sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Uma economia em expansão

O país de Nyusi está na moda. E que pode Nyusi fazer dele?

03 Novembro 2014
lleitaoLuís Leitão
Em Moçambique há esperança no carvão e no gás. Mas não há infraestruturas, nem ambiente para as empresas. As famílias vivem com menos de dois euros ao dia. O novo Presidente tem uma tarefa hercúlea.
Quinze dias depois das eleições, Moçambique ficou a saber que elegeu Filipe Jacinto Nyusi como novo Presidente da República. Nyusi teve 57% dos votos, mais de 998 mil votos que o segundo classificado, Afonso Dhlakama, histórico líder e candidato da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Os resultados são contestados pelos adversários do eleito, mas tudo indica que este rume ao Palácio da Ponta Vermelha e seja empossado pelo presidente do Conselho Constitucional como Presidente da República de Moçambique para os próximos cinco anos. À sua espera, Nyusi tem um país a fervilhar de emoções, com enorme potencial e com grandes desafios pela frente.

Uma economia em expansão

Moçambique está na moda. É um país em franco crescimento. Para 2015, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a economia cresça 8,16%, cinco vezes mais que Portugal e ao dobro do ritmo da economia mundial.
No próximo ano, Moçambique será o quinto país da África Subsariana com o crescimento económico mais elevado e uma das dez economias mais dinâmicas do mundo. Mas o “conto de fadas” não se fica por aqui. Os analistas do FMI estimam que nos próximos cinco anos Moçambique enfrente o quinquénio mais virtuoso (economicamente falando) no espaço dos últimos 40 anos da sua história, por conta de um crescimento médio de 8% ao ano.
Com um mercado de 25 milhões potenciais consumidores, Moçambique continua a ser muito procurado por empresas dos quatro cantos do globo e a ser destino de enormes volumes de investimento. De acordo com dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o investimento direto estrangeiro (IDE) tem duplicado a cada dois anos ao longo da última década. O pico desse interesse ocorreu no ano passado, com o IDE a contabilizar 4,3 mil milhões de euros, cerca de 38% do PIB.
Portugal está entre os principais investidores estrangeiros em Moçambique. De acordo com dados do Centro de Promoção do Investimento, só no terceiro trimestre deste ano foram aprovados projetos de investimento de capital português de quase 40 milhões de euros.
Moçambique continua a ser muito procurado por empresas dos quatro cantos do globo e a ser destino de enormes volumes de investimento

Gás e carvão não faltam…

A indústria extrativa é de longe o setor que tem recolhido maior visibilidade além-fronteiras. As extraordinárias descobertas de reservas de gás e carvão nos últimos anos têm contribuído para essa popularidade. Não é para menos: só na província de Tete, conhecida como a nova capital mundial do carvão, estima-se que existam cerca de 28 mil milhões de toneladas de carvão, o suficiente para suprimir a procura dos cinco maiores importadores da pedra negra durante 28 anos consecutivos.
Igualmente extraordinária é a dimensão das reservas de gás natural ao largo da costa da província de Cabo Delgado: estima-se que só na Bacia do Rovuma, área explorada maioritariamente por dois consórcios (um liderado pela Anadarko e outro pelos italianos da Eni onde a Galp tem uma participação de 10%), existam cerca de 120 biliões de pés cúbicos de gás natural, o suficiente para satisfazer o saciável consumo do Japão, maior importador de gás natural liquefeito do mundo (GNL), durante quase três décadas consecutivas.
Gás e carvão não faltam em Moçambique. Alguns antecipam mesmo que o país possa entrar no grupo dos dez maiores produtores de carvão e nos cinco maiores produtores de gás natural liquefeito (GNL) nos próximos anosMas até que esses dias cheguem é preciso muito trabalho. Que o digam os brasileiros da mineradora Vale, presentes em Moçambique desde 2004 e que até agora só acumularam prejuízos de vários milhões de euros e injetaram muitos mais milhões em investimento.

… mas será isso suficiente?

demora no desenvolvimento dos projetos e asdificuldades colocadas do ponto de vista logístico são uma dor de cabeça diária para todos os que procuram fazer negócios em Moçambique. No caso da indústria do carvão isso tem sido bem notório.
A mineradora brasileira Vale, que tem um plano de investimento no país superior a 5 mil milhões de euros, apesar de ter uma capacidade de produção de 11 milhões de toneladas de carvão por ano não deverá ser capaz de exportar mais de 5 milhões de toneladas este ano. Isto sucede essencialmente por a linha ferroviária do Sena, a única via existente para transportar o carvão da mina até ao porto da Beira para depois ser exportado, não ter capacidade para muito mais. Mas também devido a uma questão de preço.
Como resultado da queda do preço do carvão no mercado internacional nos últimos anos, o preço logístico que a Vale tem em transportar o carvão da mina até ao porto chega a ser superior ao preço de mercado do carvão térmico (40% da produção da Vale) e suficiente para espremer a margem de lucro da mineradora para níveis mínimos sobre o negócio do carvão metalúrgico (60% da produção da Vale).
O caso mais emblemático desta realidade ficou evidente com arecente saída da Rio Tinto, a maior mineradora do mundo, de Moçambique. Depois de em 2011 ter feito um investimento de 3,3 mil milhões de euros na aquisição de activos na província de Tete para explorar carvão, este ano decidiu vendê-los por apenas 40 milhões de euros a um grupo indiano, encaixando com isso uma perda estrondosa.
No cerne da decisão de abandono da Rio Tinto estiveram problemas logísticos da operação. Dependente da fraca estrutura da linha do Sena para escoar carvão, a mineradora viu-se de mãos atadas durante todo este tempo. Atualmente, por exemplo, apesar da sua mina ter uma capacidade de produção entre 4 a 5 milhões de toneladas por ano, estava a operar a um ritmo de apenas 1,3 milhões de toneladas.
O caso mais emblemático desta realidade ficou evidente com a recente saída da Rio Tinto, a maior mineradora do mundo, de Moçambique.
Os dilemas da logística vão muito além do setor do carvão. São transversais ao tecido empresarial nacional. Adolfo Correia, administrador-delegado da Tropigalia, empresa líder no sector da distribuição de bebidas em Moçambique, aponta a logística como um dos grandes desafios para a sua empresa. “Os nossos custos de transporte sul-norte retiram-nos competitividade”, referiu o empresário numa conferência da revista EXAME Moçambique, realizada este mês em Maputo. Para expressar esta realidade, Adolfo Correia chegou mesmo a dizer que Nacala, na província de Nampula, está mais próxima de Lisboa do que de Maputo.
Muitos temem que o setor do gás, que promete revolucionar a economia moçambicana nos próximos anos, esbata nos mesmos dilemas logísticos que o do sector do carvão. Ainda é cedo para antecipar tais problemas. O desafio para os próximos anos no domínio do setor do GNL está em desamarrar um conjunto de burocracias que neste momento estão a atrasar o arranque dos projectos de investimento.
Só numa primeira fase, as empresas que fazem parte do consórcio da Anadarko e da Eni pretendem desembolsar mais de 47 mil milhões de euros, o equivalente a quatro vezes o PIB de Moçambique, para construírem unidades de liquefação em terra e em alto-mar, e construírem um conjunto de infraestruturas como estradas, edifícios de restauração e hotelaria. Mas hoje, o gás de Moçambique vive um “período morto”.
Com o fim da fase de pesquisa, os operadores estão parados a aguardar que o Governo aprove o decreto-lei que estabeleça o regime especial das empresas a operar no setor do gás natural e aprove o plano de desenvolvimento dos projetos para as unidades de GNL. Sem isso não podem “vender” o gás no estrangeiro. Não podem fechar contratos com clientes nem com financiadores do projeto. E quanto mais o tempo passa, maior é o risco de o investimento no GNL em Moçambique ser preterido para outras paragens, como seja a Tanzânia, Rússia, Austrália ou Estados Unidos que também estão a apostar forte na indústria do GNL.

Competitivo? No fim da lista

Como muitos países em vias de desenvolvimento, Moçambique enfrenta um grande dilema: garantir o crescimento da economia de forma sustentável sem descurar a justiça social, por forma a garantir uma economia competitiva. Esse será um dos grandes desafios da presidência de Nyusi ao longo dos próximos cinco anos. Tanto mais quando, no designado “campeonato mundial da competitividade”, um ranking publicado anualmente pelo Fórum Económico Mundial, instituição conhecida pela organização do famoso Fórum de Davos, Moçambique ocupa o 133.º lugar numa tabela composta por 144 países.
Em África, só há sete economias menos competitivas que Moçambique. E o pior é que nos últimos nove anos o país apresentou poucas melhorias. Segundo os analistas do Fórum Económico Mundial, Moçambique “precisa de realizar esforços em várias áreas por forma a colocar a sua economia no caminho do desenvolvimento e do crescimento sustentável”.
A educação e a saúde são duas das áreas que mais carecem de atenção. A UNICEF, num relatório publicado em agosto, deu conta que 43% das crianças moçambicanas sofrem de desnutrição crónica e metade das que iniciam a escola primária não a terminam. Parte deste quadro pode ser explicado pela ocorrência de uma diminuição do investimento público na proporção relativa aos sectores sociais.
Na educação, a alocação relativa dos recursos caiu, em média, 1% todos os anos, passando de um valor equivalente a 23,3% da despesa pública em 2008 para 17,3% este ano. Na saúde o quadro não é tão claro devido à importância das despesas extraorçamentais de certos doadores (principalmente para a luta contra o VIH/SIDA), mas não deixa de ser visível.
Os técnicos da UNICEF referem que “Moçambique parece ficar longe da meta de afetar 15% da despesa governamental para a saúde, adotada pela União Africana na Declaração de Abuja em 2001, tornando-se difícil resolver os grandes problemas constatados na oferta e na qualidade dos serviços sanitários”.

Viver com menos de dois euros ao dia

O panorama social do país é muito desafiante. No índice de desenvolvimento humano (IDH) das Nações Unidas deste ano, publicado em Agosto, Moçambique permanece na cauda da tabela, ocupando a 178.ª posição em 187 países analisados.
Atualmente, 90% da população moçambicana vive com menos de 1,5 euros por dia e apesar dos vários esforços desenvolvidos pelas autoridades nos últimos anos, cerca de metade da população vive no limiar da pobreza. O moçambicano Hélder Muteia, representante em Portugal da agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), referiu há dias à Lusa que “os níveis de pobreza continuam inaceitáveis” em Moçambique, bem como as taxas de “incidência da fome e do analfabetismo”.
43% das crianças moçambicanas sofrem de desnutrição crónica e metade das que iniciam a escola primária não a terminam.
A aposta na agricultura tem sido um dos caminhos seguidos pelos vários governos moçambicanos para combater a pobreza. Porém, até agora, os efeitos têm sido parcos. Segundo um relatório de maio deste ano do FMI, “o país ainda revela a prevalência de desafios no que concerne ao aumento da produção e produtividade agrária e pesqueira”.
Recorde-se que o setor agrícola continua a ser a base da economia moçambicana, contribuindo com 23% para o PIB do país e é responsável por “empregar” cerca de 80% da população ativa, que, na sua maioria, pratica uma agricultura de subsistência.
No cerne dos desafios de Nyusi estará também o combate ao desemprego. A falta de emprego é uma realidade no seio de milhares famílias moçambicanas. Não existem dados oficiais sobre a taxa de desemprego mas calcula-se que a situação não é mais grave em virtude de muitos moçambicanos viverem de “biscates” no mercado informal.
A classe média é ainda uma parte ínfima da estrutura da sociedade moçambicana. O Standard Bank, que classifica de “classe média” os lares cujos rendimentos anuais oscilam entre os 6700 e os 33 mil euros, estima que sejam pouco mais de 141 mil famílias, o equivalente a apenas 2% dos agregados familiares, que compõem a classe média no país. O grande bolo está concentrado na classe de baixos rendimentos, que é constituída por 5,8 milhões de famílias, cerca de 95% dos agregados familiares.

Confiança em Moçambique?

O Banco Mundial revelou recentemente que ficou mais fácil fazer negócios em Moçambique. De acordo o organismo internacional, Moçambique subiu 15 posições no ranking Doing Business, ocupando agora a 127.º posto em 189 países analisados. Foi mesmo o país lusófono que mais melhorou a sua classificação, ficando à frente de países como Tanzânia, Quénia, Índia, Nigéria e Angola.
De acordo com o Banco Mundial, este desempenho ficou a dever-se a um conjunto de reformas levadas a cabo por Moçambique que melhoraram os processos de insolvência de empresas e do registo de propriedade privada. Mas isso não chega para ganhar a confiança dos empresários, que ficou beliscada com a recente decisão de o Governo voltar a congelar o reembolso do IVA líquido às empresas.
Não foi a primeira vez que o Governo tomou esta decisão. Estima-se que nos últimos anos o Estado moçambicano tenha acumulado cerca de 113 milhões de euros de dívidas com os agentes económicos referentes ao reembolso do IVA. Este ano teve a novidade de alicerçado a essa decisão o Governo ter anteriormente prometido que não o faria.
A economia vive de confiança. Quando é violada, os agentes económicos cortam imediatamente relações e, por arrasto, afundam a economia. Nyusi terá que batalhar contra essa situação, por forma a que o futuro do país não seja penhorado. E terá que trabalhar afincadamente para garantir a devida sustentabilidade das contas do Estado, que hoje estão longe de serem as mais saudáveis.
De acordo com o Orçamento rectificativo para este ano, o Estado enfrenta um défice orçamental de 17,5%, que é fortemente financiamento pelo apoio dos doadores. Além disso, segundo dados do FMI, Moçambique chegará ao final deste ano com um défice da Balança de Transações correntes equivalente a 48% do PIB, o mais elevado entre os países da África Subsariana.
No horizonte, Nyusi tem a oportunidade de mudar o rumo do país. De colocar Moçambique num novo patamar de desenvolvimento. E ao longo desta viagem, os moçambicanos esperam apenas que o novo Presidente da República leve uma vontade enorme de concretizar os sonhos de toda uma nação.

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