pleno. Parece, um bom teatrólogo quem assim afirma. Vejamos, há engenheiros, professores, médicos, agrónomos … que “nunca” trabalharam nas suas profissões, e mais, mesmo que exercessem as suas actividades de formação jamais teriam sossego financeiro e “reputação social” que exibem. Assim, qual é a mensagem?
Não somos a desfavor de quadros técnicos na política activa. Todavia, essa “profissão” menospreza as reais profissões. O que pode significar, que estudar é insuficiente. Por isso, a corrida aos cargos políticos é incessante.
Também é verdade que a função pública não pode empregar todos. Mas durante anos ensinaram-nos que a estabilidade e segurança no trabalho eram garantidamente estatal. Enquanto o sector privado instável.
 Afinal, era tudo mentira. É possível trabalhar no privado e ter segurança pura e um futuro tranquilo de reforma. Mas o problema é que os grandes grupos empresariais que pagam razoavelmente bem e garantem estabilidade no emprego não são para qualquer um. O acesso é muito restrito, quando há, é regra para trabalhador de base.
O que é mais caricato, é que os próprios políticos e governantes ´bem sucedidos permutam no privado os bons lugares para os seus parentes, suas miúdas e quem tiver sorte.
Mesmo na própria função pública há sectores que são impenetráveis para desconhecidos, não obstante aos “concursos públicos”. Os “indígenas” lutam e ingressam mais na educação e na saúde, sectores “desprezáveis” da classe dos nobres que preferem saúde e educação do exterior.
Aceitamos também a ideia de que devemos ser empresários, sonhar ter grandes empresas e gerir grandes negócios. Todavia, há regras no mundo do negócio em Angola que obstruem o nascimento de novos grandes homens de negócios. “ O negócio está fechado”.
Os empecilhos são tantos que até as cantinas e os alvarás comerciais dos nacionais foram “entregues” aos estrangeiros, sem falar da má gestão e da exibição características dos “pequenos empresários nacionais”.
Por outro lado, o relacionamento laboral entre “os pequenos empresários” e a sua mão-de-obra é ténue, precária e em muitos casos ilegais, (não se paga segurança social, um salário desprezível…)
Alguém mais idealista diria que o mercado de emprego selecionaria os seus melhores quadros e uma verdadeira competição, pois, que, o empresário quer maximizar os lucros e minimizar os preços de produção. É um pensamento coerente e lógico.
Porém, aquilo que se pode ver, é que ainda não temos “mercado de emprego” com regras honestas e que promova competência (quiçá caminharemos para lá), aqui a classe de nobres trocam negócios com o Estado, o Estado é o principal cliente dos gigantescos negócios.
E aqui funcionam a percentagem e as parcerias estratégicas entre empresários, políticos e governantes. É o mundo escuro do negócio!
O discurso da crise deve ser acompanhado com bons exemplos, senão cairá no descredito.
Domingos Chipilica Eduardo


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