quinta-feira, 14 de maio de 2015

Quem rouba liberdade do outro torna-se prisioneiro (1)




Quinta, 14 Maio 2015

COMEMOROU-se há dias o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e, na África do Sul, o Dia da Liberdade.


Ao se proclamar o Dia da Liberdade sugere-se que no mundo, ou seja, em vários países, houve e ainda há a privação da liberdade seja ela de natureza política, de expressão, de imprensa ou de associação.

A proclamação do Dia da Liberdade, na África do Sul, recorda-nos imediatamente a figura de Nelson Mandela, figura reconhecida naquele país, em África e em todo o mundo, como um dos combatentes mais destacados na luta pela liberdade do seu povo. Ele próprio, por causa deste seu engajamento pessoal, foi privado da liberdade, sendo encarcerado durante 27 anos, na Ilha de Robben, pelo regime do “apartheid”, um sistema baseado na separação física entre raças, exploração, opressão, repressão e humilhação ao povo sul-africano.

Uma das mais belas surpresas de Mandela, quando assumiu a presidência do seu país e que o projectou para ser a mais admirável e amada figura da época, foi a sua capacidade de perdoar a quem lhe privou da liberdade pessoal e da liberdade do seu povo, sugerindo-se assim alguma relação entre a liberdade e o perdão. Pode entender-se que o verdadeiro gozo pessoal da liberdade implica o desejo que a mesma seja gozada por outro, mesmo por aquele que foi ditador, privando os outros da sua liberdade.

Para quem tenha sido privado da liberdade, o normal e comum é a retaliação através da privação da liberdade àquele que é considerado inimigo ou adversário. É que a retaliação é sentida e assumida como um acto de justiça e uma forma de recuperação da sua própria auto-estima e orgulho, que se sentem ter sido perdidos pelo facto de ter estado dominado. A retaliação constitui-se, pois, como uma necessidade do ego para reassumir positivamente a própria identidade.

A atitude de Mandela, de perdoar quem o privou da liberdade, sugere que a liberdade não pode ser bem gozada se se privar o outro da mesma.

Por isso, esta atitude de Mandela merece a nossa atenção para se perceber e se aprender como é que se pode assumir uma atitude tão digna como o perdão, ao ponto de conviver alegre e confiadamente com aquele que foi o seu opressor, como se fosse uma condição para o gozo da mesma liberdade por quem seja detentor do poder de dar ou retirar a liberdade aos outros. Se esta atitude for razoável e aceitável, pode tornar-se num factor positivo para sustentação da mesma liberdade pelo desencorajamento dos poderosos para privar a liberdade aos outros.

Na busca das razões que terão levado esta figura ímpar a tal altruista atitude, o próprio Mandela afirma, na sua obra autobiográfica “Um longo caminho para liberdade”, que:

“Um homem que rouba a liberdade a outro homem é um prisioneiro do ódio. Está trancado atrás das grades do preconceito e da estreiteza mental. Ninguém é totalmente livre quando rouba a liberdade de outrem, do mesmo modo que não é livre quem tiram a liberdade.

O opressor e o oprimido são igualmente despojados da sua humanidade”.

Com estas palavras, Mandela elucida-nos sobre um aspecto muito importante que tem passado despercebido e que constitui justificativa para a vingança de quem sofreu a privação da liberdade contra o seu carrasco, retirando-lhe, por sua vez, a liberdade.

Normalmente, a questão da liberdade é vista em dois pólos contrários: o preso ou a vítima e o ditador, aquele que detém o poder e condiciona a liberdade do outro. Enquanto a vítima merece uma total simpatia junto das pessoas, o contrário acontece com o ditador. Trata-se da dicotomia de o carrasco ser o mau e a vítima, o bom, sem nenhum meio-termo.

Esta percepção dualista e antagónica cria o círculo vicioso de a vítima se tornar também, uma vez livre, num carrasco. A história é testemunha de muitos casos do género.

É aqui onde o pensamento de Mandela ganha espaço para dar a sua contribuição para se interromper aquele círculo vicioso: o ditador, uma vez destituído, torna-se igualmente vítima da privação da liberdade e a ex-vítima, já detentora de poder, torna-se o carrasco. Com esta convicção de que o poder se mantém pela dominação ou privação da liberdade do outro, admite-se o círculo vicioso. Como é que se pode interromper este círculo?

Sobre esta questão, Mandela apresenta-nos um testemunho do sofrimento do ditador a partir dum episódio pessoal narrado na mesma obra:

“(Na prisão), alguns dias, antes da partida de Badenhorst (o comandante da prisão) fui chamado ao escritório central. O General Steyn (de visita) queria saber se tínhamos alguma reclamação a apresentar. Badenhorst estava presente. Quando acabei de relatar este dirigiu-se-me directamente. Disse que estava prestes a sair da ilha e acrescentou:

– Só vos desejo boa sorte. Fiquei atónico. Proferiu aquelas palavras como um ser humano e revelou uma faceta do seu carácter que não lhe conhecia. Agradeci-lhe os votos e também lhe desejei sorte …

Alberto Lote Tcheco

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