segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Fim do debate ! Por Régio Conrado Mafesolli

Uma das coisas mais interessantes, hoje, em Moçambique é que quase todas as pessoas com algum título universitá- rio (não importa de qual universidade) reclamam-se académicas, intelectuais e comentadores. Todos podem se dizem poder analisar. Isso é encorajador e pode ser esclarecedor do conteúdo político da nossa sociedade. Talvez sejamos um país democrático (reduzo para esse caso democracia como possibilidade de exercer a liberdade negativa e positiva sem constri- ção)!!!! Mas uma das questões que me tenho colocado nos últimos tempos em relação a essa «evolução» é se esse movimento significa mais debate em Moçambique. Ao questionar-me dessa forma é porque estou perplexo em relação ao conteúdo dessas «discussões», desses comentários. Estou no fundo a interrogar-me sobre a validade e a consequencialidade desses ditos «debates», sobretudo daqueles que, deveras vezes, se tem intitulado de académicos ou ainda de intelectuais. Em Moçambique há um grupo de pessoas que está a estruturar o seu pensamento dentro de uma matriz do rigor científico, que produzem um trabalho intelectual e análises que nascem do seu trabalho que vem com eles com mais de 20 ou 30 ou mesmo 10 ou mais anos de trabalho. Não é a esses que este pequeno texto se dirige. O meu texto pretende reflectir sobre o que é que o dito debate público nos traz em termos de reestruturação da nossa compreensão dos fenómenos no país. Como é que é possível que um Historiador que nunca trabalhou sobre o ambiente aceite discutir sobre questões ambientais, sabendo que o seu conhecimento é apenas «conhecimento ordinário» como diz Michel. Ao mesmo tempo coloca as suas opiniões em forma de sentenças explicativas e menos compreensivas ou ao menos interrogativas, ou seja, transforma a sua «ilusão do imediato» (Bourdieu) em verdades ou imperativos categóricos (Kant). Maior parte das discussões que passam na nossa esfera pública, sempre excepcionando algumas, muitas vezes estão carregadas de muita carga normativa ou mesmo acabam transformando o espaço público num lugar de «normação» e «normalização» (Foucault), o que significa que os seus posicionamentos estão carregados de conteúdos a-estruturados ou ainda a-investigados. Isso faz-me recordar que em 1989, quando Gaston Bachelard publicou «la formation de l’esprit scientifique», logo nas primeiras páginas chamava-nos atenção para evitarmos o entusiasmo fácil e construirmos aquilo que ele chamou de «paciência científica». Ao olhar para a forma como a maior parte dos debates são feitos na nossa esfera pública, fico com a impressão que se banalizou o espaço público tornando-o num estado concreto, aquela fase em que o espírito humano confia nas primeiras imagens que lhe aparecem. No fundo os nossos debates públicos, na sua grande maioria, não sendo capazes de construir a consci- ência científica dolorosa que põe em causa todo o dogmatismo e rapidez de análise, criam e espalham a «ignorância pública». Penso que quando Platão se reclamava dos imediatistas (sofistas) através do mito da caverna (VII livro da A República) tinha razão, pois que essas pessoas, que são imediatistas que estão ainda dominadas por certezas imediatas e às vezes com poucos fundamentos, são perigosas para aquilo que Oskar Negt chamou de «espaço público oposicional». Se um espaço público oposicional é um espaço de debate de ideias, de reflexividade, de costuração de um pensamento que consigo traz modificações profundas na compreensão do que é o nosso país, podemos dizer que o debate em Moçambique existe em poucas circunstâncias naquilo que chamamos de esfera pública. Quando Habermas publicitou o conceito de espaço público queria frisar que a modernidade tinha produzido o sujeito capaz de pensar e de reflectir criticamente, aliás, esse é o sentido que a modernidade deu a esse conceito de sujeito. Há sujeitos críticos nesses debates? Um debate é igualmente uma questão de coerência de posicionamentos diferentes que valem pela sua capacidade de produzir visões críticas sobre um determinado processo ou fenómeno. Em Moçambique é bastante comum e até normal que um mesmo indivíduo quando estiver, por exemplo, discutindo, digamos, o problema da democracia ou da liberdade em Moçambique, ser ao mesmo tempo liberal, neo-liberal, comunista, anti-capitalista sem que compreenda as contradições, dimensões contraditórias que está a cometer e que acompanham os conceitos fundamentais que usa para discutir. Isso para mim pode revelar que mesmo que se tenha dado espaço a todos para participarem dessa «esfera pública», essa participa- ção é ou tem sido pouco substancial em termos do seu conteúdo. Longe de discutirmos os fundamentos mesmo dos nossos posicionamentos e verifi- carmos se os nossos argumentos são sistemáticos, fica-se no pitoresco ou naquilo que Campanella e Maquiavel de formas diferentes chamaram de pitoresco e traduzido hoje pour Bouvier como simples demagogia. Maior parte dos debates em Moçambique são fundados em opiniões sem conteúdo analítico e com problemas profundos de abstração e demonstração. O debate transforma-se em a-debate.

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