quinta-feira, 7 de maio de 2015

Num país onde não existe bilhete de identidade, o que vale é a palavra.

CRÓNICA
Nem BI, nem caneta



07/05/2015 - 13:11


Num país onde não existe bilhete de identidade, o que vale é a palavra.


Saímos para votar às 9h30. As eleições caem num dia normal, a minha mulher ia trabalhar a seguir, a minha filha ia para a faculdade. Eu apenas as acompanhei, na qualidade de observador neutro, embora tenha as minhas preferências.

Ambas traziam a sua inscrição eleitoral, uma espécie de cartão postal que chegara há umas semanas, com todas as informações necessárias: o número de eleitor, um mapa a indicar o local de voto, o horário em que as urnas estariam abertas, instruções para votar pelo correio ou por procuração, telefones e links para dúvidas.

Fomos recebidos por três militantes, dois dos Tories e uma dos Lib Dem. “Podem-me dizer, por favor, o vosso número de eleitor?”, disse a liberal-democrata.

Latino, desconfiei. Para que é que aquela mulher queria o número de eleitor? “É para sabermos que já votaram. Senão, no final do dia vão lhes telefonar. Os partidos fazem isso, em especial quando conhecem de antemão a preferência dos eleitores”, explicou a senhora. De facto, já tinham batido à nossa portaantes, para indagar com quem simpatizávamos.

Os militantes conservadores também anotaram os números e avançámos para a mesa de voto, a minha mulher e a minha filha com o cartão eleitoral e o passaporte na mão, prontas a demonstrar que eram quem são.

Não necessitavam desta cautela administrativa. Num país onde não existe bilhete de identidade, o que vale é a palavra. Tudo o que lhes foi pedido foi para dizerem o número do registo eleitoral e repetirem o nome completo. Nem era preciso o cartão, tampouco exigiu-se uma assinatura – o supremo acto de validação da existência humana.

Confirmado verbalmente que ali estava alguém que dizia ser quem era, o membro da mesa de voto a cargo das listas eleitorais simplesmente anotou os números numa folha de presença, a lápis, e entregou-lhes os boletins.

Setenta anos depois de surgir comercialmente, a caneta esferográfica não tem lugar nas eleições britânicas – nem mesmo na cabina de voto, onde um lápis preso a uma cordinha é tudo o que se exige para o exercício democrático.

Na saída, perguntei aos mesmos militantes por que razão se usava lápis e não canetas. “Aí está uma boa pergunta”, disse um dos tories. “Não sei, nunca tinha pensado nisso”, secundou a lib dem. “Procura no Google”, sugeriu o terceiro elemento.

Procurei e há uma razão plenamente convincente: num país com tanta chuva, uma urna molhada pode arruinar os boletins marcados a caneta.

É claro que, noutras latitudes, qualquer observador internacional franziria o olho perante uma eleição sem bilhetes de identidade, sem assinaturas e com tudo escrito a lápis. Mas não nesta ilha.

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