sábado, 22 de julho de 2017

Um teórico, perigoso como vários outros que estão acampados em Moçambique.


Diz defender o que apelida de ‘reforma agrária do Zimbabué’ e de ‘democracia económica’, mas oculta de quem o escuta e lê – ou provavelmente desconhece a realidade – que grande parte das terras ocupadas e expropriadas pelo regime de Mugabe está nas mãos gente graúda do partido no poder, a ZANU-PF, e de familiares próximos de Mugabe. O facto do Zimbabwe ter-se tornado em mais um país pedinte, sem moeda nacional – o dólar americano passou a ser a moeda oficial – não conta.
Na África do Sul, diz-nos o teórico, “3% da população tem 97% da terra”. Há, desde 1994, um programa de redistribuição de terras que previa, até 2015, a aquisição de 35 milhões de hectares de propriedades agrícolas na posse na minoria branca. O Land Bank (ou Banco da Terra, no idioma no teórico), criado para financiar o programa, alertou o governo para que repensasse a aquisição de propriedades, pois já havia terra que se tornara improdutiva e por redistribuir. Refinarias de açúcar na província do KwaZulu Natal encerrarem por não disporem de cana sacarina, pois as antigas propriedades, entretanto adquiridas no âmbito do programa, deixaram de produzir. Repetem-se casos em outras partes do país, na Província do Limpopo, por exemplo, onde a produção de laticínios parou em propriedades antes lucrativas – o gado leiteiro foi morrendo aos poucos por falta de assistência veterinária.
A África de Sul é uma bomba relógio, diz-nos. De facto. Apesar do fracasso do programa de reforma agrária, o governo do ANC – temendo o populismo de Malema – quer mesmo entrar na fase mugabeana de expropriação compulsiva de terras. O sector agrícola é de grande risco, dependendo do crédito bancário. Foi assim no Zimbabwe antes da independência, e continua a ser na África do Sul. Neste país, a banca alerta para o desastre que se avizinha: não poderá conceder crédito a empreendimentos sem perspectivas de sucesso, como as plantações de açúcar e as fazendas de lacticínios já o demonstraram.
Diz-nos, a la Hanlon, que a dívida oculta não é do Estado moçambicano e que este não deve pagá-la. Isto é cómico – e trágico também. A dívida foi contraída por um governo que agiu como legítimo representante do Estado moçambicano, legitimidade essa outorgada por todos os países – e pelo FMI e Banco Mundial também - que hoje pressionam o regime da Frelimo a explicar a moscambilha. Hanlon foi dos que ajudou nessa legitimação, defendendo, junto do Parlamento Europeu (ele tem vindo a desempenhar as funções de observador eleitoral em Maputo), a autenticidade das eleições fraudulentas que conduziram sucessivos governos da Frelimo ao poder.
O teórico, tal como Hanlon, não responsabiliza o regime propriamente dito, mas uma meia dúzia de corruptos. Não é fino chamar corrupto a regimes ‘progressistas’. O problema é que não se trata de uma meia dúzia de corruptos, mas de um regime estruturalmente corrupto desde que tomou o poder.
- João Cabrita

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