terça-feira, 19 de maio de 2015

TAP: o fim de um mito


18.05.2015
JOSÉ MANUEL DIOGO
A venda da TAP é imparável. Até os pilotos perceberam isso. E a derrota deles é total. Todas as propostas de compra colocam os pilotos, que se comportaram como umas verdadeiras "prima-donna", ao mesmo nível dos restantes trabalhadores da empresa. Propõem que, depois da privatização, numa futura, e sempre hipotética, distribuição de lucros, deixe de haver diferenças injustificadas. No futuro todos os trabalhadores da TAP ficam muito mais próximos uns dos outros independentemente de serem pilotos ou hospedeiras. É o fim de um mito.
Há apenas três candidatos à compra a TAP. A greve dos pilotos afastou todos os outros e clarificou definitivamente o cerne da questão: não há nenhuma empresa privada no setor da aviação que quisesse ficar com a TAP sem poder mandar completamente nela. Nenhum investidor quis colocar um cêntimo numa empresa onde os pilotos, ou outra entidade qualquer, pudessem bloquear as decisões.
Acabar com as "golden share" foi aliás das primeiras exigências que a troika trouxe quando aterrou em Portugal e, a privatização da TAP, bem pode ser a última das "ações douradas".
Os pilotos conseguiram mandar até mais tarde na TAP do que o Estado conseguiu nos Bancos, na ANA, na EDP, na REN, nas seguradoras, nos Correios e em muitas outras empresas públicas. Eram um entrave à modernização, talvez à sobrevivência, da própria companhia.
O que os pilotos queriam, continuar a mandar independentemente de quem fosse o dono, não vai acontecer. Para todos os efeitos a TAP já é uma empresa privada.
Mas a greve da TAP tornou-se maior que ela própria. Ela deixou de ser apenas uma condição particular do quotidiano para passar a representar uma alteração estrutural dos valores coletivos. A prepotente, desastrada e mal calculada greve dos pilotos, contra todos os seus colegas e, sobretudo, contra a opinião pública, veio catalisar na uma transformação definitiva que vai alastrar a todos os setores. Para o Governo talvez esta greve tenha mesmo sido muito positiva.
Aquele argumento - "As companhias de bandeira têm de ser públicas" -perdeu força e adesão à realidade. Tornou-se obsoleto. Já ninguém acredita que a TAP (ou outra empresa qualquer) seja melhor, ou defenda melhor os cidadãos, por ser gerida pelo Estado.
É sempre ao nível do simbólico que as transformações primeiro acontecem. Para as pessoas comuns, os "pilotos" passaram a representar o passado e a "privatização" passou a ser vista como mudança e futuro.
Ao terem perdido a greve, mais do que terem perdido uma batalha, os pilotos perderam a guerra e causaram uma epifania. Agora todas as pessoas querem que a TAP seja privada.
Mas uma estranheza fica. Porquê? De onde vem a legitimidade que invocavam os pilotos? Olhando com atenção a resposta até é fácil de perceber: De um sentimento antigo que já não existe.
A esmagadora maioria dos pilotos da TAP, e sobretudo os que lideram o sindicato, vieram da Força Aérea (FAP) onde quase tudo sempre lhes pertenceu. O generalato de 3 estrelas apenas está reservado aos pilotos e os cargos no topo da organização são da sua completa exclusividade.
Só um piloto pode ser comandante da Logística, comandante do Pessoal, comandante Operacional, chefe de Estado-Maior, ou mesmo comandante de uma Base Aérea. A questão do mérito é pura e simplesmente ignorada.
Mesmo os cargos no estrangeiro são ocupados em mais de 90% das vezes por pilotos, independentemente das qualificações requeridas pela posição. Na opinião de alguns oficiais militares de carreira, os pilotos são mesmo imerecidamente colocados em lugares para os quais não estão vocacionados. Tendo com isso acesso privilegiado às missões em Bruxelas, Paris, Bona, Madrid, São Paulo, Washington, Norfolk, etc., que são por três anos, têm estatuto diplomático e são muito bem remuneradas.
Mais que o fim de uma classe, é ao fim de uma casta, a que se assiste com a privatização da TAP. Como numa fábula de Esopo, "O intenso desejo de honras perturba a mente humana e obscurece a visão dos perigos".
ESPECIALISTA EM MEDIA INTELLIGENCE

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