quarta-feira, 29 de abril de 2015

A nossa pobreza é rentável

O autor da frase que dá título ao presente Editorial é o economista sénior e professor moçambicano João Mosca, quando, numa entrevista concedida ao Canal de Moçambique Moçambique , em 2010, tentava explicar a colagem do nosso sistema de governação à ajuda externa. Em termos muito simples, João Mosca explicou que era importante para a nossa classe governamental apresentar um país pobre, para atrair mais ajuda. A reportagem que publicamos nesta edição, sobre a vida luxuosa ostentada pelo filho do declarado Presidente da República, Florindo Jacinto Nyusi, é a prova irrefutável de que a nossa pobreza colectiva é mesmo rentável para a classe predadora. Em termos mais concretos: a falta de água em Chibugo, as mortes que acontecem nos hospitais por falta de medicamentos, a có- lera que dizima pessoas por falta de saneamento, os cidadãos que são transportados nas carrinhas de caixa aberta, designadas ““My Love”, como que se de gado se tratasse, é na verdade um investimento que a Frelimo faz para que os seus dirigentes e os seus filhos e sobrinhos tenham uma vida de lordes. É que, quanto melhor apresentarmos um país de rastos, sem comida, sem medicamentos, sem transporte, sem saneamento, com crianças sentadas no chão em escolas cobertas de capim, ou mesmo debaixo das árvores, grande é a probabilidade de os dirigentes predadores receberem mais dinheiro em forma de ajuda e donativos e empréstimos, que depois os pobres e os filhos destes vão pagar. Os carros luxuosos que andam com o filho de Filipe Nyusi, que não deve ter mais de 25 anos, são um verdadeiro insulto a qualquer moçambicano de mediana capacidade craniana. São um insulto a todos os moçambicanos que morrem nos hospitais por falta de paracetamol. Um insulto à consciência de todos os moçambicanos que bebem água dos charcos por falta de água potável. Às mulheres grávidas que perdem a vida depois de caminharem dezenas de quilómetros à procura de um Centro de Saúde para realizarem o parto. Um insulto a todas as crianças que se sentam no chão por falta de carteiras. Um insulto a todos os cidadãos que são transportados nos “My Love” porque o Estado não consegue prover um sistema de transporte condigno. Um insulto aos professores e enfermeiros que ganham abaixo de três mil meticais como salário mensal. É um insulto a todos os moçambicanos trabalhadores. Temos estado de forma recorrente a afirmar neste espaço que a hipocrisia que reside em Filipe Nyusi é de tal modo grave que conseguiu fazer um discurso de integridade num dia, e no dia seguinte conseguiu nomear como ministros antigos credores, filhos dos amigos e os moços que transportavam os seus recados. Para acomodar amigos, conseguiu até criar Ministérios sobre os quais ninguém é capaz de explicar qual é a sua função. No mesmo discurso em que apela para o combate ao despesismo e à corrupção, onde cabem as luxuosas viaturas do menino Florindo? Diga-nos, senhor Filipe Nyusi, como é que consegue ir visitar uma escola onde as crianças se sentam no chão, quando, na sua residência, tem na garagem um McLaren ou um Ferrari de cinco milhões de randes? Como é que o senhor Filipe Nyusi consegue dizer que o Estado não tem dinheiro para prover transportes aos moçambicanos quando o seu filho faz corridas com um carro de 7 milhões de meticais? Não é um carro que usa para viagens, é um carro para, com ele, ir beber e levar as namoradas. A única mensagem que o menino Florindo Nyusi está a dar aos moçambicanos é que o pai anda a mentir e a fingir, quando anda em escolas sem carteiras, e quando existem pessoas a morrerem por falta de um aparelho de medição de tensão arterial. É tudo uma fraude. A ostentação do filho de Nyusi é a fiel representação dos ricos dos países pobres descrita pelo escritor angolano José Agualusa. Não há estradas no seu país nem um sistema de transporte, mas ostenta viaturas que os filhos dos donos das fábricas nem têm. Por acaso, o senhor Filipe Nyusi sabia que a chanceler Alemã, a dirigente máxima do país que fabrica esses carros de luxo não anda de McLaren? Não queremos imaginar o que fariam os Florindos e Florindas desta vida, se Nyusi fosse presidente da Alemanha, nas mesmas condições de falta de probidade e de ética iguais às de Moçambique? Poderá o senhor Nyusi explicar-nos de onde vieram aqueles “Bestas”? Tem mais: daqueles carros todos, nenhum deles pagou impostos em Moçambique. Na Direcção do Registo Automóvel não está registado nenhum daqueles carros. De onde vieram? E porque não há registo de Florindo ter um emprego sério, a única alternativa que nos resta é que os carros são presentes do “papá presidente”. O senhor Nyusi nunca foi empresário de sucesso para ter fabulosos lucros para adquirir aquelas viaturas. Até chegar onde chegou, foi director dos Caminhos de Ferro de Moçambique, foi ministro da Defesa e ponto final. São estes os altos cargos que ocupou até chegar à Ponta Vermelha. Não será o dinheiro da EMATUM que comprou aqueles carros? Não será o dinheiro das comissões de compra de armas e outro material bélico que comprou aquelas viaturas. Poderá o senhor Nyusi ser capaz de explicar ao público onde o Florindo apanhou aqueles carros? Nesta semana, o senhor Nyusi andou indignado com o filho do presidente Zuma, que deu ordens para os sul-africanos assassinarem estrangeiros. Muito bonito. Mas quando os nossos compatriotas morrem nos hospitais por falta de medicamentos, porque o dinheiro foi usado para comprar os Ferraris e McLaren para o Laurindo, parece-nos uma outra versão de xenofobia, interna, em que se mata uns, para os outros terem uma vida de lorde. Até uma explicação plausível desta vergonha, não haverá diferença entre os que ordenam matanças e os que condenam os seus compatriotas à morte para sustentarem o seu luxo. A diferença está no método. Definitivamente, os ricos dos países pobres são uma fraude. 

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