quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

“Maturidade do nosso sistema financeiro ainda deixa a desejar”

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Entrevista a Hélder Chambisse
presidente da Comissão Executiva do Banc ABC explica que os grandes depositantes é que determinam as taxas de juro aplicadas no crédito à economia por serem a maior fonte de capitalização dos bancos, num cenário em que a poupança das famílias é insignificante. No entanto, Hélder Chambisse diz que a Facilidade Permanente de Cedência do Banco Central ainda está longe de determinar os juros cobrados pelos bancos. Chambisse fala também dos desafios do Banc ABC para os próximos cinco anos.
As taxas de juro de crédito praticadas pela banca são consideradas muito altas. De acordo com o boletim de conjuntura económica do Banco de Moçambique de Setembro do ano passado, a taxa de juro média de retalho situava-se em 20.8%. Por que as taxas de juro continuam muito altas?
As taxas de juro de crédito que os bancos comerciais praticam aos seus clientes, naturalmente, são fixadas com base na conjuntura macroeconómica do país. Estamos num cenário de estabilidade económica, de preços e da moeda, e o Banco Central dá um sinal com a taxa directora, neste caso, a taxa da facilidade permanente de cedência e espera-se que todo o conjunto de taxas de juro, principalmente, as de crédito, baixem, e estão a baixar. O principal factor que leva ao debate, que temos assistido, é a velocidade com que a taxa de juro de crédito baixa. Levanta-se isto porque esta não acompanha a taxa de juro directora ou ao cenário de estabilidade económica do país. Se tivéssemos um cenário em que as taxas directoras estivessem a baixar e as taxas de juro de crédito a aumentar, aí sim, julgo que deveríamos considerar o cenário preocupante e alarmante. Dizer, como é trazido na imprensa, por exemplo, que há conluio entre os bancos para prejudicar os agentes económicos, penso que não se trata nada disso. O principal factor que determina as taxas de juro é o custo de mobilização de recursos. Quando olhamos para o crédito, falamos também do respectivo risco, isto é, que tem que ter um prémio para compensar este risco. Portanto, são estes dois factores que determinam as taxas de juro de crédito. Por um lado, está o custo da mobilização de recursos, isto é, porque os recursos que são passados para os mutuários são originários dos depositantes e este tem de se fazer reflectir no custo da taxa de juro activa. E depois, temos o risco do crédito cedido aos mutuários, neste caso, aos agentes económicos e às famílias. É arriscado porque pode não retornar ao banco. Por isso, este risco atrai um prémio e este reflecte-se na taxa de juro.
Qual é o peso que cada um destes factores tem no juro sobre o crédito concedido pela banca?
Se olharmos para o cenário de depósitos na economia, notamos que a poupança das famílias ainda é baixa. Ainda que tenhamos bancos de retalho e uma rede bancária forte, que têm acesso a grande número de depositantes, a poupança das famílias ainda é baixa. Ou seja, os bancos têm que recorrer aos grandes depositantes por forma a assegurarem recursos necessários para conceder créditos à economia e estes grandes depositantes demandam elevadas taxas de juro por várias razões, uma delas é a ausência de aplicações alternativas. Os grandes depositantes têm nos depósitos quer a ordem quer a prazo ou outros tipos de produtos que os bancos disponibilizam, como principais fontes de rentabilização dos seus recursos. E portanto, há uma grande concorrência por estes grandes depositantes que lidam com mais do que um banco e estes recursos requisitam taxas de juros elevadas que se reflectem no custo total de mobilização. Quando ponderamos no montante da taxa de juro, o conjunto de recursos mobilizados, incluindo os de retalho, o peso destes elevam pela taxa média de mobilização de depósitos.
Isso quer dizer que se um grande depositante sugere um juro de 16% no seu depósito, o banco não vai vender esse dinheiro abaixo desta taxa, atendendo o peso deste depositante. Quem é que determina os juros de depósitos, os bancos ou depositantes?
É uma situação própria de mercado, porque cada instituição olha para as suas necessidades e para a sua carteira de negócios. Se um depósito está num banco para a renovação, o depositante tem alternativas, daí que a taxa de juro vai baixar e se há um banco que oferece uma taxa acima daquela que o outro banco oferece. Se no outro banco a taxa for atractiva, naturalmente que os recursos se movem de um banco para outro.
Sendo assim, o que é que mais determina a fixação das taxas de juro de crédito, os grandes depositantes ou a taxa de juro de cedência do banco central?
É principalmente, o custo do founding. Porque a facilidade de cedência também faz parte do conjunto de recursos disponíveis para os bancos comerciais. O Banco Central está diariamente no mercado, o que é relevante é olhar para todo o cenário dos recursos mobilizados por um banco comercial, olhar para o custo médio de mobilização desses recursos e depois fazer reflectir esse custo na taxa de juro de crédito. A cedência do Banco Central não é a principal fonte de recursos dos bancos comerciais para o crédito à economia. A principal fonte são os depósitos dos clientes. O custo médio desses depósitos não está a acompanhar a taxa da Facilidade Permanente de Cedência. Quase sempre olhamos somente para a taxa de crédito e chegamos à conclusão de que ela não acompanha a facilidade permanente de cedência, mas se olharmos para a taxa média de depósitos também notamos que não tem o mesmo comportamento, ou seja, a mesma magnitude de redução que teve a facilidade permanente de cedência. As taxas de retalho, máxima e mínima, são tabeladas e nominais. Mas, olhando para aquilo que são os resultados nominais dos bancos e a margem financeira, ou seja, a diferença entre os juros cobrados e os juros pagos verificaremos que a margem tem estado a reduzir. Já estivemos uma média em torno dos 7 ou 8%, hoje já estamos a falar em 4 ou 5% e em alguns bancos até com uma margem inferior. Isto mostra-nos que os juros cobrados no crédito em relação aos juros pagos, a diferença tem estado a reduzir, as taxas efectivamente praticadas têm estado a seguir este comportamento e a taxa de crédito tem estado a baixar ao mesmo tempo que a taxa de depósitos, mas não na mesma magnitude.
O Banco de Moçambique e alguns gestores bancários dizem que a solução para reduzir os juros é a concorrência forte entre os bancos. Partilha deste ponto de vista?
Ainda há um elevado nível de concentração, mas mesmo ao nível dos bancos de referência já há uma concorrência significativa e os bancos médios também concorrem entre si, bem como os bancos de maior dimensão. Se repararmos para a quota do mercado de todos os bancos, verificaremos que há bancos a subir a quota de mercado substancialmente nos últimos anos, outros estáveis e outros a baixar. Portanto, esta concorrência paulatinamente é um processo, leva o seu tempo. Neste ponto de vista, o tempo levará a redução das taxas e a um alinhamento que todos pretendemos.
Há quem sugere que é hora de o Parlamento aprovar a lei da concorrência e criar uma autoridade que olhe para os bancos para impor regras. Não acha que esse é que deve ser o caminho para cortar as taxas de juro?
Falando principalmente da banca, creio que o nível de maturidade do nosso sistema ainda está a quem daquilo que nós pretendemos. A concorrência que temos, neste momento, levará primeiro à redução dos preços e depois, quando estivermos numa situação em que não há mais espaço para as margens virem cá para baixo, levará a inovação e a criação de novos produtos. Hoje temos as duas coisas: por um lado a criação de novos produtos e por outro a redução dos preços, mas creio que o nível de maturidade que nós temos no mercado ainda deixa espaço para maior crescimento, não só dos bancos já existentes e para a entrada de novos bancos, mas também para uma competição entre os bancos para captar melhores clientes, criar novos produtos, para se ir a novas áreas ainda não totalmente bancarizadas e por ai em diante. Se compararmos o nosso sistema com outros da região verificaremos que os nossos bancos são grandes, mas se verificarmos para aquilo que temos que fazer, veremos que ainda são muito limitados. Estamos num cenário de crescimento económico, onde o bolo vai crescendo e as instituições vão acompanhar esse crescimento, e ainda há espaço para uma concorrência que não seja desleal e para um crescimento sem entrarmos por essa via.
Recentemente, numa conferência dos bancos centrais dos Países da Língua Oficial Portuguesa, em Portugal, o governador do Banco Central de Moçambique não excluiu a possibilidade de os quatro maiores bancos que operam no país estarem a actuar em cartel para determinar as taxas de juro a cobrar pelos empréstimos. Partilha desta posição?
Não, porque partilhamos os mesmos clientes e sabemos que eles têm alternativas. Havendo concentração, mesmo no caso de uma e outra instituição imporem a realização de operações com determinada instituição impedindo de olhar para a concorrência, seria muito pouco provável que num cenário onde há quatro bancos. Mas diria que dos 18 bancos, oito ou nove actuam nas mesmas áreas, principalmente em relação aos principais clientes, porque esses é que têm peso. Penso que não há uma combinação deliberada entre os quatro maiores bancos. Há concorrência aberta entre os bancos. Agora, pode haver situações em que uma empresa ou um particular, por várias razões, tem que fazer uma operação com um determinado banco ainda que não esteja satisfeito com essa taxa, porque não tem condições de mudar para outro banco, mas julgo não ser similar a uma concertação. O custo do founding de um banco da nossa dimensão é diferente do custo de um banco maior, porque não temos a mesma rede de agências, não temos a mesma base de clientes e estamos concentrados em poucos clientes. Naturalmente que a taxa média de juros que um banco pequeno paga é superior que a de um banco grande. Caso os bancos não estejam dispostos a pagar, o depositante terá domicílio para seus fundos. Também há uma concorrência aberta e não há imposição dos depositantes, do tipo: a taxa tem de ser esta.
O Banc ABC lançou recentemente a linha de crédito à habitação. Que diferença existe entre este crédito e outros existentes no país?
O principal factor de diferenciação neste produto é o facto de não exigirmos um depósito que muitas vezes é prática nos bancos, onde ao preço do imóvel, o comprador ou mutuário tem que tirar uma percentagem deste valor e o banco comparticipa. Ou seja, o banco não financia efectivamente 100% do preço de aquisição, mas apenas uma percentagem. O nosso crédito à habitação tem sido aceitável. O ponto é que o preço dos imóveis, neste momento, no mercado imobiliário, é elevado, olhando para as operações de crédito desta natureza. É preciso reparar para a capacidade de endividamento dos mutuários, ainda que não haja uma lei de créditos que ponha limite, tem de haver uma responsabilidade de se olhar para a capacidade de pagamento dos mutuários e não fazer uma operação que resulte num reembolso violento do rendimento mensal das famílias. Olhando para aquilo que é o preço médio dos imóveis, neste momento, na cidade de Maputo e no país e para aquilo que é a capacidade de endividamento, há uma grande diferença. Por isso, ainda que seja um produto cuja aceitação é elevada, os volumes que estamos a verificar levam-nos a concluir que o mercado ainda não está em condições de ter um crédito à habitação que tenha o efeito que todos pretendemos em termos de aumento do acesso às famílias a uma habitação própria. No crédito à habitação, a taxa de juro que praticamos é variável. Olhamos para a capacidade das famílias e para os imóveis. Neste momento, temos operações que já variam entre 16 e 18%.
“Não há condições para termos créditos que aumentem acesso à habitação às famílias”
O público-alvo do Banc ABC, em Moçambique, não são as massas. Aonde é que a instituição pretende chegar com esta estratégia?
O Banco ABC está há 15 anos no mercado moçambicano, com uma inserção não vasta, como concorrência. Está abaixo daquilo que nós pretendemos porque há limitações para isso. Porém, é uma inserção, quanto a nós, positiva e que nos satisfaz, tendo em conta o investimento que foi feito e a nossa dimensão até ao momento. Como sabe, na banca há vários factores que contribuem para o seu crescimento e um dos principais é a capitalização. Ao longo de muitos anos, o nosso accionista, o ABC Holding, teve muitas limitações em termos de capital que podia disponibilizar para potenciar o seu crescimento.
Qual tem sido o desempenho do banco, em termos de resultados financeiros nos últimos anos?
O banco teve prejuízos nos primeiros anos da sua actividade, 2000 até 2003. Após isso, o banco manteve-se lucrativo. Começou por afirmar-se não banco de massas, queremos alterar essa percepção porque é um banco de massas sim. Iniciamos em 2000 e de lá até 2008 tivemos como foco as grandes empresas, num banco de nicho somente com duas agências até 2005, Maputo e Beira e portanto, olhávamos mais para as grandes empresas e para os clientes institucionais. Isso põe entraves ao crescimento. O nosso lucro no ano passado situou-se em torno dos 42 milhões de meticais, tivemos um crescimento dos resultados (dos lucros) até 2011 e, face ao investimento que fomos fazendo em função do crescimento orgânico, abrimos agências. Em dois anos abrimos oito agências ao longo do país e neste momento temos 10 agências, triplicamos o número de colaboradores e temos agora 250 colaboradores e investimos em processos e em sistemas.
O vosso banco está em todas as províncias? 
Ainda não. Estamos, para além de Maputo, em Sofala, Manica, Tete e Nampula onde temos duas agências, uma na cidade e outra em Nacala. E olhamos num horizonte de em dois anos, 2015 e 2016, cobrirmos todo o país.
Qual é a vossa perspectiva em termos de abertura de agências?
No primeiro trimestre do ano 2015, pretendemos abrir duas agências, uma na cidade de Maputo e outra na cidade de Tete e depois, ao longo do ano, iremos abrir mais oito agências, isto é, em 2015 contamos duplicar o número de agências.
Um estudo recente feito pela KPMG e pela Associação dos Bancos de Moçambique lançou um alerta em relação ao crédito malparado e indicou que havia alguns bancos que tinham níveis de solvabilidade aceitáveis, créditos sob controlo e neste grupo não está o Bank ABC. Haverá aqui algum problema convosco?
Em relação ao crédito malparado, a média do mercado é muito baixa em torno dos 3% e o Banco ABC, pela sua dimensão, pela concentração que tem, tem níveis acima de 3%, mas não é um nível alarmante e que está fora das melhores práticas. Talvez não constemos do estudo pela nossa quota de mercado. O nosso crédito malparado situa-se actualmente em torno dos 5 a 7%. Trata-se de uma percentagem preocupante, mas não alarmante, pelas razões que indiquei, porque a carteira é ainda muito pequena e está concentrada ainda. A carteira de crédito do banco está a alterar nos últimos dois anos, continua dominado pelas grandes empresas, repare de 2008 a 2010, o banco estava exclusivamente virado para as grandes empresas e o peso deste tipo de empresas ainda está presente.

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