quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

“Charlie Hebdo é ar fresco” e continuará publicando caricaturas, diz jornalista

França, Charlie Hebdo, jornalista, EUA

A nova equipe do jornal satírico francês Charlie Hebdo “seguirá a mesma linha” secularista e de defesa da democracia de antes dos atentados, afirma Angélique Kourounis, jornalista e produtora da polêmica publicação francesa, em entrevista exclusiva à emissora Sputnik.

– Você não tem medo ao continuar trabalhando com eles?
– Nós tínhamos medo, nós temos medo, nós teremos medo, mas nós vamos continuar. Se pararmos agora, seria como matá-los pela segunda vez. Por isso eu pessoalmente e toda aequipe ficamos zangadíssimos com todos os jornalistas e toda a mídia que optou por mostrar uma foto do jornalista Charb, mas não mostrar os cartuns que ele fez, sobre o profeta ou sobre o Vaticano, sobre qualquer outra coisa, por causa da linha politicamente correta. Para ele, é morrer mais uma vez. E é algo que nós não podemos suportar. É algo que nós recusamos. Essa é uma coisa que, como a gente diz aqui, da qual mais vale não falar do que falar desta maneira. É um preço grande demais por apoiar a liberdade, e nós insistimos nisso. Nós estivemos muito perto. Vai ser difícil, mas nós tentaremos.
Nós temos um novo Charlie. Está pronto já, será publicado na quarta-feira com um milhão de cópias. Nós seguimos precisamente a mesma linha. Nós não pretendemos mudar um centímetro do que nós queríamos e do que nós éramos, porque nós todos pensamos que, primeiro, a sociedade precisa do Charlie Hebdo. O Charlie Hebdo é um ar fresco, e se a gente mudar, como disse antes, seria matá-los pela segunda vez.
Não importa o que se passe agora, não importa o perigo, mas eu devo confessar que vai ser muito, muito, muito difícil, porque as pessoas que perdemos eram tão ótimas e grandes, uns jornalistas fantásticos. Será muito difícil encontrar outras pessoas como eles. Mas nós vamos ter pessoas diferentes com o mesmo talento e será um outro Charlie Hebdo. Você tem um antes do ataque e um depois do ataque. Como nos EUA, você tem um antes do 11 de setembro, aqui a gente tem um antes do 11 de janeiro.
– E a sua equipe, se você me permitir esta pergunta, eles eram de confissões diferentes?
– Sim, totalmente! A maioria são pessoas que falam que não acreditam em nada e que tal é o seu modo de viver. Depois, há os muçulmanos. Dois deles foram mortos. Depois, há os judeus. Depois, há os cristãos franceses. E depois, você tem a mim. Eu sou cristã ortodoxa e eu acredito. E eles o sabiam. O Charlie Hebdo nunca esteve próximo a ninguém. A linha do Charlie Hebdo é a de dizer que religião e Estado não têm nada em comum. A religião tem de ser separada do Estado, e o Estado tem de ser secular. A visão do Charlie Hebdo era secularista, não se pode misturar as duas coisas, porque se você mistura as duas coisas, você perde a liberdade.
E nós temos uma jornalista admirável. O nome dela é Zineb, ela escreve tudo sobre isso e ela paga muito pela sua escolha, porque ela foi forçada a abandonar o Marrocos por causa da sua posição, muita gente dizia que ela merecia ser punida pelo que escreve, merecia ser estuprada, merecia ser torturada, merecia ser morta. Mas ela fala, como qualquer um de nós, nessa linha secularista. Cada um tem o direito de fazer o que quiser com a sua vida privada. A religião não é um assunto público – essa é a linha do Charlie Hebdo e essa é a minha linha também.
– Angélique, você ficou surpreendida ao ver o monte de gente que saiu às ruas no domingo no mundo inteiro?
– Sim! Nós todos ficamos muito surpreendidos, nós todos ficamos muito satisfeitos. Mas eu não acho que “satisfeitos” seja a palavra justa. Foi como um abraço gigante, sabe. Foi bom para nós. Mas, ao mesmo tempo, nós não saudamos o fato de tantos líderes estrangeiros terem vindo. Isso não tem nada a ver com as coisas da política. Nós estávamos interessados na participação das pessoas. Elas não estavam nas ruas de Paris por causa dos terroristas, elas estavam nas ruas de Paris por causa da liberdade. Não devemos esquecer isso.

Primeira capa do Charlie Hebdo após ataque traz Maomé chorando

Primeira capa do Charlie Hebdo após ataque traz Maomé chorando

O jornal satírico Charlie Hebdo voltará a colocar uma representação do profeta Maomé em sua primeira capa após o atentado em sua redação, que deixou 12 mortos em Paris, na última quarta (7 de janeiro).

Na nova capa, o profeta do islamismo aparece chorando, com a frase "Je suis Charlie" (Eu sou Charlie, em francês), lema dos protestos contra o ataque. Acima da imagem, a frase "Tout est pardonné" (Tudo é perdoado).
A primeira edição do semanário francês terá uma tiragem de 3 milhões de exemplares, em vez dos tradicionais 60 mil, em 16 línguas. O semanário vai às bancas na próxima quarta (14), quando a tragédia completa uma semana.
A capa foi desenhada pelo cartunista Luz, que sobreviveu à tragédia por ter acordado atrasado para a reunião de pauta no dia do atentado.
O ataque à redação do Charlie Hebdo terminou com a morte do diretor do jornal, Stéphane Charbonnier, o Charb, além dos cartunistas Jean Cabut (Cabu), Georges Wolinski, Bernard Velhac (Tignous) e Philippe Honoré (Honoré).
Além deles, outras sete pessoas foram mortas. Os autores da ação, os irmãos Said e Chérif Kouachi, disseram ter agido a mando da Al-Qaeda na Península Arábica, filial iemenita da rede terrorista. Os dois foram mortos na sexta (9), em um cerco policial.
--Folha Online

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