quinta-feira, 5 de março de 2015

LAM 470: TEORIA... sem provas!

Por Alves Gomes

Na sua edição do passado dia 28 de Janeiro de 2015, o “Canal de Moçambique” publicou, na última página e na página 5, dois artigos relativos ao acidente de uma aeronave das Linhas Aéreas de Moçambique, voo TM 470, ocorrido em território da Namíbia, a 29 de Novembro de 2013. Este é um assunto que, como sabe, tenho vindo a acompanhar de perto e, face ao que o “Canal de Moçambique” deu a conhecer aos seus leitores, achei oportuno contribuir para esclarecer alguns factos. Aproveito para informar e afirmar que nunca as “autoridades namibianas” inscreveram nos seus relatórios a “teoria de suicídio”. Tanto no Relatório Preliminar, tornado público a 9 de Janeiro de 2014, como no agora Relatório Interino, nunca foi, nem é, feita qualquer referência a “suicídio”. Em ambos os relatórios é de facto reconhecido que o Comandante dominava perfeitamente o comando e sistemas da aeronave, sem contudo se explicar quais as razões que o levaram a efectuar uma série de procedimentos, antes de a mesma embater no solo. A “teoria do suicídio” é com base em informações publicadas pelo “The Namibian”, acreditando que o mesmo era porta-voz da Comissão de Investigação do seu respectivo Governo. Mas esta “teoria” não teve origem na Namíbia, mas sim em Maputo. Ainda antes de a Comissão de Investigação da Namíbia ter divulgado o Relatório Preliminar, já o nosso Ministério dos Transportes e Comunicações, através do Director do Instituto de Aviação Civil de Moçambique (IACM), se apressava a declarar que a aeronave não tinha quaisquer problemas mecânicos e, de seguida, afirmar que o “piloto havia agido de forma intencional”. Afirmações sem sustentação em factos sobre a dita “intenção”. Assim, entidades que a ICAO não reconhece como parte do processo da investigação interferiram e influenciaram a opinião pública. Nascia a “teoria do despenhamento propositado”. Com que finalidade? Pessoas que deveriam dar a conhecer à Comissão de Inqué- rito da Namíbia informações que contrariavam o que eles próprios instigaram nas “redes sociais da internet” – por exemplo, o perfil psicológico do Comandante. O IACM detém todo o processo curricular do Comandante. E nele deveria constar uma avaliação feita pelos serviços de recursos humanos da TAP (tal teste não é possível efectuar em Moçambique) sobre a “Avaliação Psicológica do Piloto”. O Comandante em causa, que tinha como formação académica a de Engenheiro Mecânico, depois de uma avaliação de sete horas na TAP (dois anos antes do acidente), obteve resultados muito acima da média exigida. Portanto, com perfil psicológico imaculado. Face ao rumo que a investigação estava a tomar, em Fevereiro do ano passado, a maioria dos operadores aéreos nacionais (exceptuando a LAM/MEX por serem parte interessada) fez publicar um comunicado no semanário “Savana”, onde chamava a aten- ção para várias falhas contidas no Relatório Preliminar que a Namí- bia publicou, à luz do preceituado pela ICAO, no seu Anexo XIII. Esse comunicado, cuja cópia foi enviado à comissão de investigação da Namíbia, bem como à ICAO, lembrava que os procedimentos efectuados pelo Comandante correspondiam àquilo que no Manual da aeronave é descrito como manobra de Descida de Emergência, sugerindo que seria necessário aprofundar a investiga- ção, nomeadamente recorrendo- -se a um simulador de voo, bem como esclarecer a questão dos sons gravados como batidas na porta da cabine de pilotagem. Com efeito, o Relatório Interino, agora tornado público, traz interessantes revelações, respondendo parcialmente às preocupações então apresentadas pelos operadores aéreos moçambicanos. De entre elas, a do recurso ao simulador. Porém, e ao contrário do que os operadores nacionais haviam sugerido, a Comissão de Inqué- rito da Namíbia decidiu fazer uso de um centro de simulação, no Brasil, normalmente utilizado e operado pelo fabricante da aeronave... a EMBRAER. Por que não um centro independente, já que os há, tanto na Europa como nos Estados Unidos? E a simulação restringiu-se somente aos dados registados na “caixa negra” referentes aos últimos doze minutos de voo! Os resultados ali obtidos sobre as prováveis causas do acidente não podiam ser mais inconclusivos. Em pelo menos três questões cruciais, relativos à Descida de Emergência, cujos procedimentos foram feitos em apenas um minuto e dezasseis segundos (conforme constam no Manual de Operação da Aeronave), a Comissão de Inquérito da Namíbia, para além de não identificar o tipo de acção, explica isso através do termo INFERIR! Ora só se infere quando não se tem a certeza e muito menos provas sobre factos. É, basicamente, presumir, ou, ainda pior, deduzir. Assim, para explicar três importantes registos técnicos da Descida de Emergência, a Comissão de Inquérito da Namíbia, neste seu “Relatório Interino”, recorre a notas de rodapé para justificar que “como o parâmetro do Master Caution se manteve desactivado no momento de ser desligado, é possível inferir que esta acção foi realizada manualmente”; para de seguida usar a presunção de que “o pack 2 foi intencionalmente desactivado” e, de novo “inferir que todas estas transições foram manualmente comandadas pressionando-se o botão do FLCH”. Dos muitos relatórios Preliminares e Finais que conheço e estudei, em nenhum encontrei a recorrência ao termo “inferir”, ou “presumir”. É linguagem inaceitável quando se trata de investigação, seja ela aeronáutica, policial, muito menos jurídica. À falta de provas, não se infere, presume ou deduz, e sim admite- -se não as haver, ou informa-se que não existe ainda explicação plausível para os factos registados. Portanto, o recurso a este tipo de argumento é inaceitável e muito grave quando se procura saber o que de facto causou um acidente que ceifou a vida de mais de três dezenas de pessoas. O objectivo desta investigação, lembre-se, não é o de encontrar culpados, mas sim causas que permitam evitar futuros acidentes. De estranhar também que neste último relatório não se admita, como no primeiro, que todas as manobras foram efecutadas com o “piloto automático” activo. Porquê? Neste Relatório Interino, que descaradamente procura vender a teoria ou tese, sem até aqui ter provas, de um “despenhamento propositado”, traz à ribalta duas questões muito importantes, as quais colocam sérias interrogações sobre o profissionalismo e competência da Comissão de Investigação. Ele revela que o Emissor de Localização de Emergência (ELT) da aeronave não funcionou. Ou seja, se a localização da aeronave não tivesse sido feita por testemunhas oculares, provavelmente ainda hoje estaríamos à sua procura. Porquê não funcionou esse sistema de localização existente em todas as aeronaves de transporte de passageiros, não é explicado pela Comissão de Investigação, nem pelo fabricante da aeronave! A Comissão de Investigação não pode pura e simplesmente ignorar este facto. Tem de investigar e dar explicação para o mesmo. Mas mais grave é a insistência da Comissão em descobrir se a grava- ção sonora (“caixa negra” de voz), respeitante às batidas na porta da cabine de pilotagem foram feitas de dentro para fora ou vice-versa. Será que os investigadores não se lembraram daquilo que o mais comum passageiro de aeronaves sabe? Existe um sistema de comunicação interna na aeronave, vulgo telefone, para que os tripulantes comuniquem entre si e com os passageiros! Ora, se, do lado de fora da cabine de pilotagem, os investigadores “inferem” que havia um co-piloto, um mecânico e três assistentes de bordo que queriam entrar na cabine de pilotagem, porque não questionam o facto de nenhum deles se ter lembrado de usar o telefone que estava, como sempre está, à mão de semear? Porquê os investigadores, ao invés de “inferirem” o que o piloto fez ou não fez, também não “inferem” que esse importante sistema de comunicação, a exemplo do que já se constatou e apurou sobre o ELT, também não funcionou, por falhas mecânicas ou eléctricas? Porquê este, como o primeiro relatório, não nos informa que quem estava no comando da aeronave permaneceu mudo durante toda a “descida de emergência”. Isto, contrariando o facto de ambos os relatórios fazerem referências a diversos sinais sonoros gravados pela “caixa negra” de gravação de voz nos últimos minutos do voo. O esforço em se atirar para cima dos ombros do Comandante do voo TM 470 a responsabilidade do acidente começa a esboroar-se com estas pequenas mas importantes revelações. E ainda não nos disseram a que velocidade é que a aeronave embateu no solo e qual era a atitude da mesma nesse momento. Nenhum dos relatórios nos explica porque é que a aeronave não entrou a pico no solo, mas sim varrendo-o por mais de seiscentos metros. Tem de haver explicação técnica para isso. No seu comunicado, os operadores moçambicanos chamaram a atenção para a necessidade de se investigar tudo o que é recomendado pelo Anexo XIII da ICAO. E, de entre essas questões, está a da manutenção da aeronave. O historial de avarias que antecedeu o acidente desta aeronave é muito importante. Ou ela não acabava de sair da manutenção por se ter detectado uma avaria num voo que efectuara no dia anterior? Por último, e no que diz respeito à questão do seguro, abordado no artigo da vossa página 5 da edição em causa, há a informar que a empresa seguradora já pagou. As partes que tinham de ser ressarcidas já o foram e, convenhamos que, nestas coisas, as seguradoras não atiram dinheiro pelo cano de esgoto abaixo. É mais um contra-argumento à “teoria do suicídio”. Para além das questões aqui levantadas, há muitas outras para as quais os relatórios Preliminar e Interino ainda não deram nem explicação nem resposta. Esperemos pois que o Relatório Final desta comissão de investigação não seja cópia dos que a nossa Polícia faz sobre as causas da quase totalidade dos acidentes de viação – “excesso de velocidade e embriaguês”. Por incrível que pareça, na declaração das causas de morte dos acidentados no voo LAM 470 é afirmado: “morte por embate a alta velocidade”...

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