quinta-feira, 11 de junho de 2015

Guebuza exibe musculatura militar - Savana 26-09-2014

Por Marcelo Mosse TEMA DA SEMANA Savana 26-09-2014 

Guebuza usou binóculos para apreciar os novos barcos da Marinha. Uma herança pesada. Num momento em que a violência eleitoral aumenta, Armando Guebuza assiste mudo e quedo, como quem aprova. E senta-se em palanques alcatifados para apreciar o aparato militar em que ele investiu nos últimos três anos, uma opção duvidosa sob o ponto de vista do interesse nacional. O actual PR vai deixar uma herança pesada para o próximo Governo: uma militarização onerosa num contexto de crescente endividamento externo, e em face de uma perspectiva ainda ao devidamente assente de que o boom dos recursos naturais vai, a breve trecho, reduzir a dependência. Em plena campanha eleitoral e após o ressurgimento em peso do lí- der da Renamo, Afonso Dhlakama, o Governo de Armando Guebuza decidiu marcar as celebrações dos 50 anos do 25 de Setembro (data do desencadeamento da luta armada) com um exercício militar naval e um show da Força Aérea. Foi Guebuza no seu melhor, reeditando as antigas paradas militares que, em finais de 70 e princípios de 80, faziam parte do roteiro das festividades do 25 de Setembro. Com o fim da guerra civil e a construção da democracia, esse tipo de exibição pública de arsenal bélico, herdado de regimes comunistas, tinha passado de moda. Nos últimos anos, com o país sob a batuta de Joaquim Chissano, o 25 de Setembro não era para demonstrações de prontidão militar. Bastava uma coroa no Monumento aos Heróis e os habituais banquetes de Estado no Palácio da Ponta Vermelha. Mas, depois que em 2011 Guebuza decidiu-se por uma escalada de militarização, a tentação de exibição do poder castrense ganhou terreno. No ano passado, o 25 de Setembro viu um MIG rasgando os céus de Maputo. Este ano, a coisa agudizou. Como se trata do seu último 25 de Setembro como PR, decidiu mostrar a herança bélica que deixa. Show de marinha na baía Nesta quarta-feira, a marginal de Maputo, na baixa da cidade, assistiu a um dos momentos mais altos das celebrações: demonstração de várias embarcações da Marinha de Guerra e dos famigerados barcos da Ematum. A mostra correspondeu à simulação de um caso de ataque pirata. Oficiais da marinha moçambicana, devidamente equipada, manipulando as novas embarcações, encetaram uma perseguição ao barco pirata. A encenação foi perfeita e Guebuza bateu palmas. Representantes da firma francesa (o estaleiro da CMN de Cherbourg) que fez este “excelente” negócio da Ematum (850 milhões de USD, que sobrou para os moçambicanos como dívida a ser paga com juros comerciais) também saíram embevecidos. A operação Ematum é um daqueles negócios públicos celebrados na calada e em condições comerciais que remetem para a ideia de que nem sempre o interesse do Estado pesou. Seja como for, Guebuza recebeu todos os detalhes de funcionamento de uma operação anti-pirata numa cabine dentro do Comando da Marinha de Guerra. Os barcos da Ematum também desfilaram. Mas, para além da habitual corte oficial e de militares de todos os ramos, o público não parecia encantando. A maioria dos civis eram mirones de circunstância e os utentes da travessia para a Catembe, que esteve interrompida quase toda a tarde. Muitos não gostaram. Na quinta-feira, foi a vez do show aéreo. O SAVANA fechou a edição sem testemunhar esse momento, marcado para o Estádio do Zimpeto. O programa prometia pompa. O plano envolvia uma exibição áerea das novas coqueluches da aviação militar nacional. Como, no novo equipamento, há dos aviões “Festival”, daqueles que deixam rastos de colorido pela cauda, advinha-se que houve festa. Nos últimos meses, a Força Aérea beneficiou de reequipamento com MIGs recondicionados, importados da Roménia, sendo provável que esses motores também tenham sido postos a voar, como aconteceu no passado 3 de Fevereiro, aquando das comemorações do Dia dos Heróis. Os contornos do reequipamento militar Nos últimos três anos, Guebuza iniciou um plano de reabilitação do aparato das Forças Armadas, que se consubstanciou num aumento substancial da fatia orçamental dedicada ao exército. A vaga de militarização foi, nos últimos dois anos, confirmada por vários indicadores, nomeadamente a opção militar forçada contra a Renamo, a emergência, no discurso do poder, e na prática, da designação “Forças de Defesa e Segurança” composta por elementos policiais (FIR, guarda fronteira) e da FADM, um figurino que nem consta na Constituição da República, a criação de um Instituto Superior de Estudos de Defesa e Segurança, elementos de desfiles militares (incluindo um avião de guerra nas comemorações do 25 de Setembro de 2013) bem como a uniformização de jovens, meninas e rapazes, em cerimónias oficiais. O aumento drástico, nos últimos três anos, da parte orçamental para a defesa, da Polícia e dos Serviços de Segurança não esconde essa crescente militarização do Estado. Em 2014, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) tiveram um incremento orçamental de 17.8%. E no ano passado, quando a tensão militar com a Renamo estava ao rubro, o Governo começou a fazer encomendas de aviões de guerra. Mas também beneficiou da chamada “cooperação militar”. No início deste ano, foi anunciado que a Presidente do Brasil, Dilma Roussef, aprovou uma doação a Moçambique de três aparelhos EMB-312 Tucanos, descontinuados pela Força Aérea do Brasil. Dilma também prometeu financiar a aquisição de três Super Tucanos, foi na altura alegado pela contraparte brasileira, “aumentar as capacidades operacionais e de combate das forças armadas moçambicanas”. Este anúncio, recorde-se, foi feito após a visita de Celso Amorim, Ministro brasileiro da Defesa, em Março deste ano, que fez um tour a Moçambique, Angola e África do Sul, numa operação não apenas de cooperação, mas também de marketing da tecnologia militar brasileira. Dessa operação de marketing ressaltou o interesse de Moçambique, expresso pelo Ministro da Defesa, Agostinho Mondlane, em adquirir mais equipamento militar aéreo brasileiro. Depois de asseverar que a doação de Dilma teria de receber uma aprovação da Assembleia da República, Mondlane manifestou o interesse de Moçambique adquirir três EMB-314 Super-Tucano (para treino avançado) e uma aeronave leve, de ataque. O Super Tucano é um aparelho a turbo-hélice desenhado para ataques ligeiros, combate de insurgentes, apoio e reconhecimento aéreo em ambientes de ameaça leve e também treinamento de pilotos, e pode operar em ambiente de alta temperatura e extremas condições de humidade, estando habilitado para aterrar em terrenos convencionalmente inapropriada. Os EMB-314 Super Tucano são, por sinal, mais onerosos que os EMB-312 Tucano e, por isso talvez, Mondlane tenha tido o cuidado de afirmar, na altura, que essa aquisi- ção adicional poderia ter lugar no quadro de uma operação de financiamento brasileiro de médio ou longo prazos. O cuidado tinha uma razão de ser: o impacto que causou a operação Ematum nas relações entre o Governo e os G19, grupo de doadores que apoia o Orçamento Geral do Estado. Também a referencia à aprovação parlamentar se enquadrava nessa tentativa de mostrar que o Governo se subordina à Assembleia da República quando se trata de decisões com impacto orçamental significativo – embora no caso vertente tratava-se de aparelhos oferecidos. A cooperação militar com o Brasil também envolve o âmbito naval. O Brasil prometeu oferecer a Mo- çambique um simulador de treino para a nossa Marinha de Guerra e já enviou missões para avaliação das condições concretas para redimensionamento das bases navais de Maputo e Pemba. Quanto à Força Aérea, em Setembro do ano passado, o Governo recebeu, em segunda mão, um Hawker 850 XP Business Jet, construído em 2005. E em Novembro foram adquiridos dois antonovs An-26Bs, oito MiG-21, seis MIG 21 Bis e dois MIG 21 UM para instrução, ao mesmo tempo que uma aeronave L-39 e duas denominadas “Festival”. São estes motores que estiveram programados para um desfile acrobático ontem nos céus do Zimpeto. A operação de reequipamento das forças armadas começou a ganhar mais fôlego no segundo semestre de 2012, altura em que Moçambique começou a encaixar as primeiras receitas decorrentes de taxação sobre mais-valias geradas na venda de activos entre os principais actores do sector extractivo no país. Nessa altura, para lá de um incremento de mancebos e aquisição de armamento e viatura militares, num contexto de crescente hostilidade entre o Governo e a Renamo, o executivo manifestou o interesse de adquirir à Rússia dois helicópteros da marca Kazan Ansat-U e quatro Mi-17. A opção de compra destes aparelhos à Rússia ganhou corpo após um acordo entre Moscovo e a firma sul-africana, Denel Aviation, com o objectivo de garantir operações de manutenção. Na altura, o Ministro russo da Indústria e Comércio, Denis Manturov, que esteve em Maputo, disse que Moçambique era um “mercado emergente” e que havia boas perspectivas de Moscovo fechar acordos de venda de material bélico a Maputo. “Maputo quer os nossos helicópteros... quer um grande número deles, embora as suas possibilidades sejam limitadas”, dizia Manturov à agencia Inter-Tass. O Ansat-U é uma máquina leve desenhada para treinamento de pilotos, com uma capacidade de carga de uma tonelada e 10 passageiros. É fabricado pela Kazan Helicópteros, uma subsidiária da Rússia Helicópteros. O Mi-17 é uma máquina de propósitos múltiplos, incluindo assalto, podendo carregar 36 homens. O crescente reequipamento do exército foi decidido pelo Governo em 2011, no início do segundo mandado de Guebuza. Um documento na posse do SAVANA, intitulado Balanço Militar, datado desse ano, mostrava uma Força Aérea completamente careca em termos de equipamento e sem nenhum aparelho de combate (tinha apenas algum equipamento de transporte, nomeadamente dois Antonovs AN-26, dois CASA 212 e um Cessna 181, para além de alguns Zlin Z-326, para treino). O pontapé de partida para a modernização aconteceu mesmo em 2011, quando Portugal, no âmbito da chamada Cooperação Técnico-Militar, ofereceu dois FTB-337G Milirole, para formação. Mais recentemente, outra cooperação técnica-militar foi assinada com a Itália, aquando da vinda a Moçambique do navio italiano de patrulha Borsini, que esteve cá a formar quadros locais durante dois meses. Herança pesada para o futuro governo Alguma cooperação militar com Moçambique, incluindo a que mantém com África do Sul, enquadra-se em esforços conjuntos de combate à pirataria, mas nos últimos dois anos o incremento da aquisição de equipamento teve como mote um desejo férreo do Governo de resolver as hostilidades com a Renamo por via militar, uma opção que redundou num autêntico fracasso. A Renamo, com uma guerrilha debilitada, conseguiu forçar uma solução negociada, que abriu portas à presente campanha eleitoral. Armando Guebuza vai deixar uma herança de militarismo ao futuro Presidente, mas muitos analistas ouvidos pelo SAVANA crêem que o Governo anda a gastar rios de dinheiro com equipamento militar quando Moçambique não tem ameaças de agressão externa (fora a pirataria no Índico). Quanto à Ematum, este continua ainda um assunto de extrema controvérsia. Os detalhes do negócio, que causou uma enorme fenda nas relações entre o Governo e os doadores, são sobejamente conhecidos e o dossier continua ainda num espaço central da mesa do diálogo político entre as duas partes (a reunião mais recente teve lugar há cerca de um mês sem a habitual publicidade). O investimento do Governo no aparato militar não tem sido tema de discussão na presente campanha eleitoral – em que discursos populistas e uma crescente onda de violência tomaram o lugar da discussão de políticas. Qualquer que for a cor do Governo que iniciar funções entre Janeiro e Fevereiro de 2015, uma coisa é certa: como reverter o actual peso orçamental do investimento em equipamento militar, um investimento que está a aumentar a dívida externa (através da venda de dívida no mercado externo de capitais, como no caso da Ematum, e créditos comerciais). Observadores em Maputo enquadram as demonstrações militares do 25 de Setembro numa exibição de musculatura bélica, um exercício de reafirmação do poderio do exército, numa altura em que alguma “inteligência” prevê que a rota final das eleições em Moçambique seja marcada por alguma violência. Um alerta da Embaixada americana em Maputo, publicado esta semana, apelando os seus cidadãos para eventuais perigos de violência em Moçambique no quadro das eleições é a nota mais saliente. E soa muito ensurdecedor o silêncio de Guebuza perante os ataques de membros da Frelimo a políticos da oposição. 

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