segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Solução para o diferendo entre o Governo e a Renamo (ficção)

 Categoria: Opinião Publicado em 18 dezembro 2015
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Por: Dalton Sitoe
A tarde caía naquele domingo fresquinho, quando Curimundo Sebastião se preparava para ir à televisão pública conceder uma entrevista ao programa “Solução para Instabilidade”. O projecto foi desenhado pelo jovem jornalista Vericarpo Mudambe. Ele inspirou-se no programa “Macas no Bairro”.
Solução para Instabilidade foi concebido para um período de seis meses, no qual recebeu mais de 20 individualidades das mais variadas áreas, incluindo uma vendedeira de amendoim, com vista a colher diversos pontos de vista para solucionar a instabilidade político-militar em Moçambique.
Desta vez, o programa recebeu o estudante universitário Curimundo. Tal como combinou com Vericarpo, o entrevistado chegou à televisão quando faltavam uns trinta minutos para o início do programa.
Curimundo apresentou-se de uma camisa branca inovada com tons de capulana nas pontas das mangas, no espaço de botões e na gola, para cobrir os membros inferiores do corpo preferiu uma calça cinzenta escura.
De braços abertos, Vericarpo recebeu Curimundo nos estúdios.
- Boa noite! E seja bem-vindo caro Curimundo! – disse Vericarpo aceitando um aperto de mão e bonificando com um “meio-abraço”.
- Obrigado! É interessante como o aperto de mão e o abraço podem mudar o estado de espírito de alguém – reagiu Curimundo.
- É! Mas senta-se aqui e sinta-se à-vontade. Foi mesmo pontual. Vou servi-lhe um cafezinho para irmos queimando o tempo enquanto esperamos ou prefere uma água?
- Uma água!
A conversa sobre o poder do abraço prosseguiu até o instante em que Curimundo foi submetido à “umas maquilhagens”, antes de ir ao estúdio, onde ia decorrer a entrevista.
Tudo apostos para o início da conversa. Enquanto aguardava para ir ao ar, Vericarpo apreciou a sua camisa colorida de várias barras, e pouco se preocupou com a parte inferior do seu corpo, pois sabia que o cenário lhe favorecia, uma vez que à isso os telespectadores não têm acesso.
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“Boa noite caro telespectador! Seja muito bem-vindo a última edição do programa Solução para Instabilidade. Durante estes seis meses estivemos aqui a reflectir sobre o clima de instabilidade que assola o nosso país, trazendo diversos pontos de vista de como podemos solucionar este problema.
Vamos terminar o nosso contributo para a paz efectiva, pelo menos a este nível, conversando com um estudante universitário. Nos nossos estúdios está Curimundo Sebastião, ele que prefere ser tratado pelo seu primeiro nome.
V - Boa noite Curimundo! Como vê o actual clima político?
C – Boa noite! Vejo o actual cenário político como reflexo daquilo que somos como sociedade moçambicana e um fenómeno que está dentro do padrão do nosso comportamento como seres humanos.
V – Porquê?
C – Sabe Vericarpo!! O que está a prejudicar o diálogo é o facto de nós não gostarmos de ouvir o outro e querermos projectar o que pensamos sobre o outro, ou seja, o que digo e penso é mais válido. Em outras palavras, isso é a luta pela razão, esquecendo que todo mundo tem razão no que diz e faz, desde que a razão seja avaliada em consonância com as bases que levam a acção de cada indivíduo.
V – Pode ser mais claro para o telespectador?
C – Imagina que estamos nós dois a andar pela rua e ai vemos uma parede. Você diz que a cor dela é amarela e digo-te que é rosa-claro. Nós dois temos razão, porque eu sou daltónico - não vejo algumas cores tal como você vê. Ninguém vê o mundo de forma objectiva, mas sim como foi condicionado a ver.
É isto que está faltar no diálogo entre o Governo e a Renamo. Eles vêm o diálogo como uma final da Taça de Moçambique, onde um tem de perder para o outro sair vencedor. Não pode ser assim, para o país ter paz efectiva os dois devem sair a ganhar no verdadeiro sentido da palavra.
V – Porquê referiu que o Governo e a Renamo vêm o diálogo como uma final da Taça?
C – Recomendo-te para depois da entrevista ir ver e ouvir atentamente os vídeos das conferências de imprensa das cento e tal rondas de diálogo, realizadas no Centro de Conferências Joaquim Chissano (CCJC).
O senhor vai ver que eles, os dois, falam de fazer cedências. Diálogo não pode ser campo de cedências, mas sim de sinergias. E para “sinergizar”, as propostas colocadas não devem ser finais, mas sim ponto de partida para chegar a uma terceira alternativa.
Os políticos moçambicanos não podem ser como alguns professores do ensíno secundário, que antes de conhecer o aluno e ouvi-lo já vem com a metodologia de ensino, obrigando os alunos a submeterem-se a ele.
Enquanto o diálogo for movido nesta base, onde não há “sinergização”, um chega e diz: desarma-se e outro despartidariza o Estado, vamos levar mais três mil anos neste clima.
V – O facto de o Governo ter aceitado dialogar, não é uma forma de ouvir?
C – Primeiro esclarecer que o ouvir deve acontecer dos dois lados. Indo à sua questão, aceitar dialogar não é ouvir, mas é um bom passo. O ouvir o outro que me refiro não é disponibilizar o ouvido, mas sim a capacidade de ouvir o que outro diz como se fossemos nós a dizer.
Tem de haver a capacidade de a Renamo colocar-se na posição do Governo, e o Governo colocar-se na posição da Renamo, enquanto o outro fala. E é isto que está a faltar neste diálogo, e é o mesmo que acontece na Assembleia da República, onde a oposição é sinónimo de “não” e o partido no poder é sinónimo de “sim”.
As partes querem que a outra ceda, porque pensam que só elas têm razão. Nota que isto não acontece apenas ao nível político, este é o modo de vida de muitos de nós no mundo. Queremos que outros pensem como nós, colocando “like”. Quando ouvimos é apenas para depois usar a melhor estratégia para presuadir, e quando a técnica de persuasão falha, vamos à discussão, que pode ou não terminar com insultos. Não pode ser assim, temos de ouvir o outro sem preconceitos e com vontade de dar-lhe razão e avançarmos para “sinergização”.
V – Está neste caso a propor a valorização do meio-termo...
C – Não! “Sinergizar” não é meio-termo. É o contrário do meio-termo. Tome nota, consensos obtidos com base no meio-termo apenas suavizam o problema, não o resolve.
Proponho o trabalho para a busca da terceira alternativa. Isto requer muita criatividade das duas parte. Eles colocam as suas propostas sobre a mesa, dão-se razão e a partir das duas ideias busca-se uma terceira opção, fazendo com que cada proposta complemente a outra e os dois saiam a ganhar.
Nota que com um bocado de mais inteligência de uma das partes pode não ser necessário que outro esteja disposto a fazer isso, basta um deles querer busca-se a terceira alternativa pacificamente. Contudo, se ambos basearem-se neste modelo é muito mais eficaz.
Não sou a favor do meio-termo, porque obriga as partes a encontrarem pontos comuns dentro das ideias iniciais, isso é pouco criativo e implica fazer cedências. E na minha óptica diálogo não é espaço de cedências.
V – Neste caso, qual seria a terceira opção?
C – (Risos...) Amigo! Dialogar é diferente de cozinhar uma boa cacana. Não há receitas. E eu sou assim - não dou peixe, mostro como se pesca. Além do mais, o Governo e a Renamo é que devem pensar e chegar a terceira opção, para estarem mais comprometidos e mais aptos para honrar a sua palavra. Se for uma outra pessoa, é capaz de não servir. Mas, isso não quer dizer que os outros não podem contribuir.
V – E onde pode ser encontrada essa opção? Seria necessário um encontro ao mais alto nível?
C – Usando este modelo, a opção pode ser encontrada nos três lugares. Podemos ir ao parlamento; reactivar o diálogo no CCJC; ou mesmo ao mais alto nível.
V – Reactivar diálogo do Centro de Conferências Joaquim Chissano?
C – Sim! Este modelo é fenominal, pois ninguém fica prejudicado. Seguido da melhor maneira em dois dias resolve-se este problema. Entretanto, preferia que fosse no parlamento, pois lá as coisas são mais transparentes para o povo.
V – Falando no parlamento, qual é o seu ponto de vista em relação ao “Projecto das Autarquias Provínciais”?
C – (Risos...) A Renamo está tentar resolver o primeiro problema por esta via. Se for resolvido o diferendo com o Governo este projecto provavelmente sairá do debate. E, também, penso que a Renamo deve recuar e repensar melhor.
V – Porquê?
C – Para a realidade moçambicana não ajuda muito. Imagina que a Frelimo e o MDM proponham a criação de “autarquias distritais”, “autarquias dos bairros”, “autarquias de quarteirões”, e “autarquia das 10 casas”, onde eles ganharam as eleições, nessas mesmas províncias, como ficaremos?
Até seria bom, se pensarmos que teríamos uma máquina plural, mas do jeito que os partidos políticos moçambicanos funcionam, correríamos o risco de faltar coordenação. Mas este projecto levanta bons pontos para debatermos a nossa democracia e nessa perspectiva é preciso dar parabéns.
V – Estamos à poucos minutos do fim. Tem algo ainda por dizer em relacção a nossa conversa?
C – Sim! Precisamos de mudar de paradigma. Não podemos olhar a unidade, como sendo o esquecimento de nossas diferenças e valorização do que nos torna igual. Unidade é valorização das nossas diferenças, ignorando o que nos torna igual, pois unidade é complementaridade. Se usarmos este paradigma vamos adquirir muitas conquistas para o nosso país.”
Vericarpo no seu maior estilo agradece a vinda de Curimundo e despede-se dele. Posteriormente, levanta-se, posiciona-se no cenário de fecho do programa para despedir-se dos telespectadores.
“V- Caro telespectador! Termina assim a maratona de entrevistas em busca de vários pontos de vista para solucionar o actual estágio do clima político no nosso país. Durante seis meses conversamos com mais de 20 individualidades. Este foi o contributo do jornalismo para a paz, através da nossa televisão. A todos que tornaram possivel a realização deste programa, vão os nossos profundos agradecimentos. “Solução para Instabilidade” termina por aqui, porém apelamos a toda sociedade moçambicana para continuarmos a pensar e a contribuir para o bem de Moçambique. Despedimo-nos e remarcamos o nosso encontro para uma outra oportunidade! Continuie sintonizado!”

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