segunda-feira, 27 de abril de 2015

A morte de Gilles Cistac e o triste espectáculo policial

Para quem tinha dúvidas de que o Governo está comprometido
com o não esclarecimento do assassinato do constitucionalista
moçambicano Gilles Cistac, morto a tiro na manhã de 3 de Março
passado, a Polícia da República de Moçambique tratou de deixar
tudo claro: não há investigação nenhuma, e tudo não passa de puro
entretenimento político.
Depois do assassinato do Prof. Gilles Cistac, noticiámos aqui,
neste jornal, e nas nossas outras plataformas, que uma fonte policial
nos havia informado de que havia ordens, que designaram
como “superiores”, para que a Polícia convocasse a imprensa e
anunciasse que quem assassinou Gilles Cistc foi um cidadão de
raça branca. E foi exactamente o que a Polícia fez.
Tal operação visava desresponsabilizar o partido Frelimo das
acusações que eram emitidas pela opinião pública e que associavam
o assassinato de Gilles Cistac à campanha de racismo e de
ódio que era desenvolvida pelo partido no poder, através das suas
tribunas de propagação de ódio e de racismo, que encontram a sua
expressão material nos órgãos de comunicação social públicos,
com os préstimos dos delinquentes do G40.
O objectivo da estratégia do partido Frelimo de invenção de um
“atirador de raça branca” foi exactamente a de afastar qualquer
conotação da organização com os pratos de racismo, ódio e intolerância
política que avulsamente eram servidos pela Televisão
de Moçambique, Rádio Moçambique, jornal “Notícias”, jornal
“Domingo”, Agência de Informação de Moçambique, “Diário de
Moçambique”, através dos seus analistas de serviço.
Na mesma tarde em que foi assassinado o constitucionalista Gilles
Cistac, o comando da Polícia da República de Moçambique na
cidade de Maputo veio a público, através do seu porta-voz, Arnaldo
Chefo, dizer que Cistac teria sido assassinado por um grupo de
quatro indivíduos, que se fazia transportar numa viatura. A pessoa
que puxou da AKM e disparou era “um cidadão de raça branca”.
Acresce a este resultado de “investigação racista” uma outra
constatação contraditória. Segundo a Polícia, os assassinos estavam
encapuçados. Ora, como é que a Polícia viu um cidadão de
raça branca encapuçado, quarenta minutos depois de os assassinos
terem desaparecido?
Começava aqui a ficar clara a condição solteira em que a culpa
poderia morrer. Só o tempo que a Polícia levou para aparecer no
local, havendo uma esquadra muito próxima, era, em si, um prenúncio
de como isto iria acabar.
Na segunda-feira, a mesma Polícia da República de Moçambique
acrescentou mais um episódio à sua própria novela. Arnaldo
Chefo chamou a imprensa para anunciar a captura de dois suspeitos.
Só que a peça foi muito mal ensaiada, ao ponto de se esquecerem
de juntar à narrativa os elementos básicos: “Onde?”,
“Quando?”, “Como?”.
Portanto, lá estava um Arnaldo Chefo com a dogmática informação
de que “foram capturados”, e ponto final. Não explicou
quando é que foram capturados, onde é que foram capturados e
em que circunstâncias foram capturados. Limitou-se a dizer que a
informação não devia ser divulgada, porque era cedo. Ora, em que
é que pode atrapalhar a divulgação do dia em que os suspeitos foram
apanhados pelos “bravos” agentes da PRM? Para além de ser
ridículo, é também o suficiente para causar indignação a qualquer
cidadão de imaginação mediana.
Tem mais: quando questionado sobre os dois outros suspeitos,
que, adicionados aos já “capturados”, perfazem a exacta quantia
policial de quatro, o porta-voz da PRM na cidade de Maputo disse
que nenhum dos que ainda estão a monte é de raça branca. Portanto,
num ápice, o suspeito de raça branca, que, aliás, é o atirador, já
não faz parte do rol de suspeitos. Haverá alguma seriedade nisto?
A Polícia da República de Moçambique habituou-nos a violar o
princípio de presunção de inocência estipulado na lei, ao apresentar
todos os seus suspeitos para acareação com a imprensa. Sem
qualquer tipo de prova nem julgamento, a Polícia tem apresentado
os seus suspeitos, e até segura a face dos alegados criminosos para
que sejam entrevistados e sumariamente julgados pela imprensa e
pelo público.
Só que, desta vez, os bandidos capturados pela Polícia não foram
apresentados. Porquê? Terá a Polícia decidido, a partir deste
caso, cumprir a lei e respeitar o princípio legal da presunção de
inocência? Não deixa de ser curioso, tanto como dá mais elementos
para que se chegue à conclusão de que estamos perante uma
fraude policial de proporções oceânicas.
A esta vergonha, associa-se também a não investigação de toda
a fauna que propagou o ódio e o racismo contra Gilles Cistac. Por
que razão, até hoje, a Polícia ainda não chamou os elementos do
G40 para declarações, no mínimo. Por que razão, até hoje, o porta-
-voz do partido Frelimo, o senhor Damião José, não foi chamado
para explicar o que fez para que o seu desejo de ver Cistac calado
fosse consumado? Por que razão não é chamado o então presidente
do partido Frelimo, para explicar aos moçambicanos quais
são os métodos que usaram para que se livrassem do “incómodo,
hipócrita e ingrato” Gilles Cistac?
E os dirigentes dos órgãos de comunicação social que acima
enumerámos deviam ser chamados para explicarem também ao
povo moçambicano como é que conseguiram levar a bom porto
a sua agenda de racismo. É preciso que nos expliquem como é
que a TVM, a RM, o “Notícias” e a AIM conseguiram, com êxito,
derrotar Gilles Cistac.
É preciso que os pais ideológicos do G40, nomeadamente Edson
Macuácua e Gabriel Muthisse, nos expliquem quais são os mecanismos
que usaram para que Cistac saísse do caminho deles. Estes
senhores tinham um desejo: que Cistac se calasse. E esse desejo
concretizou-se. Que nos digam o que fizeram para alcançar o seu
objectivo com tanto êxito? É disso que precisamos, e não de um
teatro policial da mais baixa categoria, acompanhado por agendas
racistas.

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