domingo, 28 de fevereiro de 2016

Desarmar mentes dos beligerantes

O grito é dos políticos, académicos e sociedade civil
A inclusão política, socioeconómica e a necessidade de desencadeamento de reformas no comando constitucional e do Estado, bem como o desarmamento das mentes dos beligerantes e da sociedade em geral, foram as palavras que mais se ouviram durante o seminário realizado, semana finda em Maputo subordinado ao tema: “Situação Política em Moçambique: Possíveis Soluções”, organizado pelo Instituto Holandês para a Democracia Multipartidária (NIMD).  
O encontro decidiu ainda sobre a necessidade da cessação imediata das hostilidades militares que se registam na região centro e norte e retomada sem pré condições do diálogo político do Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano interrompido em Agosto do ano passado.
Os participantes sugeriram igualmente a criação de um grupo de contacto, visando a facilitação do encontro entre o presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama.
Segundo defenderam, o grupo poderá ser coordenado pelos líderes religiosos, com a participação dos partidos políticos e da sociedade civil cuja missão será a criação de condições para que o frente a frente aconteça o mais rápido possível e decorra sem sobressaltos.
Sobre o lugar do reencontro entre as duas lideranças, os participantes não descartam a possibilidade de vir a ser numa das cidades do centro por ser próximo de onde se encontra refugiado o líder da Renamo.
A outra sugestão é a necessidade de a liderança da Renamo mandar acantonar os seus homens armados para o seu posterior enquadramento nas Forças de Defesa e Segurança (FDS), para onde se devem dirigir com as suas respectivas armas. Em paralelo, as FDS devem abdicar do cerco e se retirar dos locais onde se encontram entrincheirados.
A acontecer isso, segundo os intervenientes, não haverá mais disparos quer por parte das FDS bem como dos homens armados e assim estarão criadas as condições e o ambiente para o reinício do diálogo.
Diferenças políticas não devem hipotecar o país
- António Niquice, Frelimo
Para António Niquice, Secretário para Mobilização do partido Frelimo a paz é uma conquista de todos os moçambicanos e ninguém deve, por qualquer que seja o motivo, hipotecá-la.
Segundo afirmou, o que existe no país é um grupo de pessoas que está a desestabilizar o país, criar medo e semear luto nas populações. “O que existe é um grupo reduzido e bem localizado que não está interessado na paz. Se nos juntarmos independentemente da nossa filiação política, podemos conseguir manter a paz”.
Num outro momento, a nossa fonte afirmou que tendo em vista a acomodação dos interesses da Renamo, a AR anuiu às propostas deste partido e no dia da votação, Afonso Dhlakama afirmara logo depois de exercer o seu direito, que estavam criadas as condições para que as eleições decorressem no ambiente cordial.
“Em função disso deve ficar claro que nada justifica a desestabilização e muito menos o retorno a guerra. As nossas diferenças não devem permitir que o povo moçambicano perca a paz como a conquista preciosa, pelo que a sua preservação é um imperativo nacional”,observou António Niquice para quem a questão crucial é compreender as motivações da liderança da Renamo ao incitar à violência.
Ainda de acordo com Niquice ninguém é analfabeto político e todo mundo sabe que a Renamo está na AR e por via disso tem direito a um financiamento para exercer as suas actividades que não deviam ser terrorismo aos cidadãos que pagam imposto para as suas despesas.
“Esses camiões que estão a ser queimados nas estradas, os professores assassinados, pagam impostos que financiam aos partidos políticos, sobretudo os que têm assento parlamentar. O recurso a guerra é mero exercício maquiavélico segundo o qual os fins justificam os meios”,afirmou Niquice sublinhando que o Presidente da República está disponível para se reunir com Afonso Dhlakama.
Diálogo com presença de mediadores
- José Manteigas, partido Renamo
O representante da Renamo, José Manteigas disse na sua intervenção que este partido está aberto ao diálogo mas por falta de confiança ao governo condicionando-o à participação dos mediadores internacionais.
“A questão da paz é vital para o país. O presidente Dhlakama está disposto a dialogar, mas com a presença de mediadores. Depois do cerco e dos ataques que garantias o governo dá de que nos próximos encontros Afonso Dhlakama não vai ser assassinado? Questionou José Manteigas para quem as perseguições se estendem a outros quadros como por exemplo, o secretário-geral do partido Manuel Bissopo que foi baleado momentos depois de dirigir uma reunião na cidade da Beira.
Mesmo antes disso o seu partido, segundo Manteiga, exige a indicação ou nomeação de dirigentes nas províncias de Niassa, Tete, Manica, Sofala, Zambézia e Nampula onde alega ter ganho as eleições gerais de 2014.
“A cultura da paz que tem sido assumida pelo nosso partido no Parlamento não tem tido a devida correspondência por parte do partido no poder. Depois da discordância eleitoral apresentamos o projecto das autarquias provinciais e eles chumbaram-no liminarmente sem indicar os tais vícios de inconstitucionalidades”,disse Manteigas para quem não é legítimo ganhar eleições para depois ser dirigido por outras pessoas.
No seu entender, a tarefa de manutenção da paz não cabe apenas aos políticos e muito menos a Renamo, mas a população em geral que deve desencadear acções visando a promoção da paz e concórdia entre os moçambicanos. “Todos temos esse direito, sobretudo os partidos que tem assento parlamentar que devem tomar a dianteira”.
José Manteigas acusou o Conselho Constitucional e a Comissão Nacional de Eleições, Órgãos dos quais a Renamo faz parte, de terem manipulado os resultados eleitorais. “ Nas últimas eleições não houve editais do apuramento na mesa nem distrital. Como é que estas entidades validaram os resultados eleitorais nessas condições anómalas”? Questionou Manteigas.
O país tem duas alas sobre trajectória para paz
- Manuel de Araújo, académico
Manuel de Araújo diz que o problema da sustentabilidade da paz não se esgota no diálogo político, passando por uma trilogia entre as noções de desenvolvimento, justiça e paz
Para ele, cada um dos valores acima referido anda de costas voltadas, numa sociedade divorciada dos princípios e valores da vida, razão pela qual o resultado é a instabilidade política manifestada através da guerra. 
Sublinhou que a estabilidade política só poderá ser possível se forem desencadeadas acções concretas de reconciliação entre os moçambicanos e a inclusão dos actores políticos na esfera pública.
“Infelizmente, dentro do sistema político não chegamos ainda ao consenso sobre os pressupostos filosóficos para se alcançar a paz e mantê-la de forma sustentável. O país tem duas alas e correntes com perspectivas diferentes sobre a trajectória a percorrer para a estabilidade política”,disse.
Acrescentou que o projecto das autarquias provinciais deve ser visto como uma oportunidade para a inclusão da elite local na gestão da coisa pública e do Estado que pode ser vector para a estabilidade política.
Calçar os pés e anunciar o evangelho da paz
- Dom Cláudio Zuanna, arcebispo da Beira
O arcebispo da Beira, Dom Cláudio Zuanna desafiou os actores políticos a calçar os pés para anunciar o evangelho da paz e deixar de se tratar como inimigos mas sim adversários políticos.
Para aquele prelado, a exclusão na partilha da riqueza, a intolerância política constituem principais motivos para a desintegração social que se assiste no país. “ As riquezas que as minorias acumulam e a pobreza da maioria são motivos suficientes para as pessoas não se entenderem. Como igreja defendemos a partilha do pouco que temos para promover a justiça e a paz”.
Acrescentou ser urgente a inutilização de todas as armas espalhadas pelo país e em mãos alheias.“Que se estenda o diálogo aos outros actores da sociedade, promover a verdade e a justiça social, através de políticas de inclusão de todos os cidadãos e sobretudo haver o desejo honesto da paz, através do calar das armas”.
Marcharmos nus à Ponta Vermelha
-  Apelo de Salomão Moyana, académico e vogal da CNE
Por seu turno, Salomão Moyana, académico, jornalista e membro da Comissão Nacional de Eleições, acusou a sociedade civil de ser enfadonha ao não desempenhar convenientemente o seu papel. “A nossa sociedade civil é de prestação de serviços e não reflecte profundamente sobre os problemas do país, preocupa-se em assumir o papel do Estado”.
Segundo defendeu deviam ser desencadeadas manifestações pacíficas em direcção à Ponta Vermelha no sentido de persuadir o Presidente da República a resolver a questão da tensão político-militar.
“É preciso tomar uma atitude concreta perante um assunto que ultrapassa dois partidos políticos, agirmos de forma extraordinária no sentido de criar choque as autoridades. Se for necessário podemos marchar nus ou de roupas interiores para a Ponta Vermelha para mostrarmos ao Chefe do Estado o nosso desagrado perante a situação dos ataques armados e falta de avanços no diálogo”,disse Salomão Moyana para quem após a sua proclamação pelo Conselho Constitucional, Filipe Nyusi é presidente de todos os moçambicanos.
Criar empresas geridas pelos homens armados
 - Calton Cadeado, académico
Por seu turno, Calton Cadeado do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, afirmou que a solução do problema da paz passa por criar incentivos concretos de modo a ocupar as forças residuais da Renamo.
“É preciso apostar seriamente na questão de desarmamento e acomodação das forças residuais da Renamo. Portanto, a minha preocupação é com estes homens, que sejam criados espaços de financiamento para que tenham ocupação permanente.Que tal na zona de Gorongosa criar-se uma empresa de turismo gerida pelos próprios antigos guerrilheiros lá acomodados? Isso tornaria esta região o centro de atracção turística. Temos na África do Sul o exemplo de alguns ex – presos políticos que são guias turísticos e vivem disso, disse Cadeado acrescentando que a outra solução é explorar os vários espaços do diálogo para que não seja focalizado apenas em Maputo.
Não usar armas para intimidação  
- Izilda Zandamela, participante
Para Izilda Zandamela para estancar a tensão político militar os moçambicanos devem desencadear acções enérgicas e conducentes a estabilidade social colocando os interesses nacionais acima dos individuais.
“Tendo em vista a justiça social, paz e uma nação reconciliada e em desenvolvimento temos que privilegiar o interesse nacional e aprendermos dos erros do passado. Não usar as armas como instrumento de intimidação dos cidadãos, respeitar a sua vontade expressa no dia da votação”,disse Izilda Zandamela
Nyusi não é culpado
- Yacub Sibindy, líder do PIMO
Yacub Sibindy, líder do PIMO, Bloco da Oposição Construtiva apelou para que os moçambicanos estejam cada vez mais unidos no sentido de identificar e responsabilizar os responsáveis pela situação crítica a que o país está mergulhado.
Segundo defendeu, o actual Chefe de Estado não tem nada a ver com a tensão político-militar que se regista nas regiões centro e norte do país. “O presidente Nyusi não é culpado. Deixemo-lo trabalhar no sentido de pôr em prática o seu discurso inaugural da inclusão de todos na governação, isto é, que inclua no seu governo, pessoas que não sejam do seu partido e nós estamos a espera dessa boleia para também governar”, disse Sibindy.
DIPLOMATAS APREENSIVOS
A situação prevalecente na região central do país não deixa sossegado o Corpo Diplomático que já veio a público aconselhar as partes beligerantes a enveredar por um diálogo frutífero e sem recurso a armas.
No seu entender, os objectivos políticos não devem ser perseguidos através da força das armas, defendendo a necessidade de se reforçar a democracia vigente, com a participação activa dos políticos e da sociedade civil.
A Alta Comissária da Grã-Bretanha e Reino Unido, Joanna kuenssberg que tomou parte do encontro disse na sua intervenção que as partes não devem ter receio de pedir ajuda externa se for o caso,“pois, isso não significa fraqueza, mas uma coragem de resolver os problemas”.
Para ela, é necessário avançar-se para uma reconciliação efectiva em que haja confiança entre as partes, por um lado, e entre o povo moçambicano, por outro, que não deve aderir à incitação à violência.
Na ocasião, aquela diplomata falou da experiência britânica na gestão da questão da Irlanda do Norte afirmando que foi importante o reconhecimento da base das queixas dos grupos sociais no que diz respeito à discriminação no emprego, habitação, acesso à polícia entre outros aspectos.
Aquela diplomata fez questão de sublinhar que o processo não foi perfeito, contudo, a guerra acabou, as associações trabalharam conjuntamente no combate ao secretismo e as discussões tiveram lugar no Parlamento.
Por seu turno, o chefe adjunto da missão holandesa em Moçambique, Jan Huesken disse que a paz e a democracia são dois elementos importantes para o desenvolvimento do potencial económico moçambicano.
Na sua óptica, a segurança e estabilidade são condições primordiais para os cidadãos exercerem a vontade as suas actividades, concorrendo deste modo para a estabilidade social.
Indicou ainda que a comunidade internacional está a seguir com atenção e alguma apreensão os últimos desenvolvimentos que se registam no país, tendo em conta os investimentos feitos particularmente na área de exploração do gás para posterior tomada da devida decisão.
Segundo explicou, trata-se de uma decisão com implicações directas para a economia moçambicana, pois, poderá criar oportunidades de emprego e potenciar o crescimento e investimentos das empresas nacionais, de média e pequena escala, bem como uma fonte para a capacitação de receitas do Estado que poderão ser usadas no fortalecimento das áreas de Educação, Saúde, água, energia, infra-estruturas, entre outras.
Domingos Nhaúle

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