quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

PENSAR NA PAZ SABENDO O QUE FAZER: ENTRE O VAZIO DAS PALAVRAS E O BELICISMO, A TERCEIRA VIA


Estive recentemente em Quelimane para entre outras coisas partilhar ideias em torno da nossa crise político-militar. Não irei resumir o que disse, mas irei partilhar as linhas centrais do que julgo serem os maiores empecilhos à paz, todas que gravitam em torno da incapacidade dos actores envolvidos em superar os seus próprios vícios e preconceitos sobre o país e o seu papel nele bem como no esgotamento do actual modelo das relações políticas.
Para começar, gostaria de lembrar a todos que Moçambique vive os mesmos problemas desde que ele se conhece como uma democracia multipartidária. Os conflitos pós-eleitorais foram uma constante desde 1994 e o que se viveu desde então foi a mesma coisa: eleições/alegações de fraude/não-reconhecimento dos resultados/manifestações/mortes/gestão de conflitos/eleições/boicotes da Renamo/eleições. Paralelamente a isso, os homens armados sempre foram assunto de capas de jornais em momentos eleitorais e pós-eleitorais. Não existe rigorosamente nada de novo que não tenhamos visto ou ouvido, desde os tempos de Joaquim Chissano. As negociações subsequentes as eleições serviam ou para actualizar a legislação eleitoral ou para acomodar algumas exigências da Renamo. E à cada nova acomodação ou revisão legislativa surgiam novos problemas. E assim sucessivamente. Em todas as manifestações que ocorreram, morreram pessoas. Em 2012, no auge da repressão política aos membros da oposição e todos que se identificasse com a crítica, Afonso Dhlakama refugia-se para Gorongosa onde reactiva as suas forças militares. Em consequência disso, surgem a pequena guerra cujo fim teórico é firmado por via dos Acordos de 5 de Setembro de 2014. E, mais recentemente, depois das eleições de 2014, o clima de tensão reacende e eis que de novo Afonso Dhlakama é sistematicamente perseguido e sofre diversos atentados; tanto ele como os seus mais chegados.
Para organizações racionais, que pensam em prol de um bem comum e têm um plano ganhador, seria tempo de parar para reflectir sobre as formas de luta que em 20 anos não resultaram em nada, a não ser de mortes, atrasos e destruição; estagnação e mau nome ao nível internacional.
• Porque é que insistem em métodos que não funcionam?
• Vinte anos não são bastantes para se convencerem que os métodos até agora empregues para resolver o conflito não funcionam?
A insistência nos mesmos métodos sugere uma das duas u três ilações:
• Ou alguém beneficia-se desta algazarra
• Ou estamos perante a incapacidade de fazer leituras profundas sobre as reais causas do conflito 
• Ou estamos perante uma elite que ainda não se apercebeu que o seu pensamento está viciado e as suas alternativas que avançam são inviáveis.
Com efeito, estamos perante duas entidades que nutrem um “amor” visceral um pelo outro fazem 40 anos. E as suas relações não mudaram desde então: desconfiança mútua, falta de transparência, tentativa perene em trair o acordado e sempre que a oportunidade permitir, emboscadas políticas ou militares. Sempre foi assim, de ambos os lados.
De seguida irei mencionar quatro problemas básicos que do meu ponto de vista, a FRELIMO não consegui resolver nos últimos 40 anos. E depois, mencionarei outros quatro principais desafios para a Renamo superar.
PRIMEIRO: Ao contrário do que a propaganda da Frelimo propala, vivemos um país dividido. A tal unidade nacional é uma falácia. Um dos problemas que a Frelimo nunca conseguiu resolver é a promoção da unidade nacional. Tal como ontem, hoje as pessoas julgam que as assimetrias regionais não estão sendo devida e demonstradamente comba tidas; Afonso Dhlakama e a Renamo falam à vontade em poder dividir o país ou governar onde ganhou ou mesmo formar uma República do Centro e Norte de Moçambique sem que tal seja mereça estranheza e repúdio público por parte dos moçambicanos, principalmente das regiões visadas. Por mais que se tente provar o contrário, um povo unido de facto jamais permitiria tais pronunciamentos e mesmo os autores de tais pronunciamentos jamais ousariam em manipular o sentimento regionalista em seu favor. Se o fazem é porque estão cientes do que a maioria destes povos partilha o mesmo sentimento, correcto ou errado. Mas este é um problema que vem desde a formação da Frente de Libertação da Frelimo; das lutas tribais internas, das chacinas promovidas contra os dirigentes tidos como oposicionistas pelas fações vitoriosas. O facto de termos ganho a independência dos portugueses não é prova de que ela foi fruto da unidade nacional. E o facto de mantermos até agora como um país só não é porque a o Partido Frelimo trabalhou para tal. Tal como o Professor Elisio Macamo um dia afirmou, Moçambique é um acidente geográfico e histórico e eu acrescento; nasce de um projecto colonial do qual herdamo-lo tal e qual. Este ponto leva-me ao segundo que é …
SEGUNDO: A organização do poder político é produtora da exclusão e da marginalização: a transição de um regime de partido único para o multipartidário não foi acompanhado de reformas necessárias para garantir que cada moçambicano, cada organização ganhasse, vivesse de acordo com o seu desempenho. O que quero salientar aqui é o facto de a forma como estamos politicamente e administrativamente organizados, não permite que todos e cada um “viva a sua custa”. 
• Votamos numa pessoa apenas para o presidente que depois é responsável por nomear mais de 100 dirigentes nacionais e provinciais, entre governadores, ministros e vice-ministros (poderes exarcebados)
• Apesar de termos as assembleias provinciais, os governadores são autênticos “impostores”, enviados do PR à província para dirigir de acordo com a vontade do PR (a implicação antropológica disto é que apesar de serem formalmente dirigentes, muito dificilmente estes são legítimos ou legitimados, principalmente em regiões onde o dirigente provincial não corresponde àquilo que foi a escolha desde mesmo povo) -governadores devem ser eleitos.
Aliado ao ponto levantado anteriormente Afonso Dhlakama explora com muito sucesso este aspecto. 
Em Moçambique ou ganha-se tudo, ou perde-se tudo. Não existe o meio-termo. Não conheço nenhuma democracia estável que partilha o mesmo sistema eleitoral como nosso ou sistema político-administrativo similar. E perante sistemas eleitorais ou órgãos eleitorais duvidosos, é impossível que os actores imediatamente visados não se insurjam. A derrota eleitoral significa automática exclusão tanto económica como política e o convício permanente com o desespero. O nosso sistema eleitoral, em vez de contribuir para aproximação política e a consolidação da democracia, fragilizam-na pelo contrário.
TERCEIRO: 50% da riqueza nacional está para o estado e seus funcionários e dirigido por um cartel da elite dirigente. Relacionado aos dois pontos anteriores, a riqueza nacional é consumida quase toda ela pelos servidores do estado, que é a minoria, dirigidos pelo cartel da elite dirigente. Se olharmos para orçamento veremos que 60% deste vai para despesas de funcionamento e o resto 4% para as de investimento. Tal significa que para a maioria do povo, apenas lhes chega o que é possível e com sorte. Nas condições actuais tal significa que a não ser que os partidos da oposição controlem municípios ou províncias, dificilmente estes podem reproduzirem-se, muito menos os seus cidadãos podem aceder aos negócios e ao aparelho do Estado. Os projectos de lei apresentados tanto pela Renamo como pelo MDM, comprova quão urgente é despartidarizar as instituições do estado. Todavia, mesmo que tal aconteça, sem uma reforma completa da administração do estado e da constituição, tais propostas seriam de difícil implementação. O que os partidos da oposição precisam não é de leis que despartidarizam o estado, mas de condições que os permita o acesso ao poder proporcional ao seu desempenho político.
QUARTO: Incapacidade em fortalecer as instituições capazes de resolver as razões motrizes dos conflitos. Apesar de Moçambique ser uma democracia multipartidária, as instituições de soberania do estado muito dificilmente conseguem desempenhar em pleno as suas funções. Tomemos como exemplo o parlamento, que em princípio deveria ser o fiscalizador do Estado Partidarismo. Vimos por reiteradas vezes o seu alinhamento acrítico aos ditados do governo para a bancada maioritária enquanto as minoritárias celebram o refrão da mesmice. Vinte anos depois continuamos a nos comportar como se nos conhecêssemos pela primeira vez, repetindo os mesmos medos, os mesmos vícios e preconceitos, os mesmos chavões, as mesmas posições iniciais.
Se a Frelimo quiser continuar a liderar nos próximos anos, deve ser ela própria a desencadear os processos de mudança bem identificados nos anteriores quatro pontos. Se não quiser, se quiser experimentar a oposição, como já o faz um pouco por todo Moçambique, pode continuar entrincheirada nos seus preconceitos, celebrando o groupthink.
Por outro lado, a Renamo tem também os seus desafios, que urge superar sendo o mais importante, a questão militar.
PRIMEIRO: Homens armados. Em teoria, é muito difícil desarmar um soldado. Muito mais difícil é desarmar a sua mente. Para um militar, a arma é a sua segurança. Mas para a Renamo e sua liderança, noto um certo à-vontade em manter os homens armados pois assim, pensam eles, é mais fácil fortalecer o poder de barganha da Frelimo. Ora bem, se por um lado é verdade que a Frelimo cedeu certas exigências devido a este risco real, por outro, são justamente as armas a causa destes infindáveis ciclos de violência pro-eleitora, que se prolongam pelo todo ciclo. Em última análise, nos últimos vinte anos, as armas só conseguiram proteger Afonso Dhlakama, líder da Renamo. E MAIS NINGUÉM. As armas não conseguiram proteger Gilles Cistac; não conseguiram proteger Manuel Bissopo, não conseguiram proteger os simpatizantes da Renamo em Montepuez, Mongincual ou Angoche; não conseguiram proteger o guarda do SG da Renamo; as armas não conseguiram proteger a detenção do Deputado Muchanga ou do Brigadeiro Malagueta; as armas não conseguiram proteger os inúmeros membros da Renamo e MDM e outros inocentes civis raptados e mortos por motivações políticas. A única prova concreta que temos é que as armas conseguiram sim proteger o líder. Como pessoa e como humano, seria tempo para reflectir se vale a pena continuar com a mesma visão, com a mesma política, vinte anos depois, expondo os seus simpatizantes e mais directos correligionários ao risco de apanhar a bala da FIR. É VERDADE SIM que existem pessoas dispostas para morrer pelo líder. Porém, o melhor seria que estas pessoas vivessem para ver a governação do seu líder; desfrutar os proventos do sacrifício e da alternância ao poder e ver o país desenvolver. Portanto, é responsabilidade do líder também, poupar vidas, salvar vidas, proteger os seus membros. Se todos morrermos, nos não poderemos beneficiar da sua liderança, quando ganhar. Para lá da paridade, da integração ou dos critérios de reforma, julgo que antes deve existir da parte da Renamo, uma resoluta decisão em se livrar dos homens armados. 
Abandonar as armas tem uma vantagem que curiosamente a Renamo pode estar a perder. É que as armas é um instrumento limitativo ao engajamento público de todos simpatizantes da Renamo. Tentarei dizer por outras palavras: Sempre que a Renamo introduz o discurso das armas, limita ou silencia uma enorme franja dos seus apoiantes de poderem se engajar no discurso seja porque não querem a guerra, seja porque não têm armas ou simplesmente por temer ser identificado como pertencendo aos agitadores. Na verdade só os soldados é que podem disparar. E a maior riqueza da Renamo não são as armas. São as pessoas livres, que querem apoiar o seu líder a ganhar as eleições de outra maneira; de outra forma. Porém com armas, estas pessoas se vêm impedidas em participar. 
Uma Renamo sem armas será muito mais vitoriosa, muito mais poderosa, muito mais influente, muito mais pronta para governar porque terá apoio directo e desinibido do povo, disposto a se organizar para tomar o poder. É deste ponto que falarei a seguir.
SEGUNDO: Organização para ganhar as eleições. Não sei se restariam margens para duvidas se afirmar que nos últimos de anos a Renamo esteve mais tempo em “fuga” do que sossegada, pelo menos a sua liderança. Da transferência da residência para Nampula e de lá para Santungira; de Santungira para Beira e de novo para a parte incerta/segura, a liderança da Renamo perdeu muito tempo, recursos e inteligência em busca de sobrevivência do que em organização política. Não quero com isso alinhar pelo diapasão do Presidente Nyusi, cujos pronunciamentos em Adis Abeba foram claramente infelizes, mas quero concordar que nos últimos pleitos eleitorais a experiência mostrou que a Renamo não marcou nenhuns pontos neste capitulo. Gaza nunca elegeu se quer um deputados. De facto, Gaza tem sido um verdadeiro no-go zone para a Renamo, e ela própria nem se preocupa em se implantar la. As alegações de violência eleitoral podem fazer sentido mas….o risco de continuar a perder será maior se o trabalho organizacional não se iniciar cedo e de forma persistente. Em Inhambane, os resultados eleitorais apontam para maior afluência as urnas de sempre, rondando entre 80-90%, coisa atípica para o padrão de participação, que não ultrapassa os 50%. Porquê isso acontece? Falta de fiscais, falta de representantes, falta de trabalho político. Por mais que se culpe ao governo é sobretudo da responsabilidade dos que querem ganhar encontrar soluções para os seus problemas. O resto do país prima pelo menos diapasão.
TERCEIRO: Liderança: liderar a opinião oposicionista e as massas. Por causa dos pontos 1 e 2 acima mencionados apesar de a Renamo continuar a ter maior aceitação pelo país afora, ela é curiosamente um partido desengajado. Como maior partido na oposição ela tinha a obrigação de liderar a opinião oposicionista. O que vemos é estranhamente uma babilónia onde até o partido no poder alia-se alguns da oposição quando lhe apetece, manipulando-os em prejuízo da própria oposição. Repensar sobre o papel de liderança da Renamo vai implicar tomar o seu papel de líder da opinião oposicionista. E isto a Renamo sabe perfeitamente como e o que fazer.
QUARTO: Coragem em ser o primeiro a mudar. O líder da Renamo e o povo estão cientes da “maldade do governo da Frelimo”. Com todos detalhes. Porém, a única alternativa que resta à Renamo, se quiser adiantar-se, é ter a coragem de mudar. Mudando, surpreendendo o adversário para tirar as vantagens necessárias, pode deixar a Frelimo sufocada, logo nesta altura que atravessa uma das suas piores crises internas, depois da morte de Eduardo Mondlane em 1969! Mas tal exige coragem; coragem de prosseguir com uma política nova e renovadora, inspiradora das massas; coragem em assumir o seu papel de líder da opinião oposicionista; coragem de FAZER COISAS NOVAS. Eu disse, CORAGEM DE FAZER COISAS NOIVAS, incluindo um discurso novo.
Tanto para a Frelimo como para a Renamo, o segredo reside em ser o primeiro a adiantar-se na mudança de como se faz a política, inclusive cedências exageradas. Já lá vão os tempos em que se privilegiavam teorias de jogo de SOMA ZERO. Agora, tudo deve primar pelos cenários de WIN-WIN. Aceitar perder para ganhar um pouco para juntos consolidarmos a Paz. 
É possível.
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