quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O sector da Saúde é um dos mais importantes e sensíveis da governação

ANTICORRUPÇÃO Anticorrupção - Transparência - Integridade Edição No 24/2017 - Setembro- Distribuição Gratuita Centro de Integridade Pública MINISTÉRIO PÚBLICO LEI ANTI-CORRUPÇÃO LEI DE PROBIDADE PÚBLICA CÓDIGO PENAL O sector da Saúde é um dos mais importantes e sensíveis da governação e, consequentemente, dos que mais recebem fundos do Estado e de parceiros internacionais. Entretanto, a gestão destes fundos não tem sido transparente. O procurement público para a aquisição de medicamentos, material médico-cirúrgico e empreitada de obras públicas tem sido uma das áreas mais problemáticas, com o Ministério da Saúde (MISAU) a recorrer sistematicamente à modalidade de contratação de ajuste directo para a adjudicação, sem que haja razões palpáveis que sustentem a escolha contínua desta opção. Os ajustes directos do MISAU apresentam três tipos de padrões: • As empresas adjudicadas por via da modalidade de ajuste directo são sempre as mesmas; •. Nos casos em que se verifica alguma rotatividade de empresas no processo de adjudicação, somente há mudança do nome da empresa, porque a estrutura accionista se mantém intacta ou apresenta a entrada de um sócio novo. Ou seja, os beneficiários mantêm-se, mesmo mudando a empresa à qual se adjudicou o contrato. • A opção pela modalidade de ajustes directos sempre ocorre quando os fundos que financiam as compras são do Orçamento do Estado. Este é o primeiro de uma sequência de artigos sobre o procurement público do sector da Saúde, resultado de uma investigação jornalística de mais de dois anos. Neste artigo apresentam-se adjudicações na modalidade de contratação por ajuste directo desde o início do presente ano de 2017 até à data, processo que perfaz um valor total de 170.228.883,01 Meticais e 842.548,50 Dólares americanos. Negócios questionáveis do sector da saúde (I) Conheça os fornecedores estratégicos do MISAU e saiba quanto ganham 2 Tabela 1. Lista de ajustes directos no MISAU de Janeiro a Agosto de 2017 Fonte: Investigação do CIP MedTech, Limitada A MedTech, Limitada tem como sócios Hussein Basma, Mohamed Basma e Quitério Nassone Muhate, conforme o BR nº 98, III Série, 2º Supl., de 10 de Dezembro de 2013. Foi-lhe adjudicado, por ajuste directo Nº 07/OE-MED/AJD017, o contrato com o valor de 32.008,50 USD (Trinta e dois mil e oito dólares americanos e cinquenta cêntimos, datado de 31 de Agosto de 2017, número de contrato 58A/AD/03MED/07/017, cujo objecto é fornecimento de medicamentos de especialidade para o Serviço Nacional de Saúde. Foi proponente da adjudicação António Amade Amisse Assane, Director Nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, e teve despacho de autorização da Ministra da Saúde, Nazira Abdula. Bed Center, Limitada Em Abril de 2017, mais uma vez, a Família Basma beneficiou de um ajuste directo através da empresa Bed Center, Limitada, Sociedade Industrial e Comercial a que foi adjudicado por ajuste directo Nº 06/OE-ARRENDAMENTOARMAZEM/017, de Abril de 2017, um negócio de 600.000 USD (Seiscentos mil Dólares norte-americanos (25.000,00 USD por mês durante dois anos de arrendamento de armazém para medicamentos e artigos médicos). O proponente do negócio, que optou pelo regime excepcional – a regra é o concurso público – é mais uma vez o Director Nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, António Amade Amisse Assane. A modalidade de adjudicação foi autorizada por despacho da Ministra da Saúde, Nazira Abdula. São accionistas da Bed Center, Limitada, Hussein Basma, Mohamed Hassan Basma, Mohamed Joseph Basma e Mohamad Basma, conforme consta do Boletim da República (BR) nº 7, III Série, Supl., de 16 de Fevereiro de 2012. Afri Farmácia, Limitada Em Março de 2017, o Ministério da Saúde adjudicou à empresa Afri Farmácia, Limitada o fornecimento de medicamentos via clássica, Empresa Valor (MZN) Valor (USD) MedTech 32.008,50 Bed Center 600.000,00 Afri Farmacia 18.950.546,62 Afri Farmacia 27.335.100,00 Afri Farmacia 210.540,00 ACE Healthcare 10.979.853,55 Hospitec 23.058.305,14 Hospitec 22.184.397,23 THL 20.801.230,59 Cyberonic Construction Lda 46.997.450,00 Total 170.228.883, 01 842.548.50 no valor de 18.950.546,62 Mt, através do ajuste directo Nº 05/OE-MED/AJD016-Afri Farmácia, de 10 de Março de 2017. Conforme o Boletim da República Nº 24, III Série, de 21 de Março de 2014, são sócios da Afri Farmácia Chiracal Raman Nair Nandakumar, George Dominic Kurusimmoottil e RESOURCES 4 AFRICA INC. António Amade Amisse Assane, o Director Nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, foi o proponente da adjudicação. A mesma foi autorizada pela Ministra da Saúde, Nazira Abdula. No dia 28 de Julho de 2017, a Central de Medicamentos e Artigos Médicos (CMAM), através do seu Director António Assane, de acordo com a Informação/Proposta nº 321/03222-2017, solicitou que fosse efectuado o pagamento pelo fornecimento de medicamentos da via clássica ao fornecedor Afri Farmácia, Limitada ao qual se tinha adjudicado o contrato por via do ajuste directo Nº 16/OE-MED/015-Afri Farmácia, no valor de 27.335.100,00 Meticais, conforme a Factura 93893. No dia 21 de Agosto de 2017 a Afri Farmácia, Limitada beneficiou-se de outro ajuste directo no valor de 210.540,00 Dólares americanos, com o número 2739/043.3/2017. Portanto, até à data esta empresa beneficiou de 3 ajustes directos por parte do MISAU, tendo-lhe sido adjudicados mais de 46 milhões de Meticais e 210,5 mil Dólares americanos. ACE Healthcare A 30 de Agosto de 2017, à ACE Healthcare foi adjudicado, em ajuste directo nº 05/OE-MED/ AJD/015-ACE Healthcare, um contrato no valor de 10.979.853,55 (Dez milhões, novecentos e setenta e nove mil, oitocentos e cinquenta e três Meticais e cinquenta e cinco centavos). O contrato destina-se ao fornecimento de medicamentos via clássica. Foi proposto por António Amade Amisse Assane, Director Nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, com despacho de autorização da Ministra da Saúde. São sócios desta empresa Anupam Talukdar, Dineshali Pyarali Hemnani e Vijaykumar Sureshkumar Javiya, conforme registos constantes do BR nº 14, III Série, de 4 de Fevereiro de 2016. Hospitec, Limitada A Central de Medicamentos e Artigos Médicos (CMAM), através da Informação/Proposta nº 311/032.22/2017, no dia 28 de Julho de 2017 solicitou o pedido de pagamento pelo fornecimento de Reagentes e Consumíveis – Ajuste Directo nº 02/ OE-REAG/AJD016-Hospitec – um negócio de adjudicação orçado em 23.058.305,14 Meticais para o fornecimento de reagentes e consumíveis. Foi proponente do negócio António Amade Amisse Assane, Director Nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, com autorização da Ministra da Saúde, Nazira Abdula. São sócios da Hospitec João Ramos Perino e João Pedro Fernandes Perino, conforme o BR nº 13, III Série, de 29 de Março de 2006. A mesma empresa, a Hospitec Limitada, no dia 17 de Agosto de 2017 voltou a beneficiar de um ajuste directo no valor de 22.184.397,23 Meticais. Tecnologia Hospitalar e Laboratorial Moçambique, Limitada (THL) Igualmente a esta empresa da família Perino (que tem os mesmos accionistas da Hospitec, João Ramos Perino e João Pedro Fernandes Perino) e conforme o BR nº 42, III Série, de 16 de Outubro de 2002, foi adjudicado em Julho de 2017, por ajuste directo nº 02/OE-REAG/AJD016-THL, de 24 de Julho de 2017, outro negócio de fornecimento de Reagentes e Consumíveis, no valor de 20.801.230,59Mt. O proponente foi o mesmo, António Amade Amisse Assane, Director Nacional da Central de Medicamentos e Artigos Médicos, e com a autorização da Ministra da Saúde. 4 Portanto, deste o início do ano a esta parte, à família Perino foram adjudicados, por via da modalidade de ajuste directo, mais de 60 milhões de Meticais pelo MISAU. Cyberonic Construction, Limitada A esta empresa foi adjudicado, por ajuste directo, um contrato no valor de 46.997.450,90 Meticais, destinado a obras de construção do Hospital Distrital de Fíngoe, na província de Tete. São sócios da empresa, conforme consta do BR 21, Série III, de 24 de Maio de 2006, Daniel Baloi e He Jianping. O ajuste directo foi anunciado este ano, mas a obra já tinha sido realizada há pelo menos dois anos. Esta empresa Cyberonic Construction, Limitada é a mesma que realizou as obras de construção do Hospital Provincial da Matola, cujo cumprimento do contrato esteve sempre envolto em polémicas devido ao excessivo número de adendas, fazendo com que o preço final da obra fosse muito superior ao valor previamente adjudicado entre a entidade contratante (MISAU) e o empreiteiro. Os casos aqui apresentados confirmam os padrões acima identificados que se caracterizam pela existência de fornecedores privilegiados do MISAU cujas empresas ganham adjudicações directamente sem que seja necessário o lançamento de concursos públicos. Estes fornecedores, em conluio com o topo da hierarquia do MISAU, alternam as adjudicações a diferentes empresas que, entretanto, pertencem aos mesmos beneficiários. Um outro aspecto não menos relevante reside no facto de a aplicação da modalidade de Ajuste Directo ocorrer sempre que os fundos para aquisição são provenientes do Orçamento do Estado. Isso demonstra, de certa forma, a facilidade com que os procedimentos administrativos são atropelados quando os fundos são do Orçamento do Estado. Um exemplo elucidativo desse facto ocorreu aquando da adjudicação por via da modalidade de ajuste directo da contratação do fornecimento de luvas cirúrgicas para o Sistema Nacional de Saúde (Ajuste Directo nº 05/CDC-MMC/AJD/017). Esta adjudicação foi autorizada no dia 20 de Fevereiro de 2017, tendo sido instaurados os procedimentos na modalidade de ajuste directo para a contratação de fornecimento de luvas cirúrgicas, de diversos tamanhos e quantidades, no que resultou a celebração do contrato nº 58A 00125/AD/01MMC/05/17/2017, entre o MISAU e a Quayle Dental, no valor de 308.780,93 Dólares americanos, cuja despesa seria suportada pelo fundo do CDC. No dia 22 de Agosto de 2017 a Direcção Nacional de Assistência Médica (DNAM) enviou o ofício N/Refª2724/032.22/DNAM/2017 cujo assunto era devolução do contrato de pagamento de fornecimento de luvas referente ao ajuste directo nº 05/CDC-MMC/AJD/017-Quayle Dental. No ofício em questão, a DNAM procede à devolução para efeito de regularização de alguns aspectos constantes do fornecimento de luvas cirúrgicas, mais concretamente das Facturas nº 5610/D, 5611/D, 5612/D, 5565/D, 5582/D/2017 e Guias de Entrega nº 089, 108, 039, 045, 061/2017. É que, após a orientação do doador (CDC – Centre for Desease Control), em coordenação com os técnicos da DNAM, se constatou que havia discrepâncias entre as Guias de Recepção do fornecedor (Dental Quayle) e as Guias de Recepção das Direcções Provinciais de Saúde (DPS) com os seguintes nº: 0000006652, 0000006686, 0000006701, 0000006474 e 0000006394. Tendo em conta a constatação das irregularidades, o doador exigiu a devolução do valor à proveniência até que fosse regularizado o processo. E a DNAM solicitava uma rápida intervenção por parte do CMAM de modo a solucionar o assunto, que aliás se vinha arrastando há muito tempo, sob o risco de se perder o valor disponibilizado pelo doador. Perante a pressão do doador para que as irregularidades fossem sanadas, em vez de esclarecer as zonas de penumbra na execução do contrato procurando esclarecer a razão das discrepâncias entre as Guias de Recepção do fornecedor ao Armazém Central e as 5 Guias de Recepção das DPS, o CMAM emite Informação/Proposta refª374/043.3/CMAM/17, solicitando à Ministra da Saúde que autorizasse a celebração de Apostila ao contrato 58A 00125/ AD/01MMC/05/17/2017 e a mudança da fonte de financiamento do CDC para o Orçamento do Estado, alegando que, após a recepção dos bens e submissão das facturas de pagamento, as condições de pagamento exigidas pelo CDC, o financiador do projecto, contrariavam os termos do contrato. O CMAM alegava ainda que as Guias de Recepção no Armazém Central e as Guias de Remessa enviadas às diferentes Direcções Provinciais de Saúde, que o CDC queria ver sem discrepâncias, podiam ser feitas a posterior. Para o CMAM, a exigência do CDC podia ser entendida como sendo indisponibilidade de pagamento, visto que os termos do contrato com o fornecedor indicavam o Armazém Central de Medicamentos do Zimpeto como o local de entrega das luvas, situação cumprida na íntegra pela parte contratada. Como se pode depreender dos ofícios trocados entre o DNAM e o CMAM e depois entre o CMAM e o Gabinete da Ministra, há uma clara manipulação dos argumentos cujo fim era conseguir a alteração do financiamento do CDC para o OE (Orçamento do Estado). No entanto, o que o CDC pretendia do CMAM era somente que este procedesse ao esclarecimento das disparidades existentes nas Guias de Entrega e Recepção das luvas cirúrgicas. Este é um dos vários exemplos a que o CIP teve acesso e que demonstra as janelas de oportunidade que existem para a manipulação dos concursos públicos sempre que os mesmos têm como financiador o Orçamento do Estado. Concluindo O uso abusivo e recorrente dos ajustes directos ao longo dos primeiros meses do ano 2017, por parte do MISAU, pode ser sintoma de um fraco sistema de planificação e gestão de stocks, que obriga a que sejam realizadas constantemente compras de emergência, ou pode ser um claro indicador de existência de conluio entre determinados fornecedores do MISAU e os funcionários séniores deste ministério. 6 Parceiros: Rua Fernão Melo e Castro, Bairro da Sommerchild, nº 124 Tel: (+258) 21 499916 | Fax: (+258) 21 499917 Cel: (+258) 82 3016391 @CIP.Mozambique @CIPMoz www.cipmoz.org | Maputo - Moçambique CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA Anticorrupção - Transparência - Integridade InformaÇão editorial Director: Adriano Nuvunga Equipa técnica: Anastácio Bibiane, Baltazar Fael, Borges Nhamire, Celeste Filipe, Edson Cortez, Egídio Rego, Fátima Mimbire, Inocência Mapisse, Jorge Matine, Stélio Bila Propriedade: Centro de Integridade Pública Maquetização: Liliana Mangove

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