domingo, 27 de dezembro de 2015

Decisão de Nyusi cria mal-estar no sector judiciário

Indulto de penas para mil reclusos

A decisão do Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, de indultar e comutar penas de pelo menos mil reclusos detidos nas cadeias moçambicanas está a criar um mal-estar no seio de várias instituições do sector judiciário. Ao que o SAVANA conseguiu apurar, junto de vários funcionários da Procuradoria-Geral da República, os magistrados não tinham conhecimento da medida, o mesmo sucedendo com o Tribunal Supremo. Uma fonte que nos pediu sigilo sobre a sua identidade, afirmou que mesmo Benvinda Levy, que agora tutela a assessoria jurídica no gabinete do PR, só terá sido informada “poucas horas antes do informe”. Mesmo ao nível dos serviços prisionais, um sector fulcral na execu- ção da decisão presidencial, reconhece-se que o PR tomou a decisão dentro dos termos da Constituição, sendo que a medida não é inconstitucional, porém, tendo em conta que a lei que rege estas situações é antiga e desfigurada do actual contexto, a decisão presidencial devia ter sido antecedida por uma auscultação muito mais abrangente e através do Conselho de Ministro aprovar-se um decreto que adeqúe a referida lei à realidade actual. No passado dia 16 de Dezembro, o PR anunciou, durante a apresenta- ção do Estado da Nação, o perdão e consequente soltura de mil reclusos em diferentes cadeias nacionais, medida posta em prática esta quinta-feira, numa cerimónia que, entre outros estabelecimentos, ocorrerá na Cadeia Central de Maputo. Na sua argumentação, o estadista moçambicano referiu que, no uso das competências conferidas pela Constituição da República, na sua alínea i) do artigo 159, decidiu extinguir, em parte ou na totalidade, as penas aplicadas judicialmente a mil reclusos. A medida abrange fundamentalmente os reclusos que padecem de doenças graves e terminais, idosos e jovens que, apesar de terem cometido crimes, cumpriram a metade ou quase metade da pena imposta e que se mostrem reabilitados e que estarão prontos a regressar ao convívio social. Para tomar a respectiva decisão, Filipe Nyusi socorreu-se do Decreto-Lei 39.997 de 29 de Dezembro de 1955, publicado no Boletim Oficial nr. 6 de 9 de Fevereiro de 1955, que torna extensivo a Moçambique regime prisional instituído pelo Decreto-Lei número 26.643, de 28 de Maio de 1936. O documento em alusão trata o indulto e a comutação de penas nos artigos 403 a 407, referindo que os indultos são solicitados ao Ministro da Justiça por intermédio dos directores dos estabelecimentos prisionais ou Procuradores da República da respectiva província. O decreto fixa que os indultos são concedidos a 22 de Dezembro, sendo previamente solicitados ao ministério da Justiça até 31 de Maio via estabelecimento prisional e a pedido do próprio recluso. O procedimento presidencial foi feito à revelia destes procedimentos, não se sabendo que instâncias do ministério da Justiça terão estado envolvidas na decisão presidencial. O decreto contendo os nomes dos indultados já foi tornado pú- blico. Porém, ao que o SAVANA apurou, de vários estabelecimentos prisionais há informação de que uma parte dos abrangidos não tem o perfil anunciado por Filipe Nyusi na Assembleia da República. Ensaio de Guebuza A decisão de Nyusi foi no passado não muito distante ensaiada pelo então PR, Armando Guebuza. Porém, antes de usar das suas competências constitucionais para decidir, Armando Guebuza pediu, através do oficio número 205/PR/ GAB/2011, de 02 de Março, um parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre a maté- ria oriunda da Resolução número 47/2010, da Assembleia da Repú- blica que falava da questão dos indultos e comutação de penas. Através do ofício número 135/ GAB-PGR/2011, datado de 22 de Março de 2011, a que o SAVANA teve acesso, a PGR disse, em documento assinado pelo juiz Augusto Paulino, que o indulto e a comutação de penas competem ao Chefe de Estado. Contudo, deve-se aprovar um novo diploma legislativo, com carácter geral, imperativo e abstracto. A PGR aconselhou ao então PR que havia necessidade de se aprovar um novo dispositivo que altere os procedimentos actualmente em vigor e que seja mais adequada à realidade actual. O conselho do PGR fez com que Armando Guebuza recuasse da decisão. A PGR sugeriu na altura que Guebuza, usando dos seus poderes, “influenciasse” a AR no sentido de aprovar uma amnistia e perdão de penas que teria um carácter muito mais abrangente que os indultos, habitualmente incidindo sobre casos individuais e de pouca abrangência, nomeadamente, sobre a diminuição da população carcerária a cumprir pequenas penas. Parecer do SERNAP O SAVANA apurou que, um dia depois do PR anunciar o perdão das penas dos mil cidadãos ora em conflito com a Lei, o SERNAP emitiu um parecer onde refere que o indulto e comutação das penas decretado pelo PR está dentro do princípio da legalidade e obedece os preceitos actualmente em vigor no ordenamento jurídico moçambicano. Contudo, chama à atenção dos passos processuais já enunciados no decreto 26643, o que, em termos práticos, acaba por tornar claro que eles não foram observados na presente decisão presidencial. O SERNAP é da opinião que primeiramente devia ser seguido de elaboração de um regulamento actualizado sobre este instituto. O mesmo parecer continua referindo que poderia ser aprovado pelo Conselho de Ministros através de um Decreto e tendo como base a Lei actualmente em vigor sobre a matéria. Porém, continua, o melhor seria a aprovação do Código de Execução das Penas Privativas e não Privativas da Liberdade, onde o instituto viria bem definido e com base no Regulamento próprio do Código e se estabeleceria a forma actualizada deste processo. Esta quinta-feira, vai se saber se as ordens de soltura dos abrangidos pelo indulto serão assinadas por juízes ou simplesmente por via administrativa, pelos directores dos estabelecimentos prisionais. Pelo menos dois magistrados, que solicitaram a omissão da identidade, disseram ao jornal que não vão estar presentes à cerimónia, pois consideram que o processo não seguiu os trâmites legais exigidos.

Inevitável - O SAVANA vai custar 40

Não há volta a dar. O reboliço provocado na economia e no metical por quem deveria acautelar o bem-estar dos mo- çambicanos fez disparar o preço do jornal, que há mais de 21 anos chega todas as semanas às mãos de milhares de moçambicanos. Já antes da “semana maluca” que fez disparar o dólar para os 57 meticais e o rand para os quatro e meio, o preço de produção de um exemplar do SAVANA nos custava 42 meticais ( Jan. 2015). Ora, o preço de capa são 30, mas na prática essa é a revenda pois os ardinas recebem-no a 24. Apesar de imprimirmos na África do Sul, apesar de vivermos paredes-meias com o “mukhero” que oportunisticamente puxou batatas e cebolas para os mesmos 100% de franquia sobre os preços de aquisição aos “farmeiros” da África do Sul, a empresa “engoliu” estoicamente, nos últimos meses, o preço do rand que galgou dos 3,10 MT. para os 4,30MT. Produzir jornais não é importar arroz ou trigo, a fonte de algumas fortunas locais vivendo à sombra do dólar manipuladamente barato. Mas não podemos resistir mais. Em Outubro, aumentámos o preço das assinaturas, em linha com o novo preço de capa, 40 meticais, um preço bem abaixo dos nossos actuais encargos. Por isso, contamos com o peso e apoio dos nossos fiéis anunciantes para equilibramos a factura e continuar a dar ao público aquela informação que é nosso timbre e motto. Desde já, obrigado pela vossa compreensão.

Os nossos países estão de pernas para o ar 
Maria de Lourdes Torcato

A Matola tem agora um monumento e edifício anexo que muito valoriza (ou podia valorizar) o Município. É aquele que este ano foi inaugurado pelos Presidentes de Estado e Governo de Moçambique e da África do Sul, Filipe Jacinto Nyusi e Jacob Zuma. Aqui desafio os residentes e visitantes a irem ver e constatar que, para erguer estruturas vistosas em cimento armado, estamos na vanguarda. Os arquitectos desenham, os engenheiros dimensionam as estruturas e os construtores levantam-nas para todos nós, e até turistas de fora, nos deslumbrarmos. Este, ainda por cima, é uma homenagem à nossa história comum de sofrimento, sangue e martírio de heróis. Há dois fins-de-semana um amigo meu, pessoa orgulhosa da sua mento com legenda explicativa - punha em evidência a silhueta da África do Sul e de Moçambique que conhecemos dos mapas do Mundo, mas ao contrário. Isto é: lá em cima ficava o Cabo que já foi da Boa Esperança, e cá em baixo à direita, estava o Rovuma. O meu amigo explicou que o monumento já estava contruído quando foi tirar uma foto para mandar à família e viu a “bronca” (achava ele). Falou com gente grande do Município da Matola: “Já viram aquele engano? Felizmente ainda se pode corrigir antes de ser inaugurado.” Pois quando o monumento foi inaugurado quatro anos depois, ainda estava na mesma. Pediu opinião a conhecidos e amigos e a resposta, enfadada, própria de ressabiados, era de que se tratava de uma indirecta aos partidos dominantes nos países representados: ANC ficasse abaixo de Moçambique como está no Mapa – que logo se vê, foi feito por “estrangeiros”. E no mapa fica-se com a péssima impressão que Moçambique “escorre” para cima da África do Sul. Corrigiram e assim como está põe as coisas numa melhor perspectiva: é a África do Sul que deixa cair as suas benesses para cima de Moçambique. Larguei logo um “que disparate! Há-de haver uma melhor explicação.” Desafio os leitores a darem a sua contribui- ção. O SAVANA tem facebook.

O grupo dos mediadores nacionais do diálogo político entre o governo e Renamo convocou a imprensa, esta quarta-feira, para negar que o recado emitido semana passada pelo Presidente Filipe Nyusi, dando conta que os intermediários não transmitiam fielmente a informação às partes devido ao protagonismo que pretendem ganhar no processo, não era dirigida a eles. Argumentam que aquela mensagem era direccionada aos intermediários e não aos mediadores ou observadores, designações oficialmente atribuídas e que constam nos termos de referência do diálogo político. “Alguns intermediários, devido à importância que pretendem ganhar neste processo, por vezes, não transmitem fielmente as mensagens emitidas pelas partes envolvidas”, lamentou Filipe Nyusi, num encontro com o corpo diplomático, sexta-feira passada, mas sem, no entanto, apontar nomes. Desde Outubro passado, o partido de Afonso Dhlakama vem exigindo a retirada do grupo composto pelo professor Lourenço do Rosá- rio, Dom Dinis Sengulane, Padre Filipe Couto (ausente na conferência de imprensa), Reverendo Anastácio Chembeze e Sheik Sa- íde Habido como mediadores do diálogo político com o governo. O maior partido da oposição declarou personas non gratas aos mediadores, alegando que foram coniventes no cerco à casa do seu líder da cidade da Beira, após a sua saída das matas da Gorongosa. Questionados acerca destes pronunciamentos de Nyusi, os mediadores disseram que não eram o principal alvo daquele discurso, porque o mesmo é dirigido aos intermediários. Anastácio Chembeze justificou que oficialmente o seu grupo é designado de observadores ou mediadores e não de intermediários. “O chefe de Estado foi bastante claro e não temos dúvidas de que o que ele disse era dirigido aos intermediários. Não falou de mediadores nem de observadores que somos nós. Por isso tenho muitas dificuldades de comentar porque não nos revemos naquele discurso”, disse. Em forma de insistência, Lourenço do Rosário também entrou no jogo e disse: “a indicação que temos vinda da presidência é que toda a gente sabe que para além de nós que fomos convidados oficialmente para participarmos do diálogo, há muitas outras pessoas e grupos que se têm estado a movimentar à volta desta questão da paz. Como o presidente não falou de mediadores ou observadores naturalmente não nos revemos nessa pele de sermos intermediá- rios”, reagiu. Tanto Lourenço do Rosário bem como Anastácio Chembeze escusaram-se a citar nomes das tais outras pessoas e grupos que se têm movimentado em prol da paz ou que integram o grupo dos intermediários. Ademais, referiram que, caso Nyusi tivesse algum problema com eles, os teria chamados como tem feito. Que a Renamo traga provas Na verdade, o principal objectivo da conferência de imprensa era de reagir às alegadas acusações da Renamo em torno da conivência dos mediadores no cerco à casa de Afonso Dhlakama, na rua das Palmeiras, na cidade da Beira. Saíde Habido desafiou a Renamo a apresentar provas do envolvimento deste grupo naquela operação ou que tinha conhecimento do plano governamental de cercar a casa de Dhlakama. Os mediadores apontam que também foram colhidos de surpresa com o sucedido na Beira. Isto porque foi a própria Renamo que os convidou para testemunhar a saída do seu líder das matas da Gorongonsa, sendo que ficou acordado que a missão terminaria após a sua chegada naquela cidade. Acrescentam que no encontro havido com a Renamo foi firmado que este partido e o governo haveriam de coordenar e operacionalizar a missão. Depois de sair das matas e chegados à segunda maior cidade do país, Afonso Dhlakama solicitou um encontro com os mediadores, que se deveria realizar por volta das 10:00 horas, do dia seguinte, cujo objectivo era entregar-lhes uma mensagem para Filipe Nyusi. Logo nas primeiras horas do dia seguinte, após a saída de Dhlakama, dizem os mediadores que receberam chamadas telefónicas dos membros da Renamo informando-os sobre o bloqueio da casa do seu líder, tendo de imediato se dirigido ao local para resolver o problema, facto que se veio materializar a posterior. Assim, dizem não perceber o discurso da Perdiz pelo que “não aceiMediadores dissipam eventuais equívocos Por Argunaldo Nhampossa tamos e nos distanciamos dos pronunciamentos que atentam contra o nosso bom nome, honra e dignidade perante as nossas famílias, instituições públicas e privadas e toda a sociedade no geral”. O grupo chefiado por Lourenço do Rosário exige também que a Renamo faça um ofício por escrito comunicando a sua dispensa, alegando que foram convidados para aqueles postos formalmente e não podem ser dispensados via conferência de imprensa. Pacheco impôs mediadores Depois de na segunda-feira o porta-voz da Renamo, António Muchanga, ter chamado de aprendizes os mediadores e exigir a sua substituição pela Igreja Católica e pelo Presidente sul-africano, Jacob Zuma, esta quarta-feira o SAVANA ouviu novamente Muchanga para saber das provas exigidas pelos mediadores sobre o seu envolvimento nos incidentes da cidade da Beira. Muchanga disse que a integração dos observadores naquela missão foi imposta por José Pacheco, na qualidade de chefe da delega- ção do governo nas negociações, porque para eles o ideal era que a missão fosse liderada pela União Europeia com a qual mantiveram um encontro. O porta-voz da Renamo aponta que a União Europeia disse que não podia agir sem o mandato do governo, mas propunha a Cruz Vermelha para o resgatar a um exí- lio, facto que a Perdiz negou. Assim, retomando as conversações com o governo, Muchanga diz que o ministro Pacheco recomendou a Renamo a trabalhar com os mediadores e não com entidades estrageiras, alegando que caso não fosse obedecido o governo não se responsabilizaria pelas consequências. Refazendo o seu discurso, diz Muchanga chamou os mediadores de aprendizes porque nada sabem sobre assuntos militares e foram usados pelo governo sem se aperceberem. No que toca às provas de envolvimento dos mediadores naquele cerco, atira as culpas a Lourenço do Rosário que deu uma entrevista ao SAVANA sugerindo isolamento de Afonso Dhlakama pelos seus generais, enquanto que Dinis Sengulane fez uma oração louvando Filipe Nyusi, que perpetrou duas emboscadas contra Dhlakama. De seguida pediu desculpas ao Sheik Saíde Habido, Anastácio Chembeze e Padre Filipe Couto pelas acusações feitas. -O docente universitário João Pereira classifica as declarações do presidente da República e a proposta da Renamo em torno da substituição da equipa dos mediadores como um bode expiatório para justificar o falhanço nas negociações. Entende o académico que, sacrificando o grupo dos mediadores do chamado diálogo político, as duas partes procuram uma nova plataforma para avançar depois da estagnação. Diz que se trata de uma situação em que se procura um bode expiatório, porque logo após a tomada de posse o presidente da república, Filipe Nyusi, reuniu- -se por duas vezes com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, onde este apresentou todas as suas preocupações sem que houvesse mediação. Segundo o politólogo, pelo facto de Nyusi ter exercido o cargo de ministro de Defesa, tem a dimensão das preocupações da Renamo principalmente no que diz respeito à integração dos seus quadros naquelas fileiras. Assim, avança que esta é mais uma estratégia de tirar Dhlakama das matas para desanuviar a tensão política existente país que se foi arrastando devido à ausência de tolerância política. João Pereira, que também é director executivo da Fundação Masc, diz que parece que há uma concertação entre o governo e a Renamo que ao mesmo tempo crucificam os mediadores, mas adverte que se trata de uma estratégia quando não se encontra resultados. Isto porque a Renamo escolhe os bispos católicos para entrarem como mediadores, mas se estivessem no diálogo e criticado a postura deste partido por não se desmilitarizar hoje estaria também a exigir a sua queda. No que toca à escolha de Jacob Zuma para integrar a equipa de mediadores, Pereira diz que é provável que o maior partido da oposição venha a morrer pela própria boca. Segundo o politólogo, Zuma é altamente contestado no seu país e na região austral com o agravante de ser um grande aliado da Frelimo. Esta situação junta-se ao facto de ter participado na mediação do conflito político zimbabweano que colocou frente a frente o Zanu PF de Robert Mugabe e MDC de Morgan Tsvangirai. O académico diz que aquela mediação não trouxe resultados palpáveis para a democracia daquele país, uma vez que se limitou na acomodação dos membros do MDC nas elites do poder. Recordou que depois disso o MDC ficou destruído devido ao comportamento que os seus membros adoptaram após a acomodação. “Será que a Renamo também pretende nos mostrar que o seu principal objectivo é a acomodação dos seus membros e não uma democracia justa?” questionou. Para João Pereira, é chegada a hora da Renamo apresentar propostas profundas de reformas democrá- ticas e não medidas paliativas, tal como aconteceu com a integração de uma boa franja dos seus membros na Comissão Nacional de Eleições (CNE), que na prática não trouxe nada de novo. em hasta pública O presidente do Partido para Paz Democracia e Desenvolvimento (PDD), Raul Domingos, lamenta a condenação dos mediadores em hasta pública pelo Presidente da República. Domingos refere que o chefe de Estado tem autonomia para fazer mexidas sem justificar a ninguém, tal como faz com os membros do governo e poderia ter seguido o mesma via, do que menosprezar o trabalho que uma equipa que conseguiu viabilizar as eleições através do acordo de cessação das hostilidades militares. No entanto, o político diz que pode ser uma estratégia para desacreditar de uma vez para sempre os mediadores, uma vez que foram chamados de personas non gratas, pelas populações da cidade da Beira, aquando do cerco à casa de Dhlakama, e assim abrir um novo espaço para viabilização das negociações que se encontram encravas. Mas apela para que os mediadores tirem o maior proveito deste momento para esclarecerem ao povo moçambicano o que terá acontecido na cidade da Beira, se já conheciam o plano de “abater” Dhlakama ou também foram pegues de surpresa.

O ano 2015 está prestes a findar e, tal como noutros, factos relevantes marcaram o ano quer na vertente positiva bem como na negativa. A incerteza política resultante da crise pós-eleitoral, a tomada de posse do quarto presidente da República, na história de Moçambique independente, o início de fun- ções do novo Governo e da oitava legislatura, as cheias na bacia de Licungo, os ataques ao líder da Renamo são parte dos vários marcos que mais se notabilizaram em 2015. -O país começa o ano com um novo rumo político. A tomada de posse de Filipe Nyusi como novo Presidente da República, depois de ter sido proclamado vencedor das eleições presidenciais de 15 de Outubro de 2014. -Antes de Nyusi ser empossado, a oitava legislatura iniciou funções sem a bancada parlamentar da Renamo que recusou integrar o órgão por não concordar com os resultados das eleições gerais. 2015: um ano difícil Por Raul Senda -O início do ano foi também marcado por dois encontros entre o Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, e o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, para desanuviar a tensão provocada pela crise eleitoral, onde a Renamo exigia governar nas províncias onde saiu vencedora. de Maputo. Cistac vinha travando uma azeda discussão, em matéria constitucional, com elementos do famigerado G40, sobre a abertura da Constituição, para integrar as exigências da Renamo. -A bancada da Renamo submete junto ao Parlamento o projecto das regiões autónomas com a nova designação de autarquias provinciais. -A bancada parlamentar da Frelimo chumba a proposta da Renamo e Dhlakama intensifica incursões pelo país ameaçando governar à força nas províncias onde supostamente saiu vitoriosa. -O mês de Abril é marcado pela primeira deslocação de Beatriz Buchile, na qualidade de Procuradora Geral da República, ao parlamento onde foi apresentar o informe sobre o estágio da justiça. -Nyusi segue as pedaladas de Armando Guebuza e lança a dispendiosa Chama da Unidade, mas muda o local do evento do distrito de Nangade para a sua terra natal, Mueda. -Debaixo da tensão política, Mo- çambique celebra efusivamente, em Junho, os 40 anos da independência nacional. -O metical começa a registar os primeiros sinais da depreciação perante o dólar americano e o Euro. -Sem sucessos plausíveis, o Banco de Moçambique toma medidas administrativas para bloquear o arrasamento da moeda nacional. -No mês de Julho, Maria da Luz Guebuza, antiga primeira-dama, renuncia à presidência da Organização da Mulher Moçambicana, uma das organizações de massas do partido Frelimo. -Governo ordena a retirada da protecção policial ao líder da Renamo, Afonso Dhlakama. -O mês de Agosto começa com a suspensão do diálogo político entre a Frelimo e a Renamo no Centro de Conferências Joaquim Chissano. A ordem de interrupção do diá- logo veio do presidente da Renamo, alegando que o mesmo não estava a produzir resultados desejáveis. -Filipe Nyusi convida Afonso Dhlakama para um encontro, mas o presidente da Renamo recusa, exigindo agenda clara e concreta. -O Tribunal Judicial do Distrito Kapfumo anuncia julgamento do jornalista Fernando Mbanze e do economista Castel-Branco, acusados de crime de abuso à liberdade de imprensa e contra segurança de Estado. -Nyusi faz as suas primeiras mexidas no Governo, movimentando dois vice-ministros para Institutos Públicos. Assim, Omar Mithá deixou o cargo de vice-ministro de Indústria e Comércio para substituir Nelson Ocuane na presidência do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) e João Machatine saiu de vice-ministro das Obras Públicas para substituir João Ribeiro no Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC). -Agosto termina com a triste notícia do assassinato do jornalista Paulo Machava. -O mês de Setembro é marcado por dois atentados contra o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, na província de Manica. O segundo ataque registado no dia 25 de Setembro culminou com a morte de mais de 20 pessoas entre elementos da comitiva de Afonso Dhlakama e da população bem como no ateamento do fogo contra as viaturas da comitiva presidencial da Renamo. O Presidente da Renamo refugia- -se em parte incerta. -Tribunal iliba Mbanze e Castel- -Branco dos crimes de abuso à liberdade de imprensa e contra segurança Estado. -Dez anos depois, Rosário Fernandes deixa a Autoridade Tributária de Moçambique. Para a sua posi- ção é indicada Amélia Nakhare, então vice-ministra de Economia e Finanças. -Duas semanas depois do seu desaparecimento público, o líder da Renamo é resgatado das matas da Gorongosa, província de Sofala, e levado para a cidade da Beira numa operação que envolveu mediadores e jornalistas. -Um dia depois de sair das matas da Gorongosa, mais concretamente no dia 09 de Outubro, a residência do presidente da Renamo, na cidade da Beira, é cercada por Forças de Defesa e Segurança onde desarmaram a sua guarda. -Dias depois, o líder da Renamo deixa a sua residência na Beira e regressa à parte incerta. -Ainda no mês de Outubro, o Governo anuncia o pagamento da primeira tranche da dívida da Ematum. -Nyusi reconhece, dez meses depois de tomar o poder, que encontrou cofres de Estado totalmente vazios. Isto é, o Governo de Armando Guebuza deixou o Estado sem dinheiro. -Bispos católicos questionam incongruências do governo na resolução da crise político-militar e prontificam-se a mediar a crise. -Filipe Nyusi desloca-se, pela primeira vez, ao Parlamento para anunciar que ainda não está satisfeito com o Estado da Nação. -Renamo propõe Jacob Zuma, presidente da África do Sul, e a igreja católica para mediar a crise político-militar em Moçambique. -Enquanto Nyusi era empossado em Maputo, as bacias de Licungo, na província da Zambézia, e Limpopo, na província de Gaza, e também a província de Niassa eram assoladas por fortes chuvas e enxurradas que destruíram várias infra-estruturas públicas, linhas de transporte de energia eléctrica, culturas de rendimento, perdas de vidas humanas e deslocação de várias pessoas. -Ainda no mês de Janeiro, inconformado com o desfecho do processo eleitoral de 2014, Afonso Dhlakama inicia um períplo pelo país com intenção de divulgar o projecto das províncias autónomas ao mesmo tempo que ameaçava a ingovernabilidade do país. -Intoxicação alcoólica deixa luto e dor no distrito de Chitima, província de Tete. Perto de 100 pessoas perderam a vida depois de consumir uma bebida alcoólica tradicional contaminada, denominada Pombe. -No encontro dos dois líderes fi- cou definido que a Renamo devia submeter o seu projecto ao crivo da Assembleia da República. Para tal, os deputados da Renamo deviam tomar posse naquele órgão, facto que se veio verificar pouco depois do segundo encontro dos dois responsáveis. -Dhlakama anunciou ainda o reatamento do diálogo político entre o Governo e a Renamo, no Centro de Conferências Joaquim Chissano. -O terceiro mês do ano, Março, foi marcado pela queda de Armando Guebuza da presidência do partido Frelimo, cargo que vinha ocupando desde Setembro de 2006. Armando Guebuza foi substituído por Filipe Nyusi, numa controversa sessão do Comité Central, onde o antigo PR tentou resistir à sua sucessão. -No mesmo mês, enquanto o ano judicial era oficialmente aberto, desconhecidos ainda a monte assassinavam o académico Gilles Cistac, na zona nobre da cidade Enquanto Filipe Nyusi era empossado como PR, as águas do rio Licungo faziam das suas, pondo abaixo várias infra-estruturas e provocando mortes e deslocados O ano de 2015 começa com a investidura de Filipe Nyusi como novo presidente da República Filipe Nyusi, Presidente da República, e Afonso Dhlakama, Presidente da Renamo, procuram desanuviar a tensão pós-eleitoral.

Foi, nesta segunda-feira, 21 de Dezembro de 2015, inaugurado um dos mais emblemáticos e históricos jardins botânicos de Maputo, o Jardim Tunduru. Agora com uma nova imagem, a reabilitação do jardim, localizado na baixa da cidade, custou cerca de 170 milhões de meticais, fundos provenientes dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), Vale Moçambique, Instituto Nacional do Turismo e do Instituto de Investigação Agrária. Durante a cerimónia de inauguração, o Presidente do Conselho Municipal da cidade de Maputo, David Simango, falou da sua importância, referindo que é um dos espaços mais nobres da cidade, um monumento equiparável a edifí- cios como a estação dos CFM, dos paços do Conselho Municipal entre outros locais. “O nosso objectivo, para além da preservação deste maravilhoso espaço, é também devolver aos munícipes um lugar aprazível e inspirador”, disse. Finalizando, Simango destacou Jardim Tunduru entregue aos munícipes que a importância da reabilitação daquele que é o cartão-de-visita da cidade de Maputo é a protec- ção da biodiversidade que contribuí activamente para a educação ambiental. Por sua vez, o PCA dos CFM, Victor Gomes, afirmou: “o Jardim Tunduru, no domínio das suas actividades, para além de proporcionar lazer num ambiente que nos transporta para a beleza da natureza e de ser um espaço propício para a cultura, terá também a função de promover a conservação da biodiversidade e a sensibilização do público sobre a utilidade e o valor dos recursos vegetais para a nossa vida, garantindo, deste modo, a continuidade dos ciclos biológicos da pluralidade das espécies vegetais e o seu processo evolutivo.” Já o director do Instituto Nacional do Turismo, Albino Mahumane, disse: “a reabilitação do jardim reveste-se de uma grande importância para o sector do turismo e irá promover o turismo doméstico e externo e não só. Também servirá de biblioteca para colecta de informação turística por parte dos visitantes.” (Elisa Comé).

Novos caminhos para a paz?

A caminho do seu primeiro ano como Presidente da República, e naquilo que pode ser interpretado como uma gradual conquista de alguma auto-con- fiança, Filipe Nyusi começa a dizer algumas coisas que mostram certo esforço de rotura com o passado. O seu discurso inaugural, no dia 15 de Janeiro na Praça da Independência, é lendário. Foi um discurso de renascimento da esperança sobre um futuro que parecia estar fechado. E todos lhe desejaram sucessos e muita sorte. Talvez por isso mesmo os menos pacientes não tardaram lhe cobrar a dívida. Na Assembleia da República na semana passada, conseguiu contornar o senso comum dos que esperavam que ele dissesse que o Estado da Nação está bom, para depois lhe tratarem como carne moída. Tirou-lhes o prazer, dizendo que apesar do orgulho que tem pelo que tem estado a ser feito, continua insatisfeito com a actual situação no país. Mas foi no discurso que deu ao corpo diplomático e outras personalidades nacionais, nos jardins da Ponta Vermelha, onde ele deixou escapar a sua impaciência pelo decorrer do processo de desanuviamento político no país, possivelmente algumas interferências pelo meio, mas decididamente o facto dos mediadores não serem fieis transmissores das mensagens que cada parte transmite. “Continuaremos a encurtar o caudal dos intermediários para conseguirmos encontros directos com as lideranças envolvidas”, disse Nyusi. “Os intermediários, devido à importância que pretendem ganhar neste processo, por vezes não transmitem fielmente as mensagens emitidas pelas partes”. Esta declaração não deixa margem para dúvida. Ele quer “encontros directos com as lideranças envolvidas”. E pode se compreender aqui que a única liderança é Afonso Dhlakama, o presidente da Renamo. Agora importa saber se este é o mesmo entendimento que Dhlakama tem sobre como o processo de normalização da situação política no país deve prosseguir. A declaração do Presidente Nyusi foi seguida de uma outra, numa conferência de imprensa na última terça-feira, em que o porta voz de Dhlakama, o deputado António Muchanga, prescindia dos préstimos da actual equipa de mediação nacional dirigida pelo Professor Lourenço do Rosário, a favor do envolvimento do Presidente Jacob Zuma, da África do Sul, e da Igreja Católica Romana. A preferência por Zuma apanhou quase todos de surpresa. Não tanto pelo facto de Zuma ser uma figura bastante contestada dentro do seu próprio país, mas pelas relações especiais de amizade e de solidariedade existentes entre a Frelimo e o ANC, de que Nyusi e Zuma são respectivos líderes. O ANC partilha a visão convencional da Frelimo de que a Renamo foi usada pelo antigo regime do apartheid para desestabilizar Moçambique, e por essa via tentar impedir a luta do ANC para a libertação da África do Sul. Estará a Renamo agora preparada a confiar o líder do ANC como um mediador honesto no seu conflito com o governo da Frelimo? Ou ainda, se Muchanga está a ser um fiel transmissor do pensamento do seu líder? Esperemos para ver. 

A expulsão do funcionário ou agente do Estado é injusta e constitui fonte de enriquecimento sem causa do Estado

I. Uma norma que viola o princípio da proibição da dupla sanção pelo mesmo facto ou infracção. Nos termos da alínea f ) do nº 1 do artigo 82 da Lei 14/2009, de 17 de Mar- ço (Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado – EGFAE),“ expulsão consiste no afastamento definitivo do infractor do aparelho do Estado, com perda de todos os direitos adquiridos no exercício das suas funções.” A expulsão é, pois, o tipo mais grave de sanção disciplinar aplicável aos funcionários e agentes do Estado conforme resulta do disposto na alínea f ) do nº 1 do artigo 81 do EGFAE). Do conteúdo legal da expulsão supra pode-se inferir que o funcionário ou agente do Estado sobre quem recai esta sanção disciplinar, para além de ser sancionado pelo afastamento defi- nitivamente do aparelho do Estado é, simultaneamente, sancionado com a perda de todos os direitos adquiridos no exercício das suas funções. Isto signifi- ca que se está perante uma situação em que a lei em questão prevê dupla sanção contra aquele que cometer qualquer das infrações disciplinares descritos no artigo 88 do EGFAE e que dão lugar à sanção de expulsão. Ora, a duplicação de sanção disciplinar administrativa, conforme demonstra ser o caso em apreço, viola o princípio que impende a Administração Pública impor uma segunda penalização administrativa a quem já sofreu uma sanção pela prática do mesmo facto ou mesma infração disciplinar. Aliás, o nº 2 do artigo 81 de EGFAE dispõe que não é lícito aplicar quaisquer outras sanções disciplinares que não sejam as seguintes: advertência, repreensão pública, multa, despromoção, demissão e expulsão. Trata-se de uma enumeração taxativa, o que significa que as infracções que os funcionários ou agentes do Estado cometem podem dar lugar apenas a uma destas sanções, dependendo da gravidade da infracção cometida. Importa notar, a título de paralelismo ao EGFAE, que a Lei do Trabalho – Lei 23/2007, de 01 de Agosto – proíbe a prática da dupla sansão pela mesma infracção disciplinar cometida pelo trabalhador. Ademais, esta lei refere, expressamente, que “a aplicação da sanção de despedimento não implica a perda dos direitos adquiridos pelo trabalhador decorrentes da inscrição do mesmo no sistema de segurança social se, à data da cessação da relação laboral, reunir os requisitos para receber os benefícios correspondentes…” (vide nº 4 do artigo 63 da Lei do Trabalho). Outrossim, importa ainda referir que a nível do Direito Penal é proibida a dupla punição pela prática da mesma infração penal. É o chamado princípio do “non bis in idem” que tem consagração constitucional, uma vez que a primeira parte do nº 3 do artigo 59 da Constituição da República determina que “nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime…” Nestes termos, pela consequente perda de todos os direitos adquiridos pelos funcionários e agentes do Estado vítimas de expulsão, no conteúdo legal desta, está evidente a dupla sanção, o que contraria o princípio da sua proibição. II. O conteúdo da sanção de expulsão viola os direitos adquiridos e promove o “enriquecimento sem causa do Estado” Os direitos adquiridos, incluindo as pensões legais no exercício das funções, podem ser entendidos como aqueles em que o funcionário ou agente do Estado se encontra investido por atribuição legal. O funcionário ou agente do Estado que no exercício das suas funções desconta do seu vencimento determinados valores que lhe dão direito à pensão quando for reformado ou aposentado, uma vez preenchidos os requisitos necessários para o efeito, passa a ter garantia de um direito adquirido na vertente de pensão. Ou seja, é o chamado direito à previdência social que o Estado garante aos seus funcionários e agentes desde que os mesmos satisfaçam os seus encargos legais para a pensão de aposentação. A forma de extinção ou perda dos direitos adquiridos dos funcionários e agentes do Estado, que inclui o direito à pensão de aposentação, não deve ser em virtude da aplicação da sanção disciplinar de expulsão, porque viola a garantia dos tais direitos adquiridos e favorece situações ou casos de “enriquecimento sem causa do Estado” à custa do empobrecimento injusto e forçado dos funcionários e agentes do Estado que são duplamente sancionados por cometimento de infracção disciplinar punível pela expulsão. III. Conclusão Portanto, o conteúdo da sanção disciplinar de expulsão no EGFAE não deve ser extensível à questão da perda de todos os direitos adquiridos no exercício das funções por se tratar de um “roubo” legalizado do Estado aos seus funcionários e agentes e por se tratar de uma nova sanção ou penalização que não faz parte da enumeração taxativa ou limitada dos tipos de sanções disciplinares previstos no artigo 81 do EGFAE. O presente conteúdo legal de expulsão é incoerente, fere princí- pio da proibição da dupla penalização pela mesma infracção e o princípio da segurança jurídica. Pelo que, urge uma revisão legal pontual do EGFAE relativamente ao disposto na alínea f ) do nº 1 do artigo 82 sobre o conteúdo da sanção disciplinar de expulsão, uma vez que viola, de entre outros direitos adquiridos, a pensão por aposentação Por João Nhampossa Advogado e defensor de direitos humanos.

Moçambique é uma configuração saturada de problematicidade. Como, então, compreendê-lo? Essa é a questão que me coloco permanentemente e me parece que pouco do que se diz em Moçambique, exceptuando bons trabalhos que têm sido publicados recentemente, tem sido aptos de colocar verdadeiras questões sobre Moçambique. Afinal qual é o problema de Moçambique? Estamos nós a ser capazes de captar o conteúdo da nossa história para questionarmos radicalmente os eventos que vão ocorrendo? Tentarei, neste texto, colocar algumas linhas de reflexão, partindo da situação de guerra que vivemos hoje. Quando discutimos porquê depois de 20 anos de « paz » estamos a voltar para a guerra, não penso que estejamos a colocar uma boa questão sobre Moçambique. Tenho a impressão que é incapaz de nos levar a reflectir sobre a essência de um problema que, quanto a mim, devia ser explicado menos em termos de quem é o problema ou ainda do porquê depois de 20 anos estamos novamente em guerra, porém em termos do conteúdo do nosso regime de historicidade. Ou seja, o que é que é comum e incomum em tal regime? A Guerra ou a paz? Será a guerra uma questão da inflexibilidade da Renamo ou da Frelimo ou a incapacidade de transformarmos as condi- ções que estruturam a nossa história e que sempre produziram situação de guerra? Como podem perceber, estas questões não serão respondidas neste texto curto, mas as coloquei apenas para que possamos reflectir diferentemente o problema. Se lermos com bastante atenção alguns livros da história de Moçambique começando pelos manuais de História de Mo- çambique, produzidos pelo departamento de História da UEM, os dois volumes« Naissance du Mozambique » de Réné Pélissier, « A tradição A banalização do problema Moçambique Régio Conrado da resistência em Moçambique » de Allen e Barbara Isaacman, « Para a História da Arte Militar Moçambicana » do professor Carlos Serra, apenas para citar alguns, veremos que não é a ausência da paz que é o incomum da nossa história. Pelo contrário, a guerra é a estrutura dominante da nossa história. É a ausência da paz que é o conteúdo da nossa história. Então, porquê continuar a insistir a pensar o nosso problema a partir da paz se ela não é o elemento central da nossa história, mesmo que seja uma procura de todas as sociedades? Não seria conveniente analisarmos a nossa situação a partir da constância da guerra? Não seria banalização do nosso problema ao colocarmos a paz como elemento central do nosso debate? De forma radical, acho que perguntarmos porquê não estamos em paz ou como é que viemos novamente à guerra é insufi- cientemente radical, pelo contrário devíamos, defendo, perguntar porque é que em algum momento não estivemos em guerra? Raymond Aron escreveu em 1962 mais de 700 páginas sobre a paz e a guerra num livro intitulado « Paix et Guerre entre les nations» onde concluía, entre outras coisas, que a história da humanidade tinha sido a história da guerra e não da paz. Penso que Aron, como Serra, estão de acordo que momentos de paz são momentos de guerra em potência. Por isso que, na minha opinião, ao invés de estarmos a reclamar a ausência da paz, devíamos tentar procurar os elementos estruturais que nos levam a uma história dominada por eventos de guerra. A Guerra devia ser o espaço privilegiado da nossa reflexão porque é dela que devemos retirar as sementes da paz, como procura universal, para falar kantianamente. Se há uma coisa que em Moçambique devia espantar as pessoas não devia ser a guerra, mas a paz porque ao longo dos séculos temos sido incapazes de encontrar plataformas que sejam capazes de permitir que a paz seja dominante. Senão vejamos, se estudarmos com atenção a literatura sobre o vale do Zambeze perceberemos que grande parte dos problemas que estruturavam os con- flitos entre os vários Estados militares ainda persistem. A título ilustrativo, podemos falar de facções em conflito pelo poder, ausência de estruturas que acomodam as diferentes camadas sociais. Se nos perguntam o que é que nos fez entrar para um momento de «paz», veremos que não era a paz em si como ontologicamente justificável, mas a impossibilidade de produzir modelos de dominação de um grupo em relação ao outro sem o mínimo de consenso. Então, acho que no fundo a guerra ainda esta lá. Recentemente ( Julho deste ano) o politólogo Didier Peclard publicou «Les incertitudes de la nation en Angola. Aux racines sociales de l’Unita» onde interrogando- -se sobre a formação do Estado em Angola, vê igualmente a guerra como uma variável a ser explicada para compreendermos o caminho da paz em Angola. Por essa razão, tenho pensado que Moçambique é estruturalmente um país de guerra. Limitarmo-nos a condenar a guerra ou a apreciar a paz não responde à questão fundamental: qual é o problema de Moçambique? Como a guerra pode permitir-nos abordar a paz em Moçambique? Qual é o lugar na guerra na nossa história? Entrementes, ao invés de ficarmos no círculo vicioso de acusações ou de apreciações normativas, devemos, como o fez há pouco tempo o professor Carlos Serra, numa entrevista ao Notícias, buscar interrogar qual é o nosso problema. Termino dizendo que a paz na nossa história aparece como uma suspensão de modalidades violentas de resolução de nossas diferenças. Para mim, a guerra é o ponto de partida para pensar o conteúdo do que vivemos hoje, pois ela configura- -se como parte relevante do nosso regime de historicidade.

Sobre a qualidade do ensino

Se na educação estiverem em jogo princípios, métodos e artefactos que permitam um domínio pleno dos conteúdos vigentes nos planos curriculares, ensino de qualidade será a adequação entre objectivos traçados, técnicas adoptadas e resultados obtidos por comparação entre vá- rios estabelecimentos escolares. Se estiver em vista a qualidade científica e/ou literária dos formandos, a avaliação visará isso e não a qualidade de ensino em si. Se a intenção for desenvolver uma determinada capacidade técnica ao nível das necessidades empresariais, os parâmetros de avaliação serão no sentido de avaliar isso. Finalmente, se o objectivo consistir em desenvolver a capacidade de crítica e em preparar cidadãos comprometidos com a transformação das relações sociais geradoras de desigualdades e injustiças sociais, currículos e avaliação tomarão um caminho específico. Assim, a qualidade de ensino depende dos objectivos que temos em vista.

RELATIVIZANDO 
Por Ericino de Salema
Entre erros e equívocos

Tal como prometemos semana antepassada, aqui neste espaço, eis-nos aqui para prosseguirmos com notas sobre a revisão constitucional no ordenamento jurídico moçambicano, desta vez com enfoque em duas questões principais: nos erros estratégicos da Renamo quanto aos fundamentos da revisão e nos equívocos da Frelimo quanto ao estabelecimento de uma comissão ad hoc para a revisão constitucional. A proposta de revisão pontual da Constituição da República de Moçambique (CRM) da autoria da Renamo, que foi, há duas semanas, liminarmente chumbada pela bancada maioritária da Frelimo, pode ser até que tenha como objecto algo fulcral no edifício democrático moçambicano e que se acha, inclusive, consignado na própria lei fundamental: a descentralização administrativa. Contudo, apesar de a matéria ser de extrema relevância aos olhos de todos, mesmo dos que, quando falam para as câmaras televisivas e para os microfones radiofó- nicos, classificam-na com recurso a todo o tipo de adjectivos depreciativos, ao cabo de 23 anos de confrontação política com a Frelimo, o partido no poder, era suposto a Renamo incluir nas suas rotinas políticas estratégias visando obstar a que o seu maior e/ou principal adversário político tenha argumentos razoáveis à palma da mão para desbaratar os seus projectos e/ou propostas [neste caso de revisão pontual da CRM]. Achamos nós que não seria má ideia se a Renamo iniciasse a sua preparação estratégica rumo aos próximos pleitos eleitorais - ‘autárquicas’ em 2018 e ‘gerais’ em 2019 -, termos em que se a introdução, no nosso ordenamento jurídico constitucional, da obrigatoriedade de eleição de governadores provinciais tivesse como horizonte o futuro e não o passado, o maior partido da oposição evitaria desgastar-se a si mesmo com expedientes que tem bem presente que a Frelimo nunca os comprará. Até porque não é de descartar o argumento segundo o qual o pleito do ano passado não visava a eleição de governadores provinciais, porque óbvio. A isso, junta-se o facto de ser por demais sabido que os diplomas legais têm como horizonte, em regra, o futuro, contado a partir da data da sua entrada em vigor, e não o passado. Por outro lado, ainda que politicamente ‘sexy’, não parece estratégico a Renamo arguir o direito de nomear ou propor nomes a governadores nas províncias onde o seu candidato presidencial teve maioria dos votos, uma vez haver, em sede dessa elei- ção (a presidencial), só um círculo eleitoral, que é o país como um todo. Se no lugar disso se defendesse algo nesse sentido nos círculos eleitorais em que o partido como tal ganhou as eleições para as assembleias provinciais, ali, julgamos nós, se reduziria o campo para a Frelimo facilmente “desmontar” os argumentos do maior partido da oposição. Politicamente, 2018 é amanhã, 2019 é depois de amanhã, pelo que a Renamo deveria, de forma proactiva, propor as reformas que julgar necessárias para que o nosso sistema eleitoral esteja cada vez mais racionalizado, começando da própria CRM. É, nitidamente, problemático o facto de os governadores provinciais serem nomeados num contexto em que os membros das Assembleias Provinciais são eleitos, mas esperar que os pleitos se realizem para depois exigir a alteração das regras, para aplicação retroactiva, será sempre uma missão difícil, senão mesmo impossível. No dia em que chumbaram liminarmente a proposta da Renamo de revisão pontual da CRM, destacados quadros da Frelimo que dirigem a primeira e quarta comissões, respectivamente, propuseram a criação de uma comissão ad hoc para a revisão da lei fundamental, isso depois de terem manifestado concordância com a sua actualiza- ção, mas de forma holística e não pontual. Só que é um equívoco de proporções bíblicas defender a criação de uma comissão ad hoc para a revisão da CRM (o que até já foi controvertidamente feito num passado recente), sem se respeitar o que a própria CRM impõe como mandatário para que se possa iniciar, valida e regularmente, um processo visando a sua revisão. Diz-nos a norma contida no número 2 do artigo 291 da CRM que “As propostas de alteração [da Constituição] devem ser depositadas na Assembleia da República até noventa dias antes do início do debate”. E o número 1 do mesmo artigo refere que só duas entidades podem apresentar propostas tais: o Presidente da República ou, pelo menos, um terço (pelo menos 84 dos 250) dos deputados da Assembleia da República. Ou seja, essa de criar comissões ad hoc supostamente para a revisão da CRM, sem que uma relevante proposta haja sido submetida, ainda que já faça parte do nosso ‘costume’, não deixa de ser estranho à própria lei fundamental, qual estatuto jurídico do nosso país!

SACO AZUL Por Luís Guevane

Todos os dias são “Dias de Família” mas o Natal é só no dia 25 de Dezembro. Não há Natal em Janeiro, nem no dia 03 de Fevereiro, 07 de Abril, dia 25 de Junho e muito menos no dia 25 de Setembro. Estas datas, entre outras, são aquelas que correspondem ao nascimento de outras ideias, outras formalidades, outras evocações. Entretanto, durante o ano, religiosamente, falamos de Jesus. Desabafamos com um “ai Jesus!”, reconfortamo-nos com um “Meu Deus!”, desconvocando o diabo e seus acessórios. É mais cómodo escrever e pensar em Deus com letra maiúscula e o diabo com letra minúscula. Diabo é algo a rejeitar. Deus é algo a defender, a aceitar. Representam, no fundo, o mal e o bem. Per- É Natal correm, porque queremos, os lados obscuros e iluminados. Um é o descaminho e outro é o caminho. Jesus é o caminho. Mantemo-nos a caminhar na fé em Cristo. Uma figura perante a qual o Mundo praticamente se curva. Nisto tudo temos o dogma. Podemos escrever a palavra “dogma” com letra maiúscula ou minúscula que ninguém se vai chatear. Mas, o “dogma” comanda como cada um de nós des- fila pelos (des)caminhos que escolhe. Dogma pode ser assumido como um “unicórnio” que criamos em nós como fruto da produção religiosa. Imaginemos a nossa sombra categorizada como um dogma. Seguidamente proibir-nos-íamos de questionar o que a produz. Mas, ninguém, por si só, produz a sua própria sombra. A sombra não é um dogma. A fé produz o dogma. Se isto estiver certo, então, justifica a razão de as religiões, de um modo geral, serem intolerantes com o “próximo” ao ponto de produzirem homens ou mulheres bomba. Morre-se e mata-se em nome do Omnipotente, Omnisciente e Omnipresente. Destroem-se famílias e depois rezamos por elas, pedindo paz e harmonia. As famílias moçambicanas guiam-se mais pelo dogma ou pela razão? Acreditar que pobreza é destino e que Deus assim o quis é dogma ou razão? É neste sentido que por vezes se diz que o pobre é preguiçoso por ser pobre. O rico faz o pobre trabalhar para não ser pobre. Na cruz o menino Jesus assiste a tudo isso. É diariamente evocado mas não resolve o problema. Os homens que resolvam os problemas que eles próprios criam. Então, por que razão ricos e pobres não têm alternativa a esta figura dogmatizada? A festa do Natal é um momento de re- flexão da família. Este ideal, depois da missa, entretanto, é substituído pelos comeretes e beberetes. No princípio o Natal pode ter sido visto como uma importação ou aculturação. Depois da Independência resistiu ao sufoco político. Pela sua grandeza e importância ganhou robustez após a instauração do multipartidarismo. Por uma questão de “economia de comemorações” moçambicanizou-se o 25 de Dezembro rotulando-o de “Dia da Família”. Por esta via inteligente todas as famílias moçambicanas, independentemente da sua religião, comemoram o Natal. Que o Natal seja um momento de luz!

É a política em oximoro. O que é um oximoro? Por exemplo: “o mito / que/ é o nada que é tudo”. Pronto. Aí está. Um conjunto de palavras aparentemente contraditórias, incongruentes. Por exemplo: “é proibido proibir”… ou, “há um silêncio ensurdecedor”… Coisas assim. O discurso do estado da Nação reflecte mais o estado do discurso que se julga debruçar sobre o estado da Nação. A mai- úscula no N é uma ênfase romântica, uma teleologia a regredir. Cá está, um oximoro coxo. Mas, sobre essa multímoda realidade a manquejar, o discurso alteia-se a funambulista que tem a ilusão de poder ocultar a corda onde se equilibra, como se levitasse, alheio á lei da gravidade. E a palavra que devia estar ao serviço da verdade inteira, lendo-a, enquadrando-a, no convencional período temporal a que se reporta, esvoaça como um pássaro encurralado à procura da janela por onde escapulir-se. A instância para a elocução do discurso não se deve confundir com o tribuno que o profere, cujo, é suposto estar investido dos legítimos atributos para a devida encenação. As aves sabem das leis do seu voo e, por isso, abominam os espaços fechados. As instâncias de elocução do discurso e os tribunos, ao contrário dos seres alados, experimentam a prestidigitação de sugerir que a gaiola é uma paisagem aberta por onde convidam a audiência a vagamundear sonhos, a consolar-se com o labor edificado, a condescender com as incongruências. É quando a avestruz, em correria espavorida, ensaia o voo impossível e a palavra é um cisco, uma poeira, uma nebulosa como algumas abertas, uma almofada de penas secas no chão condicionado, a ar, alcatifas, eficácias tecnológicas e o mais de prebendas que nenhuma fábula consente. De Esopo às mil estórias da oralidade sabedora de todos os povos, muito se regista de conluios e revoltas no tempo em que os animais falavam. O discurso serve para prevenir isso, para criar um intervalo, para sugerir soluções, para reiterar valores e salmodiar louvações harmónicas. E julga constituir-se no acontecimento que estatui a realidade quando o que consegue é o efeito dela, num recalcado aceitável. Tal desiderato tem como consequência a produção de códigos de verosimilhança e de uma necessidade agónica de correspondência “com o que se está a passar”. O solipsismo alia-se ao que sobra da aura teológica. Para que algo de verosímil se sustenha, costuma suceder-se a enumeração temática de números aliados a projectos, de estatísticas configurando problemáticas, comparações temporais em crescendo de eficácias e superações. As alavancas da argumentação, o maximal-repetitivo da gesta fundacional são a velatura sobre o quadro do presente, cuja figuração se recombina consoante as conjunturas, entre figuras do apocalipse e os modelos heróicos, refundados, num brilho de formas e cores em primeiro plano. Para perceber a França, Marc Bloch foi aos reis taumaturgos. Nós, depois das escrituras, reouvimos os que nos disseram, partidária e individualmente, serem a luz, a verdade e a vida. Quem, de entre eles, porfiou pela prosperidade do reino? E o oximoro ulula a verdade da sua mentira. A luz não esplende. A verdade exila-se. A vida não é um ofício cantante, para citar um poeta. A água, esse precioso líquido, mingua. A cidade é o epítome do funambulista a desequilibrar-se. O campo, se de campo se pode falar, experimenta a mansidão que pode preceder um alvoroço de caça. Há quizumbas a gargalhar, meneando a cabeça em diminuendo, atentas ao cansa- ço da presa ferida. E, suprema bizarria, a contrário das tradi- ções, há um encoberto. A morte pode espreitar mas não é uma solução.

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