quinta-feira, 1 de outubro de 2015

“A arte moçambicana tem que responder à multiculturalidade”

Jorge Dias
A multiculturalidade é um dos traços da obra de Jor­ge Dias, artista que, no seu ofício, manifesta a vontade de ser um cidadão do mundo. Para Dias, um dos problemas que os artistas moçambicanos devem combater é o coleccionis­mo conservador.
É um artista plástico muito conhecido no país. Qual é o seu projecto com as artes plásticas?
Esta é uma per­gunta que de cer­to modo me colo­ca numa situação constrangedora. Por muitos anos, depois da mi­n h a formação, estava voltado à pro­dução da arte, naquela coisa ro­mântica de ser pintor, e isso im­plicava estarmos focados naquilo que fazíamos sem olharmos para a transversalidade da arte e para o que a arte representa para a so­ciedade de hoje. Ao longo deste percurso, comecei a encarar a arte como um projecto diferente daquela ideia de ser artista e pro­duzir as ditas grandes obras que muito atrai os jovens artistas. Portanto, o meu projec­to neste campo vai para além do que sou como artista plástico. Preocupa-me perceber como é que me insiro nesta sociedade e que perguntas vou colocar a esta socie­dade que me traz muitas questões identitárias, existenciais e sociais.
Uma das suas obras é intitulada Lugares de Passagem. Que luga­res são esses?
São os lugares que pisamos, os sí­tios em que nos encontramos, prin­cipalmente. Esta exposição, que reúne 24 trabalhos, reflecte sobre questões que colocam conceitos cruzados. É um depósito de maté­rias e de conhecimento, um espaço de encontro de conceitos da vida e das fronteiras da própria arte.
A sua obra conduz-nos a várias culturas. Pretende ser autor do mundo?
Aqui está uma pergunta que me estimula muito reflectir sobre ela. Muitas vezes, nós negamos ser ci­dadãos do mundo, preferimos ser cidadãos da nossa terra. Gosto de estar em territórios culturais, geo­gráficos e até temporais diferentes do que vivo no meu dia-a-dia. Ter vivido alguns anos no Rio de Janei­ro e ter absorvido da multicultura­lidade que este país nos oferece; ter vivido em Moçambique, inseri­do numa comunidade timorense e crescido numa família mestiça; ter à volta de mim uma pluralidade de experiências culturais, desde a escola primária, potenciou-me muito nesse sentido. A arte con­temporânea em Moçambique, desculpem-me os mais conserva­dores, tem que responder à mul­ticulturalidade, porque o país não possui uma só cultura.
A heterogeneidade é um dos traços da sua arte. Nela encon­tramos a pintura, escultura e ins­talação. Porquê esta opção?
O meu primeiro trabalho foi com cerâmica e pintura, durante quase 10 anos. Entre 1999 e 2003, a pintura deixou de fazer parte do meu vocabulário como minha fer­ramenta de trabalho, porque já não conseguia dizer o que preten­dia com esse suporte da pintura silenciosa. Então, o contacto com os objectos permitiu-me dizer de forma mais imediata o que pre­tendo. Por isso, abracei a assem­blagem e a escultura, pois, assim, o plano deixa de ser plano e passa a ser tridimensional.
Qual é o papel das artes plásti­cas na reconstrução de um deter­minado tempo e espaço, se bem que tem tal importância?
Ao longo da história, as artes plásticas foram sempre empurra­das para este papel, porque sem­pre houve mecenas e políticos a responsabilizar o artista a fazer o retrato das sociedades. Moçam­bique não passou à margem dis­so. Se formos visitar a exposição permanente no Museu Nacional de Arte, podemos ver a história deste país que vai até aos anos 80. De lá para cá, a história está frag­mentada.
Lida com muitos artistas jo­vens e consagrados. Como avalia as artes plásticas moçambicanas no presente?
Nós vivemos num país comple­xo, no que diz respeito às artes plásticas – falta-nos um pouco de tudo. Numa conversa com a Dra. Alda Costa, ela disse que é como se estivéssemos num jogo de xadrez com menos peças no tabuleiro e termos de jogar de igual com um adversário que tem as peças completas. Por exemplo, faltam-nos galerias comerciais. O nosso Museu Nacional de Arte tem alguma limitação na legitimi­dade da circulação da arte a nível internacional. Faltam instituições superiores neste ramo e marchais em maior número. Outra coisa: este país tem um problema sério de olhar para o mundo de uma forma muito voltada para as es­calas, para a moldura e para o desenho, o que não estimula as praticas modernas. O coleccionis­mo conservador é limitado, sem falarmos da ausência da crítica.
Em algum momento da sua car­reira, a sua obra era entendida como africana pelos brasileiros e como brasileira pelos moçambi­canos. Como foi estar entre estes dois pólos conceptuais?
Fez-me confusão, de alguma maneira. Mas isso aconteceu porque nós temos muitos muros ainda. Como o nosso horizonte é limitado, qualquer coisa nova que aparece atribuímos-lhe es­trangeirismos. Fui influenciado por moçambicanos, brasileiros e portugueses, porque não preten­do ter um trabalho ligado às raí­zes e à ancestralidade. De forma alguma. O meu trabalho tem que estar ligado à actualidade.
Sugestões artísticas para os lei­tores do jornal O País?
Há várias… Chicane, Mucavel, Reinata, Gemuce e Anésia Man­jate.

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