segunda-feira, 9 de março de 2015

Um pacote armadilhado para Nyusi

Por Fernando Lima

A imagem do corpo ensanguentado de um catedrático moçambicano estatelado no alcatrão quente da Eduardo Mondlane correu mundo na terça-feira. Mesmo antes de o seu corpo ferido de morte ter sido removido para o hospital. Para consumo interno, é como se o seu corpo tivesse sido lançado junto ao granito dos degraus do gabinete do Presidente Nyusi. Os ingredientes factuais, aqueles que estão para já acessíveis, assentam como uma luva na teoria da conspiração. Gilles Cistac, ainda em vida, argumentou a constitucionalidade de um Estado descentralizado. O que não agradou objectivamente à Comissão Política(CP) do Partido Frelimo, e, por arrastamento aos mastins de serviço que nos últimos anos cumprem um vai-vém ritual entre a sede do Comité Central , as redacções da comunicação social pública e os seus satélites. Por “delito de opinião”, Cistac foi vandalizado, foi “decapitado” ao nível mais torpe e mesquinho por um “jihadismo” em desespero de causa. Pôs-se em dúvida o seu conhecimento constitucional, a sua nacionalidade adquirida. Até a raça foi Um pacote armadilhado para Nyusi atirada à praça pública. Quando se compara Nyusi a Raúl Domingos, com as devidas distâncias históricas no que toca ao negociador-chefe da Renamo, evidenciam-se quão profundas são as frustrações e o lamber de feridas pelos corredores frios do prédio branco da antiga Rua Pereira do Lago. Afinal, as recompensas quedaram-se num vice, um assessor, o responsável por uma institui- ção inconsequente e um encontro para apaziguamento dos ânimos. Muito pouco para meses e meses de poeiras e noites mal dormidas no país profundo, caquis “Banana Republic” e bonezinhos a condizer, moldando à imagem do chefe um país que, mesmo com eleições inquinadas, mostrou estar longe das maquinações de George Orwell e do mais maquiavélico assessor da pátria de Kim Il Sung. As “regiões autónomas” e a esquizofrenia da CP produziram o desejado efeito Pavlov nas desmoralizadas hostes dos escribas a soldo. Afinal foram anos recentes de labor intenso, a começar pela desmontagem de “intocáveis” no movimento de libertação como Marcelino dos Santos, Jorge Rebelo, Oscar Monteiro, Sérgio Vieira. Mesmo Graça Machel e Joaquim Chissano não escaparam a violentas estocadas porque contrariavam a ordem dominante. Luisa Diogo fica para um “estudo de caso” à parte. Se Marcelino e Vieira foram enxovalhados pela medida grande, quem é o tal de Cistac, de sotaque gaulês, aspirante ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos e à nossa nacional comissão de eleições? O desvario permitido e incentivado acumulou, não tiros mas autênticas rajadas de Kalashnikov sob uma instituição que carrega a responsabilidade histórica de ter levado os moçambicanos ao limiar da liberta- ção e da independência. E as rajadas permitem as colagens abusivas. A tudo isso, e até ver, é omissa a intervenção de Nyusi. Assim sendo, por que é que o corpo de Cistac tem que ser arremessado às escadarias da Presidência? Por que tem que ser ele a pagar a factura? Aí, revela-se a parte complementar da teoria conspirativa. Se Nyusi não tivesse ido ao encontro de Dhlakama, se não tivesse mostrado cordialidade, se não lhe tivesse dado asas para enviar ao parlamento uma proposta de descentralização territorial, não teria havido a “subversão” Cistac por via televisão, não teria que se mandar uma parte da CP para as províncias para tentar apagar os discursos incendiários do líder da Renamo. Se… Com 47 dias de governação, Nyusi não merece, não merecia este cená- rio, não merecia o rebobinar do pesadelo Cardoso que se abateu sob a governação Chissano. Nem sequer merece o comunicado intimidató- rio e snaspiano emitido esta quarta-feira pela CP do partido político que detém o poder, tentando calar tudo e todos em nome de uma falsa unidade de propósitos. Ele que vincou liberdade e a diferença numa notável intervenção depois de ser investido com a mão sobre a Constituição. Embora a história a Frelimo tenha vários episódios de facas pelas costas e cartas-bomba, a última coisa que Nyusi não precisava mesmo era esta encomenda armadilhada.

Assassinato,
Gilles Cistac, concedeu uma entrevista ao SAVANA onde queixou-se do crescimento dos níveis de intolerância. Para Cistac, o estágio em que as coisas chegaram mostra que atingimos um nível de intolerância bastante preocupante. Cistac disse que estamos a viver intolerância em várias vertentes, desde política, académica e até rácica. “Há um grupo de pessoas que a todo custo tentam matar a democracia, a liberdade de opinião e de pensamento através de discursos racistas e descriminarias. Como moçambicanos devemos estar atentos a estes discursos porque perigam a democracia”, disse para depois acrescentar que “temos que contrariar este movimento que está a tentar destruir o convívio colectivo tentando pôr em causa a liberdade”. O constitucionalista sublinhou que é penoso que pessoas que defendem a união de Estado publicamente, venham depois promover a divisão desse mesmo Estado através de promoção de práticas discriminatórias. Continuou referindo que há um comportamento visando dividir os moçambicanos. Essas pessoas, que apelidou de criminosos, lançam ideias discriminatórias com vista a confundir a opinião pública, criar confusão e desconfianças entre as pessoas e por fim criar divisionismo. Para tal, este grupo procura a todo custo buscar bodes expiatórios para encontrar culpados na confusão que eles próprios fomentam. Na mesma entrevista Cistac disse que não temia pela sua integridade física porque é uma pessoa honesta e sem nada a esconder. Todas suas opiniões eram do domínio público e as suas investigações académicas estavam todas publicadas em livros. Acrescentou que o esquema de tentar limitar a sua liberdade de pensamento, académica e de expressão estava muito abaixo do capital símbolo que as mesmas ideias transmitem a sociedade. Referiu que não era oportuno indicar nomes mas, o grupo que fomenta intolerância era bastante forte. “Não vou avançar nomes mas depois da investigação do ministério, esses criminosos serão expostos em público. O MP deverá desmantelar esta rede mostrando as caras, as organizações que financiam este tipo de actos bem como as respectivas motivações porque na minha optica é um atentado a democracia. Queixa crime O debate em torno de dois centros de poder no seio do partido no poder bem como da reacção da Comissão Política da Frelimo, após os encontros entre o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi e o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, assim como as questão da regiões autónomas terá sido o polo da questão. Depois do constitucionalista e académico Gilles Cistac ter vindo ao público referir que as exigências da Renamo, de governar as províncias onde saiu vencedor nas eleições de 15 de Outubro, bem formuladas, podem ter enquadramento legal, várias opiniões foram lançadas em ataque ao jurista. Nas redes sociais foram publicados vários textos acusando o académico de estar a instigar a violência, divisão do país para além de distorcer o direito. No meio dos ataques, o mais grave, de acordo com o ofendido, foi quando, um cidadão, identificado nas redes sociais, pela alcunha de Calado Calachinicov publicou um texto acusando Cistac de ter obtido a nacionalidade moçambicana de forma fraudulenta e por vias corruptas e de estar a fomentar a divisão do país para obter ganhos obscuros. Segundo Gilles Cistac, os escritos deste facebookeiro constituem um verdadeiro atentado a honra e ao seu bom nome pelo que optou por avançar pela via judicial para exigir a reposição dos danos. “Os níveis de intolerância são insuportáveis” Gilles Cistac na última entrevista que concedeu SAVANA Em declarações ao SAVANA Gilles Cistac referiu que as acusações de Calachinicov constituem o ponto mais alto da intolerância bem como da violação dos direitos fundamentais. “Dos mesmos comentaristas já senti sinais de intolerância política, académica e até do racismo. Ignorei-os, agora aparecem acusar- -me de prática de actos criminosos. Acho que já basta. Tenho que agir. Não posso admitir que esse grupo de criminosos continue a manchar o meu nome. Vou avançar com uma queixa crime junto Procuradoria”, desabafou. Gilles Cistac diz que exprimiu sua opinião convencido que estava numa sociedade democrática onde o debate de ideias é um acto salutar e que contribua para a fortificação do sistema democrático. Porém, foi com algum espanto que, em vez das pessoas usarem também argumentos jurídicos e académicos para rebater a sua tese optaram por injúrias e descriminação racial. “Esses comportamentos são um atentado a democracia e a construção de um Estado de Direito Democrático pelo que devem ser desencorajados na medida em que estão a pôr em causa os direitos fundamentais dos cidadãos como a liberdade de opinião, de expressão bem como ao pensamento acadé- mica”, advertiu. Gilles Cistac diz que vive e trabalha em Mo- çambique desde 1993. Durante 22 anos serviu o Estado moçambicano em várias vertentes. Foi assessor de Aguiar Mazula quando dirigia o Ministério de Administração Estatal e mais tarde no Ministério da Defesa Nacional, do Ministro de Turismo, Fernando Sumbana, do Tribunal o Administrativo assim como da Assembleia da República. “Contribuiu grandemente na organização do sistema administrativo moçambicano bem como na formação de juristas moçambicanos. Posso afirmar com toda certeza que não há nenhuma província ou universidade que não tenha um jurista que não tenha contado com a minha formação académica”. Reconhecendo que o autor da acusação usa nome emprestado, o nosso entrevistado referiu que o Ministério Público tem técnicas apropriados para a investigação e confia nas suas capacidades. Cistac diz que há uma necessidade urgente de desmantelar essas redes porque através de intrigas procuram enfraquecer o Estado e criar certa confusão entre as pessoas. Gilles Cistac diz que a acusação é grave pelo que vai pedir ao Ministério Público para que pune exemplarmente os infractores. 

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