quinta-feira, 11 de junho de 2015

NAUFRÁGIO de António Martins Pires-de-Carvalho


08/09/2009
Como anunciado, foi ontem feito o lançamento da obra "NAUFRÁGIO" de António Martins Pires-de-Carvalho.Da obra transcrevemos as introduções e a "Homenagem ao Autor":
Prefácio Republicano, por Professor Adriano Moreira

(Professor Catedrático e antigo Ministro do Governo de Salazar)
Ninguém escolhe o povo onde lhe acontece nascer, a liberdade de o abandonar é hoje uma garantia jurí­dica, mas também por isso é um acto de amor decidir ficar.

Este livro é testemunho de uma decisão ainda mais profunda, mais interior, mais como que indizível, a decisão de assumir a maneira de estar no mundo do povo em que se decidiu ficar, aceitando o activo e pas­sivo de uma história longa, e, no caso português, tendo por notável contribuição para a história universal o iní­cio consciente e responsável da mundialização, e asemergências em que se destacam o Brasil na área da política, a língua inscrita no património imaterial da humanidade.


A língua que não é neutra, que transporta valores participados pelas soberanias que a adoptaram e hoje se agrupam na CPLP, pelas comunidades que foram integradas em diferentes soberanias como aconteceu com o Estado da índia (Goa), e que outras soberanias, como a da China, declaram assumir como instrumento da sua política a desenvolver em relação às áreas onde o português é a língua do povo.


Hoje assumimos essa doação reconhecendo que, por ser tão largamente partilhada, a língua não é nossa, também é nossa, tal como os valores que trans­porta não são nossos, também são nossos.

Estas emergências de uma gesta que durou séculos foi obra não apenas de lideranças, umas vezes carismáticas e inesperadas como D. João II, outras menos protegi­das pelo destino como D. Sebastião, mas sempre com as notáveis viúvas de homens vivos que ficaram a assegurar a gestão e integridade da terra Pátria, com o marinheiro de Pessoa amarrado ao leme, com o povo miúdo a forjar os elos que o império tece, imigrantes para não voltarem, decididos a ter a sepultura no lugar onde ganharam a vida com fidelidade à convicção de que ali também estavam a implantar a maneira por­tuguesa de estar no mundo.

No ponto final da soberania portuguesa em Moçam­bique, o 7 de Setembro pareceu uma visão invertida da advertência de que um bater de asas no Pacífico poderá causar um tufão no continente, aqui imaginando que um bater de asas patriótico poderia deter o desastre em perspectiva: a Clotilde, o Gonçalo Mesquitela e tantos outros, acreditaram.


De facto, Portugal sempre necessitou de um apoio externo para sustentar o seu projecto estratégico nacional, e, neste final do Império, a sua definição multicontinental era uma parcela do Império Euro-mundista, onde conseguira inscrever e manter, com sacrifícios incontáveis, uma responsabilidade secular.

O desmoronamento desse Império Euromundista, que não teve a capacidade de liderar uma evolução racional, teve como primeira causa próxima a guerra civil da cristandade, de 1939-1945, que é chamada mundial pelos efeitos, mas foi exclusiva responsabili­dade dos demónios interiores europeus.

Em 1974, o movimento das Forças Armadas deci­diu colocar um ponto final na guerra, mas de facto sem nenhum plano de descolonização que se arti­culasse com o movimento que, presidido pela ONU, implicara a extinção das responsabilidades das sobe­ranias europeias, sem todavia conseguir que a paz fosse sempre acompanhando o processo, sendo a dis­solução do Império Britânico da índia um dos mais dramáticos exemplos.

A descolonização portuguesa foi uma tentativa débil posterior à decisão militar de acabar a guerra, e por isso com um condicionamento que não incluiu o recurso à ONU, num processo que foi submisso à ime­diata luta pelas hegemonias das grandes potências, que teve o resultado de a luta civil, designadamente em Angola e Moçambique, ter durado mais anos do que a resistência portuguesa, com apoios externos repartidos pela linha dos interesses.

E sempre inevitável que a crítica posterior, mas pró­xima, se empenhe em discutir que outros poderiam ter sido os percursos abertos a melhores narrativas de futuros, um esforço que apenas o tempo encaminhará para o rigor da avaliação histórica.

Mas justamente essa meditação, indispensável à fir­meza da convicção de que Portugal é um passado com futuro, avaliando o comportamento da gente comum, das viúvas de homens vivos, dos que eram a carne e o sangue dos elos que o Império tece, é necessária, não para lamentar o sal do mar salgado que são lágrimas de Portugal, mas para de novo ter mãos firmes a segu­rar o leme em direcção a um novo futuro, com passado.

A.M.


Prefácio Monárquico, por Dom Vasco Xavier Teles da Gama (Descendente por linha directa do nosso grande Navegador Vasco da Gama)


"Um amigo de longa data, combatente generoso, Moçambicano de gema e acérrimo defensor da Causa Monárquica, Rodrigo Carlos Guedes, apresentou-me recentemente o responsável pelo lançamento desta obra, António José P. Pires-de-Carvalho, com quem desde muito jovem ele partilhou tanto brincadeiras como ideais de uma África lusófona mas indepen­dente, pela qual lutaram não só em Moçambique como também posteriormente em Angola.


António J. Pires-de-Carvalho que se assume não como o autor da obra, pois como ele afirma essa honra pertence unicamente a seu saudoso Pai António Mar­tins Pires-de-Carvalho, mas como o responsável pelo redesenhar da mesma e pelo seu lançamento, é des­cendente de republicanos de renome, nomeadamente de António Pires-de-Carvalho, seu bisavô, um dos fundadores da República em 5 de Outubro de 1910, a quem António José de Almeida tratava por "Irmão".


Ele próprio também defensor dos princípios que fizeram de Portugal uma República, dirigiu-se-me, lançando-me um repto.


Surpreso e agradado pelo convite que me foi ende­reçado para, como defensor da Causa Monárquica, fazer um prefácio à obra, que é sem dúvida alguma um testemunho histórico a ter em conta e que nos oferece uma interpretação diferente sobre o que se passou nas nossas antigas Colónias e muito principal­mente sobre a célebre Descolonização, não levei muito tempo a aceitar tal repto e consequentemente a apro­veitar a oportunidade que me foi dada para que a Causa Monárquica, em nome de uma justiça histórica, pudesse emendar algumas ideias distorcidas nomea­damente sobre o Senhor El-Rei D. Carlos que na obra em questão, embora em estilo de resenha histórica e não como alvo principal de críticas, se abateram sobre o seu nome.


Precisamente por este livro ser um testemunho his­tórico de valor, que põe como principal protagonista o heróico povo português ao longo dos tempos, ao qual junta em críticas e elogios tanto monárquicos como republicanos, não poderia deixar fugir, como já disse, a oportunidade de me juntar à honestidade e patriotismo desta obra, e de fazer ouvir a verdade, colocando no seu merecido pedestal a figura que a nosso ver muito injustamente tão maltratada foi pela História e cuja memória ainda hoje é alvo de trata­mentos arbitrários.


Refiro-me mais uma vez a El-Rei D. Carlos:


Para tal defesa, e não querendo acrescentar factos aos descritos nesta obra, não me vou alongar em extensas considerações históricas, por considerá-las desnecessárias e portanto, não me debruçarei sobre importantes figuras como Bismark, eminente militar e estadista alemão, ou sobre Tratados como o de Berlim, ou ainda sobre decisões políticas como a que originou o Mapa Cor-de-Rosa claramente contendente com o propósito da Coroa Britânica de unir o Cairo ao Cabo e que motivou o célebre Ultimato Inglês, mas pretendo sim, para colocar os pontos nos "is", mencionar a altura em que tudo isso aconteceu.


A verdade é que embora o Ultimatum tenha sido escrito em 11 Janeiro de 1890, portanto já no reinado de D. Carlos, é imperioso lembrar que El-Rei estava apenas há três meses no trono e que todos os proble­mas haviam sido semeados no tempo de seu pai, D. Luís, e portanto não por ele criados mas sim her­dados. Mal foi coroado rei, herdou também de seu Pai, uma política interna cuja situação de rotativismo bi-partidário dava sinais inequívocos de esgotamento, tal como agora acontece, aliás volvidos que estão cem anos.


Não é pois justo, no nosso ponto de vista, assacar-lhe responsabilidades das consequências deste ultimato inglês, humilhação que sem dúvida alguma os portugue­ses de facto sofreram com a injúria inglesa, impotentes que estavam para sustentar uma guerra contra o seu (nosso) mais antigo aliado. É pois desta revolta, como aliás vem mencionado na obra, que surgiu o actual Hino Nacional mas que também injustamente apare­ceu o sentimento que imputava ao nosso Rei D. Carlos, culpas que manifestamente não tinha.


Mau grado o ambiente hostil e a constante ins­tabilidade política, não pode o Rei ser acusado de desinteresse pelo Ultramar português pois apenas exercia o poder moderador que lhe estava consagrado na Constituição. Embora não lhe competisse a deci­são do envio de tropas, a verdade é que ocorreram no seu reinado inúmeras acções militares pelos mais diversos cantos do Império e delas se destacaram grandes figuras como Mouzinho de Albuquerque, João de Azevedo Coutinho, Paiva Couceiro, apenas para mencionar alguns.


Não só como estadista da política interna do seu Império, El-Rei se destacou, pois na vertente diplo­mática alcançou feitos consideráveis como o adiar do conflito generalizado que se avizinhava.


A sua diplomacia era tão intensa e tão reconhecida que lhe granjeou um enorme prestigio internacional ajudando mesmo Portugal a consolidar o que de nosso restou em África após o Ultimato, colocando-o numa posição invejável de mediador de conflitos sobretudo entre Alemanha e Inglaterra no que dizia respeito a disputas territoriais africanas, como o provam as visi­tas a Portugal de Afonso XIII de Espanha, de Eduardo VII de Inglaterra, de Émile Loubet Presidente de França e de Guilherme II Kaiser da Alemanha.


Perante uma situação de ingovernabilidade que nós sabemos que pode suceder na falta de uma clara maio­ria no Parlamento, só em 1907, fazendo-se eco de várias pressões de elites intelectuais, dissolve as Cortes e per­mite a João Franco governar por um ano em ditadura, que terminaria em Abril de 1908, com novas eleições já marcadas, a que não pôde assistir por ter sido vítima de um atentado. O Regicídio deu-se no dia 1 de Fevereiro desse mesmo ano.


Vai já um pouco longo este prefácio em que me pro­pus corrigir algumas injustiças e no qual não poderia deixar de apoiar esta valiosa obra ao solidarizar-me com o seu autor no sentimento crítico sobre uma grande vergonha que aconteceu na nossa História:


O patriótico 7 de Setembro de 1974 em Moçambi­que, um dos tristes capítulos da "Exemplar Descolo­nização".


Tudo isto dá razão a Camões quando dizia que: "Entre nós traidores


houve algumas vezes..." Há que pôr-lhes nomes. A História os julgará.


Dom V.G.


Testemunho de Ricardo Saavedra  (Jornalista e Escritor com uma tese defendida na Sorbonne sobre:


"Paz e Liberdade na obra de Saint-Exupéry".
Autor de várias obras nomeadamente as que versaram o 7 de Setembro em Moçambique
"Aqui Moçambique Livre" e "Os Dias do Fim")

Pires de Carvalho


O Democrata da Convergência


Qualquer apontamento sobre o engenheiro Antó­nio Pires de Carvalho, curto que seja, enfermará pelo desajuste da imagem que se dilui nos meandros de 35 anos sem contactos nem história. O seu filho, porém, ao aperceber-se do respeito que nutro pelo pai, pediu e insistiu que escrevesse algumas palavras, e eu não soube como recusar. Espero que a seguir se entenda porquê.


Se bem me lembro, conheci pessoalmente Pires de Carvalho em Tete. A cidade, onde se crestava com 40 graus à sombra, parecia um forno em ebulição, e não era só devido ao calor. Cabora-Bassa, a gigantesca barragem, arrastava para a capital do Zambeze um permanente formigueiro de forasteiros. Gente de toda a espécie: técnicos, operários qualificados e nem por isso, funcionários administrativos, jornalistas e caixeiros-viajantes, comerciantes, malabaristas de feira e prostitutas, além de militares, carradas de militares.


Em Dezembro de 1972, aterrei também em Tete para entrevistar o então governador do distrito, um coronel pára-quedista, para a edição especial de Natal do Notícias de Lourenço Marques. Demorei-me dois ou três dias e nesse Ínterim descobri que, à boca pe­quena e em ambientes restritos, andavam a circular pormenores do tenebroso massacre de Wiriyamu. A 6a de Comandos arrasara três aldeias nos arredores, chacinando quatro centenas de indígenas, aldeões in­defesos. Para cúmulo, os corpos que não esturricaram ficaram ao deus dará, a céu aberto, para festim de abu­tres e moscas. Daí que respeitáveis cidadãos, como o Médico-voador José da Paz [Rodrigues dos Santos], o bispo D. Augusto César ou o Eng.° Pires de Carvalho, Presidente da Cruz Vermelha, se interrogassem, per­plexos e revoltados, sem saber como enterrar os cadá­veres nem como denunciar os culpados. Porque as autoridades insistiam em negar o sucedido e prome­tiam represálias, escarnecendo assim dos sobreviventes que se arrastavam até à Missão de S. Paulo, fazendo descrições lancinantes que os missionários registavam.


Outro encontro marcante com o conhecido enge­nheiro de minas aconteceu em Maio de 74, aquando das manifestações da população da Beira contra a ino­perância e sobranceria das Forças Armadas. Aí já ele era dirigente da Convergência Democrática, prestes a dar a mão aos vários movimentos de maioria negra, com vista a constituir o PCN (Partido de Coligação Nacional).


Na altura, registei algumas palavras de Pires de Carvalho, divulgadas pela agência noticiosa em que trabalhava. Responsabilizou os militares pela insegu­rança que grassava, pelo desejo que tinham de ensarilhar armas e regressar à Metrópole, para gozar o bem-bom das casas que adquiriram, ao longo de duas ou três comissões de serviço, refastelados na ampla secretária do ver a guerra passar.


Lembro-me de nessa conversa termos voltado a falar do massacre de Wiriyamu que, tal como hoje, continua sem culpados e sem ser esclarecido. Pergun­tei a Pires de Carvalho se tinha havido dedo dele na cedência de duas fotos aterradoras do massacre, que a revista alemã Der Spiegel publicara em Julho de 73, dias depois de o escândalo ter deflagrado com o de­poimento circunstanciado do reverendo Hastings no londrino Times. Dizia-se que o autor da oferta afrontosa fora um elemento da Convergência. Pires de Car­valho olhou-me de soslaio, encolheu os ombros, e limitou-se a responder que, apesar da liberdade de Abril, as coisas só pioraram. Antes tínhamos a censura e a PIDE mas sabíamos quem eram e onde estavam. Até viviam no nosso bairro. Agora temos a tropa, que se encontra de passagem e ninguém conhece, que arvora armas e as usa indiscriminadamente, e temos os partidos que os senhores da guerra promovem e protegem.


Nunca guardei cópia desse escrito da Beira distri­buído pela agência. Era serviço de agenda que não se guarda, rotineiro naquela espécie de país. País que mais parecia um quartel, em enorme caldeirão feito parada, onde militares misturavam normas da caserna com decretos de uma administração ultramarina espezinhada, tudo temperado em tribalismo q.b. para agradar ao autóctone. Recorde-se que, na dezena de distritos que constituía o Estado de Moçambique, dois terços dos governadores desses distritos tinham patentes de coronel ou coisa similar. Eram eventuais teóricos da guerra, na maioria ineptos para o cargo e calaceiros. Desconheciam por completo o território e suas gentes. Governavam a toque de corneta, que no caso se chamaria telex ou telefone. Se os aparelhos funcionassem, claro.

0 último registo digno de nota aconteceu em Lourenço Marques, no edifício da chamada Rádio Moçambique Livre, durante a rebelião popular do 7 de Setembro de 1974. Já se sabia que Pires de Carvalho fora indigitado para ministro de um eventual Governo Provisório de Moçambique, que a convergência estava disposta a integrar o PCN, que o engenheiro apoiara o Movimento da Rádio a partir de Tete e que, acima de tudo, entrava no coração da revolta com a garantia de adesão de vários e importantes líderes africanos.

Quando chegou foi procurar-me à redacção, para um abraço e contar as últimas. Só apareceu a 9, dois dias depois do único grito de liberdade que Moçambi­que ouviu em toda a sua história. Menos de 24 horas mais tarde tudo estava acabado.

Permito-me transcrever do livro Os Dias do Fim1 um trecho elucidativo da personalidade deste comba­tente que nunca se acomodou:

«Os vencidos estão a salvo, por enquanto, embora a fuga de alguns dirigentes do MML (Movimento de Moçambique Livre), mormente dos negros, tenha atingido foros de odisseia.


Ao saber-se, por exemplo, que o coronel Cunha Tavares não garantia o helicóptero prometido na entrega do Rádio Clube, Vasco Ferreira Pinto, Eva Cabral, Pires de Carvalho e Mohamed Hanif negociaram com o capitão de um barco alemão, ancorado no Cais Gorjão, o transporte de vários refugiados importantes. O capitão aceitou. Andaram os da Convergência Demo­crática em bolandas, a jogar às escondidas pela cidade, transportando Uria Simango, Paulo Gumane e outros. Conseguiram iludir a vigilância da segurança e dos estivadores, entregaram-nos no barco. Ao verificar de quem se tratava, o comandante alemão recusou-se a transportar pretos e, exaltado, pôs toda a gente na rua.


Recomeçaram os salvadores o esconde-esconde, até se decidirem pelo comboio, que não deixa de ser ata­cado na Moamba, a meio caminho entre Lourenço Marques e a fronteira. Mas o corajoso maquinista, ao ouvir tiros, dá força à máquina e prossegue, sem se quedar. Por seu lado, Gumane e Hanif aventuraram-se numa carripana e conseguiram chegar à Suazilândia».


O engenheiro Pires de Carvalho fugiu para a África do Sul, país onde nascera. Ainda por diversas vezes nos encontrámos em Joanesburgo, nos hotéis da baixa, que hospedavam muitos refugiados, ou na casa dos Mesquitelas, dos quais ambos éramos amigos. Eu andava ocupado a recolher material para o livro Aqui Moçambique Livre2. E ele atento aos muitos que pre­cisavam de ajuda, mas sobretudo entusiasmado com a criação de uma força de resistência, que actuasse a partir do exterior.


Tinha da democracia uma visão utópica, que nunca abandonou. Gostava de recordar factos da História de Portugal, citando-os com orgulho para alicerçar argumentos. Um dia começou a ser ameaçado. Como conhecia bem a Rodésia, onde deixara muitos amigos, Pires de Carvalho resolveu partir. Para lutar noutra frente.


Perdi-lhe o rasto. Até chegar este livro que, como um arado que rasga o tempo, abriu sulcos para novo encontro.


R. S.


Charneca da Encarnação 6 de Agosto de 2009
Saavedra, Ricardo de, Aqui Moçambique Livre, Livraria Mod­erna, Joanesburgo, 1975, cinco edições
1 Saavedra, Ricardo de, Os Dias do Fim, 2." Edição, Casa das Letras, Lisboa, Junho 2008, pp 382-383.


HOMENAGEM AO AUTOR


António Martins Pires-de-Carvalho 1921 - 1984, Foi ele o Autor deste Livro.


Todo o trabalho de pesquisa, em cuja documenta­ção se baseou e que vem descrita na Bibliografia, assim como a narração dos factos em si, que da obra constam e cuja grande parte foi também por ele vivida, saíram do seu esforço e da sua pena.


A sua modéstia não lhe permitia assumir protagonismos, contudo o seu nome foi colocado pelo co-autor no seu verdadeiro lugar retirando-o do anonimato e com­plementando a obra com documentos e fotografias.


A capa foi redesenhada do seu croqui. O título mantém-se inalterado.


Nascido em Johannesburg e após alguns anos da sua juventude passados em Portugal Continental e em Moçambique, sua terra de coração, regressou à Africa do Sul, seu País de origem onde entrou para a Uni­versidade de Witwatersrand e onde concluiu o curso de Engenharia em Geologia e Minas.


Tendo-se mais tarde especializado em Fotogeologia, na Junta de Energia Nuclear em Portugal, desen­volveu a sua actividade profissional como Director Técnico das Minas da Congovaal Lda. no Transval e, depois de 1951 até à Descolonização, como Director da Companhia de Urânio de Moçambique (CUM) que fundou, no Distrito de Tete, tornando-a uma das com­panhias satélites do Grupo do Entreposto Comercial de Moçambique, ou Grupo Dias da Cunha, de onde exportou centenas de toneladas de urânio para o "Centre d'Energie Atomic" em França.




O Autor, o segundo a contar da esquerda, e sua Mulher, ao lado de Dias da Cunha, de capacete debaixo do braço, numa das visitas técnicas e de cortesia efectuadas pela cúpula do Entreposto Comer­cial de Moçambique, às Minas do Mavúzi. Na fotografia, para além de um dos principais Mineiros, o Senhor Rocha e de seus três filhos, podem-se ver também dois dos Directores do Entreposto: Dr. Palhi­nha e Sr. Saraiva de Moura, e ao lado do grande Industrial, seu filho, Dr. António Dias da Cunha (advogado).

Associou pontualmente à CUM, importantes com­panhias mineiras como a Montecatini Italiana e a ISCOR Sul-Africana.


Descobriu minério de urânio de características úni­cas ao qual deu o nome de Mavuzite e apresentou-o em conferências em vários Países nomeadamente em França.


Também como Director mas desta feita na posição de co-proprietário, desenvolveu a Incal, uma Indus­tria, como o próprio nome indica, alimentada por minas de cal junto ao rio Zambeze e à cidade de Tete.


Lançou as bases para uma Siderurgia em Tete que não chegou a ser construída devido à revolução do 25 de Abril. Foi no seguimento da sua vida profissional, condecorado com o Grau de Oficial da Ordem de Mé­rito Industrial.




Como político, foi fundador e Presidente do PCDM, o Partido da Convergência Democrática de Moçam­bique, e um dos dirigentes do PCN, o Partido deColigação Nacional, que veio a unificar a espartilhada rede política moçambicana anti-frelimista, num bloco que representava mais de oitenta por cento da vontade do povo. Sacrificou como tantos outros, o seu bem--estar e o de sua família pelo amor a Moçambique, chegando mesmo a colocar em risco a sua própria vida na defesa, não só dos seus princípios, como também da segurança física de dirigentes africanos, que a seu lado lutavam contra a Frelimo.

Já no fim da sua vida ocupou o cargo de Vice-Director da Geotermia dos Açores.

O Autor, imediatamente atrás de Sá Carneiro, aquando de uma visita do Primeiro-Ministro aos Açores. Aqui inteirando-se dos tra­balhos da Geotermia. Na foto para além do anfitrião, Professor João Bosco da Mota Amaral, pode-se também ver Cavaco Silva.


Desde os tempos da sua Universidade e interessado nos problemas sociais e políticos de Moçambique, discordando de grande parte das medidas de Salazar, foi conotado com ideias de esquerda e perseguido pela PIDE pelo único facto de se bater contra o apartheid e de defender na linha que as ex-colónias inglesas seguiram, nomeadamente a Rodésia, uma autodeter­minação e posterior independência para o Território de Moçambique, o que aliás vinha na sequência dos interesses da l.a República.


Devido aos seus ideais, à sua conduta e ao seu tra­balho nos matos de Tete foi convidado para ocupar o lugar de Presidente da Cruz Vermelha daquele Distrito, cargo que desempenhou até à revolução do 7 de Setembro.


Esta obra é uma homenagem de sua filha:


Isabel Maria Pereira Pires-de-Carvalho, Jornalista, formada em Letras.


E de seu filho:


António José Pereira Pires-de-Carvalho, que cha­mou a si a tarefa de redesenhar a obra de seu Pai, responsabilidade legitimada pelo facto de o ter acom­panhado em alguns dos momentos aqui narrados enquanto militar do exército português, de ter tam­bém participado activamente no 7 de Setembro, de ter sido preso pela Frelimo, de ter feito parte integrante do grupo da Resistência de Moçambique na Rodésia e de posteriormente ter lutado em Angola como Comando do ELNA naquela que foi a derradeira ten­tativa de se salvar, dos interesses comunistas, a última das jóias da coroa, ou melhor da República.


Lançada para os escaparates ainda em vida de sua Mãe, esta obra para além de uma homenagem à me­mória de seu Pai, para não deixar cair no esquecimento não só o exemplo que ele foi de dignidade, como também os ideais por que se bateu e que mereceram o reconhecimento dos seus pares políticos, o respeito dos seus adversários, e os mais rasgados elogios dos vários quadrantes em Moçambique, nomeadamente de altos dirigentes da própria Frelimo que o perseguiu e que tudo fez para o capturar recorrendo como já foi mencionado à prisão de seu próprio filho, é acima detudo um testemunho honesto e real que se junta a tan­tos outros para que o Tribunal da História os venha a colocar finalmente nos pratos da balança, fazendo cair sobre os responsáveis a espada da justiça para bem da verdade e das gerações vindouras.


Passemos pois à leitura do Livro que não fora a morte prematura do seu autor, teria já sido editado e dedicado não só a seu Avô paterno e a seu Pai, como também a sua mulher com as seguintes palavras:


"Em homenagem à memória de dois homens que eu muito amei: a ti meu Avô e a ti meu Pai"


"A minha mulher e leal companheira que, por mi­nhas actividades, tão massacrada com preocupações e tão privada foi, pelos sacrifícios a que se viu forçada".


-Veja agora algumas imagens da apresentação:



Jacinto Robalo faz a apresentação do Autor; António J. Pires-de-Carvalho faz a apresentação da obra, como filho e co-Autor e parte da assistência.

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Comments

1




Jacinta Rocha said...

Tentei ver Mavuzi no google, mas infelizmente não há nada :( 

Tentei nova busca e surgiu este excerto do livro que já li. Estive na apresentação no Porto. Tive o previlegio de conhecer a "Família" do sr. Engº Pires de Carvalho e não podia deixar de citar a frase "atrás de um grande Homem existe sempre uma grande Mulher". Um especial agradecimento, pelo carinho, pelas otimas recordações, que ainda hoje me trazem tanta saudade... ! 

Jacinta Rocha 


2




EVasconcelos said...

Testemunho "que se junta a tan­tos outros para que o Tribunal da História os venha a colocar finalmente nos pratos da balança, fazendo cair sobre os responsáveis a espada da justiça para bem da verdade e das gerações vindouras." 

Plenamente de acordo! 

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