quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Água da represa de Maratane será desperdiçada porque Ministério da Agricultura esqueceu dos sistemas de captação e irrigação


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Tema de Fundo - Tema de Fundo
Escrito por Adérito Caldeira  em 11 Janeiro 2017
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Foto de Adérito CaldeiraA fazer fé nas palavras do Presidente da República, e do seu ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, grande parte das condições estão criadas para que Moçambique produza mais comida. O @Verdade visitou alguns camponeses na província de Nampula e constatou que não sabem da existência dos propalados fundos agrários, os publicitados centros de serviços agrários distam mais de 40 quilómetros, não beneficiam da tarifa agrícola de energia e muito menos do subsídio ao gasóleo. Paradoxalmente ajuda do Governo do Japão, com a construção de uma represa para aumentar a disponibilidade de água para rega na região de Maratane, vai ser desperdiçada, “este projecto não tem previstas moto-bombas nem sistema de irrigação”.
Foto de Adérito CaldeiraHá cerca de um ano que Takara Morimoto chegou ao nosso País, não veio visitar as nossas belas praias nem ficar no conforto de Maputo. O engenheiro hidráulico proveniente do Japão instalou-se na cidade de Nampula onde, como voluntário, está a dirigir a reabilitação de uma represa localizada a cerca de 20 quilómetros e que se espera seja um modelo a ser replicado no Corredor de Nacala.
“Arranhado” português Morimoto explicou ao @Verdade que na obra que está a ganhar forma sobre o rio Nathuco ficará um dique de 190 metros de comprimento e 5,5 metros de altura, criando um reservatório de 30 mil metros cúbicos de água que “deverá para desenvolver uma área de 250 hectares de produção de alimentos”.
A reabilitação da represa custa cerca de 9,2 milhões de meticais, que estão a ser financiados pela Agência Japonesa para a Cooperação Internacional(JICA), e deverá estar pronta ainda durante este mês de Janeiro, a tempo de captar as águas da época chuvosa em curso e garantir a sua disponibilidade até a próxima época.
Camponeses não usam tarifa agrícola de energia, não precisam do subsídio ao gasóleo nem usufruem das isenções aduaneiras
Um dos beneficiários da água da represa serão os refugiados estrangeiros que estão abrigados no campo de Maratane, que dista cerca de 5 quilómetros do local, mas serão também usuários centenas de camponeses que cultivam na Região. Além de milho, mandioca, soja e feijões os camponeses esperam que a maior disponibilidade de água permita-lhe aumentar a produção de hortículas que já realizam, “queremos produzir mais tomate” confidenciam ao @Verdade.
Contudo técnicos da direcção provincial de Agricultura e Segurança Alimentar em Nampula revelaram ao @Verdade que para que a água da represa seja usada na sua plenitude é necessário um sistema de captação e outro para a irrigação dos campos agrícolas. “Precisa de moto-bomba, este projecto não tem previstas moto-bombas nem sistema de irrigação”, disse ao @Verdade um dos técnicos que prefere manter-se em anonimato afinal é funcionário do Governo que se esquecer desses detalhes.
Com pouca convicção afirma que “haverá uma segunda fase que implica um outro projecto para montar sistema de captação da água na represa e rega, ainda vai-se pensar quando estiver concluída a primeira fase”.
Foto de Adérito CaldeiraEntretanto, em entrevista ao @Verdade, revelou que é extensionista agrário há várias décadas, mas também antigo combatente, e que tal como vários dos camponeses tem procurado financiamento pessoalmente para aumentar a produção da sua machamba, cultiva cerca de cinco hectares nas redondezas da represa, mas sem sucesso.
Questionado pelo @Verdade se como funcionário do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar não teria acesso privilegiado ao Fundo de Desenvolvimento Agrário(FDA), que desde substitui o Centro de Promoção de Agricultura (CEPAGRI). “Ainda não está bem divulgado entre os produtores. Alguns conseguem fundos através do FDD(Fundo de Desenvolvimento Distrital, vulgarmente conhecido com 7 milhões). Nós temos muitos problemas de incentivos único parceiro que nos ajuda muito é o PNUD mas para a demanda de terra que temos não chega”, lamentou.
“Eu desenhei um projecto só para regadio, todo automatizado, para cobrir 5 hectares de hortículas. Pedi 300 mil meticais para a moto-bomba, tubagem etc, mas quando fui para a representação dos antigos combatentes em Nampula eiii! Somos extensionistas com muitos anos de experiência e queremos também fazer a nossa reforma”, confessou o nosso entrevistado que declarou ao @Verdade que os “centros de serviços agrários existem em Angoche e Malema, aqui perto não existe nenhum”.
Os camponeses disseram ainda ao @Verdade que não beneficiam da tarifa agrícola de energia porque não tem electricidade nem em casa e muito menos nas machambas. Relativamente ao subsídio ao gasóleo declararam não precisar dele, “não temos tractor ou carrinha”. Sobre a recente revisão da pauta aduaneiras, pelo Governo de Filipe Nyusi, com o propósito de “dinamizar a agricultura” os produtores de Maratane declararam que não importam nenhum item para a sua produção.
“O desafio é reduzir a taxa de juro, criar bancos rurais, que sejam de fácil acesso para os produtores”
O @Verdade perguntou ao director provincial de Agricultura e Segurança Alimentar em Nampula, Pedro Dzucule, porque razão os camponeses da província não sabiam dos fundos que o Executivo propala existirem para aumentar a produção nacional de comida.
Foto de Adérito Caldeira“Neste momento temos problemas de créditos mas sobretudo a taxa de juro, não é sustentável para além das exigências colaterais da banca. O desafio é reduzir a taxa de juro, criar bancos rurais, que sejam de fácil acesso para os produtores e com procedimentos simplificados do ponto de vista das exigências, sobretudo as garantias. Nós sentimos que as iniciativas que existem neste momento não são muito sustentáveis para os pequenos produtores. Os únicos fundos que são sustentáveis são os 7 milhões (7% a 10%) e o FDA(5%), mas também são os fundos são irrisórios, não são suficientes”, reconheceu Dzucule.
Sobre o FDA o director provincial de Agricultura e Segurança Alimentar em Nampula aclarou que existe uma delegação na cidade capital Norte que é o único lugar os camponeses devem se dirigir e submeter os pedidos. De acordo com Pedro Dzucule outros créditos também são de difícil acesso.
“Nós também temos aqui o Fundo Catalítico, da União Europeia, mas o grande problema é que aqui em Nampula de todos que submeteram os projectos apenas um foi aprovado, o dinheiro está lá mas a população não o consegue tirar para usar. Temos outros fundos do FINAGRI mas saem depois de grande trabalho do ponto de vista d organização da documentação, exigências etc. O que nós estamos a fazer no âmbito ProSavana é que microcrédito que seja de fácil acesso para os agricultores e também com taxas de juros muito baixas que permitam a devolução”, explicou.
Sector agrário não desperta interesse da banca comercial
Um documento de trabalho do Observatório do Meio Rural revela que o crédito agrário representou cerca de 8% do crédito total à economia no período analisado e concluiu que “Pode afirmar-se que o sector agrário e em particular o direccionado para os pequenos produtores, pela sua natureza, lucratividade, escala, riscos e outros factores, não despertam o interesse da banca comercial”.
“As taxas de juros mantêm-se muito elevadas, com importantes diferenças relativamente à taxa de inflação; (...)Constatou-se que os aumentos ou decréscimos do volume de crédito agrário cedido ao longo do período em estudo, não tiveram influência directa significativa no crescimento do PIB referente ao sector agrário;(...) o volume de crédito agrário destinou-se principalmente para a culturas de exportação realizadas por médias e grandes empresas. O açúcar representa 31% do total concedido entre 2003 e 2011 e o algodão obteve 22%”, indica também o documento escrito pelos académicos João Mosca, Natacha Bruna, Katia Amreén Pereira e Yasser Arafat Dadá.
Ademais, “Estima-se que os pequenos produtores e a produção alimentar acedem a menos de 5% do crédito agrário, o que corresponde sensivelmente a entre 0,3% e 0,4% do total do crédito à economia; (...)A maioria das agências da banca comercial (aproximadamente 40%) está localizada na cidade e província de Maputo”, concluiu o estudoque se debruça sobre o “crédito agrário” em Moçambique.
Além da falta de financiamento para os camponeses os fundos disponibilizados pelo Orçamento de Estado, e também por Parceiros de Cooperação, acabam por ser gastos, em mais de 60%, nas actividades dos burocratas, e visivelmente em automóveis, do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar em vez de serem investido na produção de alimentos.

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