segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Ministro da Defesa Nacional em discurso directo: O AGP fragilizou as Forças Armadas

Oministro da Defesa Nacional (MDN), Ataná- sio Salvador M`tumuke, disse em entrevista ao SAVANA que o Acordo Geral de Paz (AGP), assinado no dia 4 de Outubro de 1992, na cidade italiana de Roma, fragilizou as forças armadas constituídas depois da independência nacional. Major-General na reserva, M`tumuke, um antigo combatente da Luta Armada de Libertação Nacional e, por muito tempo, um dos delfins militares de Samora Machel, entende que a pacifica- ção de Moçambique não podia significar a destruição do exército. Lembrou que no mundo houve várias situações de países em conflito, mas que finda a guerra não se desorganizou o exército para formar um novo. Na mesma entrevista, Salvador M`tumuke fala das ameaças da Renamo e diz que as mesmas não constituem nenhum perigo para a soberania nacional. Visto como um dos elementos do “núcleo duro” de Filipe Nyusi, contudo não propriamente belicista, apesar de ser um militar, muito respeitado entre os seus pares, M`tumuke garantiu que o Governo não vai forçosamente desarmar a Renamo, “a natureza é que se encarregará de fazer justiça”. O senhor foi um dos protagonistas da Luta de libertação Nacional, que culminou com a independência nacional em 1975. Hoje (25 de Setembro) as Forças Armadas completam 51 anos. Que momentos lhe marcaram durante esses anos? Entrei na luta de libertação nacional em 1966, dois anos depois do início da luta, com 16 anos. Éramos um grupo de 12 miúdos de Cabo Delgado que vinha do Instituto moçambicano onde chegámos em 1965. Em 1966 chegá- mos a Nachingwea onde encontrá- mos uma companhia a treinar há um mês. Em princípio eram três meses de treinos, mas como chegámos no meio, treinámos dois meses. A nossa companhia era liderada por Eduardo da Silva Nihia coadjuvado por Matias Nyuma, já falecido. Findos os treinos, fomos destacados para a província do Niassa. Nihia era chamado por comandante Ntonto que em swahili significa baixinho. Onde o senhor estava quando a luta iniciou? Estava em Moçambique porque o plano inicial era de seguir para a escola normal de formação de professores indígenas de Imbui, no distrito de Mueda, mas não pude ir porque foi assassinado um padre e aquilo afectou a minha mãe que não quis que eu fosse para lá prosseguir com os meus estudos. Ainda há muitas contradições sobre onde efectivamente foi dado o primeiro tiro. Chai carrega apenas um valor simbólico, um valor histórico ou na verdade foi ali onde tudo começou? O primeiro tiro foi de facto no dia 25 de Setembro de 1964 por volta das 18/19 horas em Chai e foi o general Alberto Chipande que dirigiu essas operações. Agora, é normal que na tentativa de busca de protagonismo cada um fale o que lhe apetece. Na guerra há uma doença que se chama medo e não podia não haver do nosso lado medrosos, mas hoje podem aparecer e dizer que fiz isto ou aquilo e quando é devidamente questionado gagueja. A história oficial conta que a 1 de Agosto de 1974 travou-se uma batalha decisiva em Namatil para o fim da luta armada, mas há outras correntes que negam isto, alegando que o conflito já havia terminado desde Maio do mesmo ano. De que lado está a verdade? Os que falam disso devem ser pessoas que não são patriotas e não têm auto estima. Namatil era uma das sete guarnições que estavam ao longo do rio Rovuma. Que são: Negumane, Nhazone, Mocímboa do Rovuma, Omar que é Namatil, Nangade, Pundanhar e Palma que estando em Tanzânia via-se a iluminação destes quartéis. Na segunda quinzena de Maio, o presidente Samora ordena Chipande para me dar a missão de acabar com Omar. Mesmo sabendo que era difícil aceitei a missão, porque não se nega perante o chefe. Preparámo-nos nesse sentido e para tal criámos três grupos de reconhecimento, compostos por três indivíduos. Cada grupo tinha a sua direcção, todos iam no mesmo dia em direcções diferentes, ao regressar cada um apresentava o seu relatório, mas não sabia da existência dos outros grupos. Depois havia uma troca de posi- ções entre os grupos, mas todos eles não se conheciam. Recolhía- -mos os dados e registávamos para ver se este estava a mentir ou não. Foram dados que nos garantiram a vitória de Omar. Como isso se efectivou? Portanto, no dia 28 de Julho fomos fazer reconhecimento do comando e levámos os comandantes das companhias para conhecerem as suas posições. É preciso notar que onde há guerra há aquilo que se chama doença de medo e para evitar que o comandante chegasse no terreno e dizer que perdeu a direcção da sua posi- ção, cada um tinha de conhecê-la perfeitamente. Nesse dia vinham seis helicópteros que vinham abastecer Omar, nós estávamos numa elevação e ficámos satisfeitos porque tínhamos a certeza de que todos aqueles mantimentos seriam consumidos por nós. Mas, a ideia foi de usar o 25 de Abril para fragilizar psicologicamente as tropas coloniais. A táctica era de chamá-los e dizer “Atenção soldados do exército português, aqui fala Frelimo, todos estão cercados pelas Forças Populares de Libertação de Moçambique. No vosso país não existe fascismo, foi derrubado no 25 de Abril. Não informem o vosso comando porque nós controlamos a terra e o ar, rendam-se todos. Cumpriram com o apelo e renderam-se”. As companhias tinham um total de 600 guerrilheiros contra 157 soldados portugueses, apesar de hoje falarem de 137. Um antigo militar colonial português escreveu um texto no qual dizia que desde Maio de 1974, já não havia conflitos armados e principalmente em Cabo Delgado... Não é nada disso. Nesse mês de Maio o comandante Português do sector C de Mueda chamado Monteiro, escreveu uma carta onde dizia que eles já não queriam combater e enviou essa mesma carta ao chefe do departamento de defesa da província, já falecido. A carta foi entregue tardiamente ao presidente Samora Machel porque já nos tinha dado essa missão de atacar Omar. Os preparativos e reconhecimentos tinham já iniciado e logo no primeiro mês tínhamos todos os dados detalhados de que íamos ocupar. Nessa altura não estavam em curso as negociações rumo aos acordos de Lusaka? As negociações estavam a decorrer secretamente e não tínhamos conhecimento. Há criminosos que se escondem nas FDS Durante dois anos houve um conflito entre as tropas governamentais e homens da Renamo. Nesse conflito a imagem das FADM foi muito banalizada, falou-se de tropas que fugiam em debandada e sem disciplina. Será que podemos confiar nas nossas FADM? Já ouviste dizer que o território moçambicano foi ocupado, nem que seja um metro pelo inimigo desde a proclamação de independência nacional? Há razões para confiar nas nossas forças armadas. Mas o líder da Renamo disse que eram miúdos mal treinados. Vangloriou-se de ter assaltado quartéis para levar armas… O líder da Renamo não é proibido de falar. Todos sabemos que quando abre a boca fala o que fala. O jornalista deve ser patriota, não deve falar de banalização das nossas tropas. Um ou dois bandidos podem fazer emboscada e desaparecerem, podem atacar um autocarro e matar pessoas. Isso aconteceu e é de difícil controlo. Actualmente verifica-se que muitos jovens vão às FADM como uma alternativa ao emprego, facto que contribui para a degradação dos valores morais no exército. O que está sendo feito para que as FADM sejam um motivo de orgulho nacional. É verdade que não há emprego e muitos jovens refugiam-se tanto nas FADM assim como na PRM. Muitas das actividades criminosas são praticadas por indivíduos que requereram para ingressar nestas unidades que no fundo não sabemos do seu passado e muitas das vezes são bandidos, ladrões e nos criam esses problemas. Justamente por isso, há duas semanas a PRM anunciou a expulsão de cerca de 671 membros seus. Agora temos de passar a fazer análise para poder minimizar essa situação. Assim, temos de procurar saber de onde vem essa pessoa que quer integrar as Forças de Defesa e Segurança. Já houve casos de alguns militares que depois de cumprirem o serviço militar obrigatório (SMO) requereram entrar na PRM, alguns antes mesmo de terminarem faziam-se passar de boas pessoas que fundo não são. Para nos precavermos disso, temos de passar a dar informações correctas sobre os nossos elementos. Aprendemos que a farda militar transmite outra postura às nossas forças, mas hoje os soldados bebem mesmo fardados. O que está sendo feito. A questão que se coloca é a origem da pessoa. Alguns pais vêm nos pedir para colocarmos os filhos na tropa porque não conseguiram educar. Se um indivíduo não foi bem educado pelos seus pais, chega a tropa e escapam-lhe os ensinamentos, este nunca vai deixar essas atitudes, mas garanto que estamos a tomar medidas. Antes não tínhamos polícia militar, agora temos e está a trabalhar no sentido de identificar seus colegas mal comportados. Nos últimos tempos há muitos relatos de militares que espancam nas populações ao invés de preservarem as forças para combater a integridade territorial. O que está sendo feito para colmatar esses actos. Geralmente batem nas populações enquanto estão alcoolizados. Há punições severas sim e outros são expulsos, acabo de assinar cinco despachos de expulsão por comportamentos de género. Medidas estão sendo tomadas e queremos uma imagem que dignifique as FADM.
O AGP fragilizou as Forças Armadas Logo depois da assinatura dos Acordos Gerais de Paz (AGP), assistimos uma estagnação de investimento nas FADM, qual é o actual cenário? O AGP determinava numa das cláusulas a extinção das FADM. Vocês deviam pegar aí e ter um bocadinho de informação de todas as guerras no mundo que quando terminam assina-se o acordo de paz, mas não se extingue as forças armadas. No nosso caso a ideia era extinguir as forças armadas e formar outras com base partidária (Governo e Renamo). Para além de ter havido intenções muito claras dos patrões daquele senhor (Dhlakama) porque durante as negociações em Roma diziam que era preciso ter forças armadas porque os países da região são vossos amigos (RSA, Zimbabwe, Malawi, Tanzânia), mas eram vozes dos seus patrões que diziam isso. Depois chegámos ao acordo de ter uma força composta por 30 mil homens. Acha que foi um erro criar forças armadas compostas por efectivos das duas partes? Não foi, mas o plano foi feito para poder enfraquecer as forças armadas. Mas quem são esses patrões? Vocês não conhecem? Não. Vocês são cientistas sociais, investiguem. O Acordo Geral de Paz previa um exército republicano constituído por 30 mil efectivos vindos das duas partes ora em conflito. No entanto, essa cifra nunca foi atingida. De lá a esta parte muitos jovens ingressaram nas forças armadas. Qual é o efectivo actual do exército moçambicano? Por razões estratégicas não podemos dizer quantos homens temos. Quanto ao facto de não se ter conseguido atingir a cifra dos 30 mil homens previstos nos acordos Roma, podemos dizer que o principal responsável é a Renamo. Dos quinze mil homens que devia entregar apenas apresentou cerca de três mil. Um número muito abaixo da metade. Entregaram- -nos esses homens apenas porque não tinham mais por razões que todos conhecem. Mesmo agora, se eles não nos conseguem entregar as tais forças residuais é porque não têm. Mesmo a paridade que eles reivindicam nas forças armadas não estão de condições de responder. Ademais, é preciso verificar que a guerra terminou em 1992, portanto há 23 anos, pelo que, em condições normais todas as for- ças residuais da Renamo deviam estar em idade avançada. Porém, até hoje o seu presidente aparece nas suas escoltas com seguranças jovens, moças gordinhas e bonitas bem aprumadas de 23 a 25 anos. Isso é estranho. Onde é que arranja esses jovens? Será que está a fazer novos recrutamentos? Não sei, pergunte ao próprio Dhlakama onde arranja essas pessoas. …Mas é da responsabilidade do Estado estar a par dessas movimentações tendo em conta que até podem pôr em causa a soberania nacional. Isso não é problema de Estado. O problema está no Acordo de Paz que determinou que Dhlakama devia ter sua segurança e não especificou o número de efectivos. Por causa dessa lacuna, hoje aparece com cinco seguranças, amanhã com 20 e depois com 50 elementos. Isso não constitui ameaça? Não. Então que ameaças se colocam à soberania nacional? O que vos posso dizer é que estamos atentos para qualquer ameaça. Quer ao nível nacional bem como da região. Somos membros da SADC e ao nível da região temos boa cooperação em todas as áreas incluindo militar. Há exercícios militares constantes como forma de nos preparar para garantir a nossa segurança na região. Ao nível da SADC estamos organizados no sentido de intervir em qualquer situação num país ou no noutro país. O quartel de Morrumbala anunciado pela Renamo não constitui ameaça? Nós não estamos preocupados. Aquele senhor quando abre a boca fala coisas que nunca se concretizam, só fala para agradar seus patrões. Primeiro foi Muxúnguè, depois Gorongosa e agora é Morrumbala. Aquele senhor não pode montar nenhum quartel, porque sabe que isso até pode ser perigoso para ele mesmo. Num país não podem existir dois quartéis-generais. Só há um quartel apenas. Qual é a resposta às vozes que entendem que as FADM não são republicanas nem apartidárias, mas obedecem à Frelimo? Não é possível falar de Moçambique, sem mencionar o nome da Frelimo. A Frelimo é que criou as Forças Populares de Libertação Nacional para lutar contra o sistema colonial fascista português. A missão era conquistar a independência e depois, a mesma Frelimo criou as Forças Populares de Libertação de Moçambique. Pelo que, o nome da Frelimo está sempre associado à história do nosso exército. Agora, o Acordo de Paz veio com algumas especificidades que até certo ponto diluíram a essência das forças armadas moçambicanas, mas eram questões do país que tinham de ser aglutinadas naquele momento. O Governo e a Renamo fundiram as suas forças e para acomodar as exigências deste grupo criou-se as Forças Armadas de Defesa de Moçambique. Uma tropa apartidária visto que cumpre apenas ordens supremas. 23 anos depois a marca partidária está a desaparecer porque de lá a esta parte entraram muitos jovens que não têm nada a ver com a Frelimo, Renamo, MDM ou outro partido. Isso só se nota nas posi- ções de chefia, mas que também estão a desaparecer porque vão reformando devido à idade. Isso de que as forças armadas obedecem ordens partidárias é falácia. … Mas a Renamo diz que os seus elementos estão a ser expurgados das FADM. Isso não é verdade. Hoje, (quarta- -feira) patenteamos seis oficiais- -generais. Nesse grupo tinha oficiais vindos do Governo e da Renamo. Há pouco foram para reserva cinco generais todos vindos do Governo, mas vocês nunca falam disso. Só há barulho quando é alguém da Renamo. No exército isso de partidos não existe. Dos seis patenteados apenas um veio da Renamo… O problema de vocês jornalistas é de gostar de contar. O que falhou para que a Renamo não fosse derrotada militarmente na guerra dos 16 anos? Não sei se quando fala de derrota está a dizer que as forças governamentais deviam lutar até conseguir neutralizar o último homem da Renamo. Vocês esqueceram que depois da assinatura dos Acordos Gerais de Paz, a Renamo tentou ocupar os distritos de Memba, Lugela, Angoche e em tempo recorde as forças governamentais recuperaram as zonas ocupadas. Foi fácil porque havia um alvo concreto. Durante a guerra dos 16 anos não havia alvos, um grupo de bandidos chegava, sabotava e depois fugia. É difícil combater sem alvos concretos. A Renamo, através do seu SG, acusou directamente as FADM de terem tentado assassinar Afonso Dhlakama. Que comentários tem a fazer relativamente a este assunto? Quem garante a segurança do presidente da Renamo não são aqueles homens que andam com ele. São as Forças Armadas de Defesa e Segurança. Pelo que se quisessem assassiná-lo podiam ter feito há bastante tempo. As Forças de Defesa e Segurança não estão para assassinar pessoas. Estão para garantir a ordem, segurança e defesa de soberania. São falácias de gente sem dimensão do que está a falar. Acredita que é possível desarmar a Renamo à força ou a via é negocial? O Governo não precisa de desarmar a Renamo e o seu líder forçosamente. A natureza vai encarregar-se de fazer a justiça. A própria idade vai determinar tudo e não terão mais habilidades para continuarem com as suas incursões. O que pensa de Afonso Dhlakama? É uma figura incontornável na construção de um Estado democrático em Moçambique? Para mim Dhlakama não é. Acha que a indicação de Filipe Nyusi para candidato da Frelimo e posterior eleição para quarto Presidente da República é uma recompensa aos makondes pelo esforço que fizeram na guerra? Na Frelimo não se discute questões étnicas. Isso não existe na Frelimo. Na Frelimo só há moçambicanos. Nyusi não foi nomeado, foi eleito. Na mesma linha houve outros candidatos.

Sem comentários: