segunda-feira, 2 de março de 2015

Uma lição vinda da Renamo

Reflexão de: Adelino Buque

Graças aos entendimentos entre o Chefe do Estado moçambicano, Filipe Jacinto Nyusi, e o líder da Renamo,Afonso Macacho Marceta Dhlakama, os 89 deputados da Assembleia da República da “perdiz” tomaram posse e participaram na sessão extraordiná­ria convocada para a estruturação da Casa do Povo, através da eleição das comissões de trabalho, eleição dos vice-presidentes da Assembleia da República e demais órgãos internos, como é o Conselho de Ad­ministração da Assembleia da República.

A presença dos deputados da Renamo trouxe à Assembleia da República a dignidade que aquele órgão de soberania merece.

Na verdade, a sua não tomada de posse ou de as­sento era preocupação para diferentes sensibilidades da nossa sociedade, independentemente de estarmos ou não de acordo com a sua filosofia de actuação. Ten­do sido eleitos, justo e certo é tomarem os assentos merecidos na Casa Magna. Fizeram-no tardiamente, mas fizeram-no. Pelo facto estão de parabéns.

Dois aspectos salientaram-se, até porque de con­trário não faria sentido a indicação da jovem deputada Ivone Soares para a liderança da bancada parlamen­tar da Renamo, o que constitui, na minha opinião, o reconhecimento dos esforços pessoais feitos por aquela jovem em prol dos interesses daquele partido.


Existem vozes que relacionam a ascensão política de Ivone Soares ao facto de ela ser sobrinha do presi­dente da Renamo. Até pode ter alguma coisa a ver, mas Afonso Dhlakama também tem mulher, filhos e irmãos mas me parece que tenham estado tão empenhados quanto a deputada Ivone Soares neste tempo todo, por isso, pessoalmente, prefiro olhar para a sua indicação como reconhecimento do empenho pelas causas do partido. Se boas ou não, esse é outro debate.

O segundo aspecto tem a ver com a eleição do deputado Younnosse para 2.º vice-presidente da Assembleia da República, um homem que, aos olhos de muitos, é um “anónimo” e chega pela primeira vez à Casa do Povo directamente e vai ao pódio. É obra.

Há mais: é um homem que ficou paraplégico por causa de um acidente de viação. Esta indicação emite um sinal sobre a forma como os políticos olham para a deficiência e com ela lidam. É inegável que esse sinal vem da Renamo de Afonso Dhlakama. Diria sem ofender qualquer sensibilidade que se trata de um sinal de esperança para os deficientes físicos do país.

O primeiro desafio da sua indicação esteve na pró­pria Assembleia da República, que não tinha condições para recebê-lo na sua condição, porque, segundo um jornal, as rampas existentes são longas e contrariam o padrão. Na Assembleia da República não há casas de banho com condições para serem usadas por por­tadores de deficiência física, o que o teria obrigado a “jejuar” para evitar mal maior com a procura de local para satisfazer necessidades biológicas.

Ora, sendo a Assembleia da República o espaço do povo por excelência, o que terá falhado para que estes detalhes não fossem tidos em consideração? Fica a pergunta. Aqui não se pretende encontrar culpados. Trata-se, sim, de reflectir sobre este facto.

Mais do que isso, a escolha do partido Renamo constitui um acto didáctico. O partido liderado por Afonso Dhlakama trouxe à ribalta a falta de conside­ração pela pessoa com deficiência em Moçambique. Devemos, por isso, a partir deste dado, elevar os níveis de satisfação interna da pessoa com deficiên­cia. Trata-se de uma boa franja da nossa população que fica excluída do exercício de cidadania. O caso da Assembleia da República é somente uma pequena amostra do que acontece pelo país. Devemos mudar a nossa atitude entanto que sociedade. De facto, o homem vale pelo que pensa e pode oferecer, inde­pendentemente do seu estado físico.

Onde há coisas boas, infelizmente, também existem coisas menos boas. A não renovação de mandato, por exemplo, do deputado Chalaua, jovem político pro­missor, constitui um golpe ao crescimento de jovens na arena política.

Não tenho relações com este par­lamentar da Renamo, contudo, as suas intervenções, quer na plenária quer em nome da bancada, como porta-voz, indiciavam um político de futuro. Ficou de fora. Pessoalmente lamento, porque é o país que perde!

Ficam as lições trazidas pelo partido de Afonso Dhlakama na Assembleia da República. Repito, pode­mos discordar da forma como a Renamo faz política, mas não podemos negar que nos trouxe uma lição de vida através destes actos concretos.

Bem haja.

CORREIO DA MANHÃ - 02.03.2015

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