sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O caso "Manuel Vicente" e os sofistas de serviço - Hermínio Rodrigues




Benguela - Perante as recentes declarações do ilustre colega Sérgio Raimundo ao órgão de comunicação social público, canal televisivo TPA1, somos naturalmente impelidos, pela natureza do nosso ofício de docente universitário e investigador em Direito Penal e Processual Penal, a tecer os seguintes comentários:
Fonte: Facebook
ANÁLISE SOBRE UMA ARGUMENTAÇÃO FALACIOSA
1 – A notícia é, já de si, tendenciosa. Isto porque o título da mesma e a apresentadora começam por dizer diz que Miguel Sousa Tavares ignora o acórdão da Relação de Lisboa que nega a separação de processos requerida pela defesa de Manuel Vicente. Sim, porque a Relação de Lisboa indeferiu o recurso interposto sobre a recusa do Juiz do Processo em transferir o mesmo para a Justiça angolana, corroborando a posição do MP nessa matéria. Assim, não há qualquer decisão da Relação de Lisboa sobre isto. Tal acusação sobre o comentador (e não comentarista...), é falaciosa. Miguel Sousa Tavares diz que a Justiça portuguesa nunca negou transferir o processo com base num certo argumento, que seria "não confiar na justiça angolana". Ou seja, nunca se usou este argumento. Nem o acórdão diz isso! Portanto, é notória a intenção de descredibilizar. Que prove, quem puder, que alguma autoridade, em representação do Estado Português, proferiu essas palavras ou usou esse argumento. O que se tem dito é que não estão reunidas as condições para a “boa administração da Justiça”, aliás requisito previsto nos instrumentos de cooperação nesta matéria para que um processo seja transferido de um Estado para o outro. Com “boa administração da Justiça” quer-se significar, e isso é objectivo, condições para que as finalidades do direito penal e processual penal possam ser asseguradas, no sentido de defender os interesses violados pelos crimes eventualmente praticados. Ora, como as autoridades angolanas, ab initio, recusaram o cumprimento da carta rogatória para notificação a MV da sua constituição como arguido, alegando que o visado goza de imunidade constitucionalmente garantida e inderrogável, bem patente ficou que não há condições para que os factos sejam julgados em Angola. Mais ainda perante a Lei da Amnistia de 2016, a qual abrangendo, claramente (pelo menos de forma abstracta) os factos de que MV é acusado, inviabiliza, porque irreversível, o julgamento por essa factualidade. Portanto, é bem verdade que, em Angola, perante a lei e os tribunais angolanos, não estão reunidas as condições para administrar a Justiça. E porque é que é preciso administrar a Justiça? Porque a Justiça penal, a existir crime, visa aplicar penas, cuja primária finalidade é a estabilização da norma violada e a reconstituição da integridade do sistema penal. Chama-se isso: prevenção geral positiva ou integradora. Por isso a Justiça deve fazer-se no lugar e contexto onde os crimes tenham sido praticados e produzidos os seus efeitos, ou seja, neste caso, em Portugal.
2 – Alega o ilustre colega que MV beneficia de imunidades que lhe são deferidas pela Constituição de Angola. Ora, s.m.o., as imunidades garantidas pela CRA não vinculam um ordenamento jurídico terceiro, pelo que a Justiça portuguesa constitui arguido quem quiser (no limite da extensão territorial dos seus actos de soberania), desde que isso não contrarie direito internacional, o que, neste momento, está demonstrado à saciedade, porque MV não goza já de imunidades internacionais. Estivesse MV em funções de Vice-Presidente e poder-se-iam levantar dúvidas interpretativas sobre as normas da Convenção de Viena de 1961 e sobre o costume internacional nesta matéria. Somos, inclusive, como já o demonstrámos noutra ocasião, sensíveis ao argumento de que, a fortiori, a norma que reconhece imunidade internacional aos agentes diplomáticos, também a deve reconhecer aos Vice-Presidentes da República, embora não sejam referidos expressamente. Mas isso seria em efectividade de funções. No pós-cessação de mandato, o direito internacional (tanto o positivo como o costumeiro) não garantem qualquer imunidade. De qualquer modo, como os factos se não relacionam (nem remotamente) com o exercício de representação o Estado, tendo, ainda para mais, sido praticados antes do exercício dessas funções, as normas do DIP nunca se aplicariam a este caso. Isto é pacífico e é falaciosa a invocação da “numerosa jurisprudência” em benefício de tese contrária, até porque a tendência jurisprudencial recente vai, precisamente, em sentido contrário.
3 – Alega o distinto colega que, para mais, existem nulidades processuais. Ora, a falta de notificação da constituição de arguido e da notificação da acusação são irregularidades ou nulidades que cabe arguir no âmbito do processo em Portugal, nada tendo que ver com a questão da competência territorial da lei portuguesa, de acordo com as normas aplicação da lei penal no espaço, ou sequer, da competência em termos de aplicação pessoal, pois a questão das imunidades em Angola não tem nada que ver com a constituição de arguido no âmbito de um ordenamento jurídico terceiro. Por outro lado, se não houve constituição de arguido nem notificação da acusação, é porque a carta rogatória expedida pelo Estado Português foi liminarmente recusada. Ora, atentemos nos motivos para tal recusa. As autoridades angolanas atêm-se no argumento de que, pela lei angolana, MV não pode ser constituído arguido. É certo e ainda bem que foi admitido. Mas, a carta rogatória pedia para se dar conhecimento a MV de um acto emanado de um outro ordenamento jurídico, ordenamento de um órgão de soberania de um outro Estado. Logo, o acto cuja notificação se requereu não é condicionado pela CRA na sua legalidade. É certo que, por respeito à soberania do Estado Angolano, a notificação de um cidadão nacional não pode ser feita coercivamente por um poder de outro Estado. Por isso, tal expediente requer um pedido de colaboração do Estado requerido, o que foi feito. Que as autoridades angolanas tenham recusado o cumprimento da carta rogatória, escudando-se na cláusula do Acordo de Cooperação que permite essa recusa no caso da lei do Estado requerido não permitir o acto requerido, até aí tudo bem. Agora, isso não confere ao Estado Angolano o poder de impedir o processo no Estado Português, ao qual compete, nos limites do seu Código de Processo Penal, tirar as ilações e consequências, para o seu processo, da recusa de cumprimento da carta rogatória. O processo pertence à Justiça Portuguesa, não à soberania de Angola. Portanto, mais um argumento falacioso, lançado para confundir. Mas, a talhe de foice, sempre se pergunta, já agora: se MV não foi formalmente constituído arguido, a que título se faz representar no processo pelos seus advogados? Se não é arguido, requer separação de processos a que título? Suspeito? Testemunha? Assistente? O quê? A que título requer a transferência do processo para Angola? Só pode ser na condição de arguido. Se não assumisse essa condição, nunca poderia requerer o que só um arguido requer. Por isso, quanto a nós, a alegação de que não houve constituição como arguido é contrariada no processo pelos actos materiais. Repetimos: as eventuais nulidades e irregularidades processuais decorrentes da falta de cumprimento da carta rogatória é matéria que só aos tribunais portugueses cabe apreciar. Nenhuma autoridade angolana, muito menos o Governo, como tem acontecido, tem legitimidade para deliberar nesse sentido, pelo que a mistura desta questão das irregularidades processuais com aqueloutra da competência da lei portuguesa em termos de aplicação da lei no espaço face à pretensão das autoridades angolanas de aplicar a sua lei, é feita para confundir os menos atentos. Mas, será, por certo, deformação profissional própria do advogado que, ardilosamente, procura os caminhos que lhe dão mais jeito.
4- Ainda quanto à questão da qualidade de arguido e do direito à defesa antes de ser proferida a acusação, ignora-se, eventualmente, que, nos termos do art. 57.º n.º1 do CPP português é possível existir acusação sem prévia constituição de arguido, assumindo o visado essa qualidade, desde logo, pela acusação contra si formulada, embora haja, ainda assim, de ser notificado. Diz o n.º 1 do art.º 272.º do CPP que: “Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”. Tal obrigatoriedade resulta já da alínea a) do n.º 1 do art.º 58.º do CPP. Mas, de acordo com a parte final do n.º1 do art. 272.º, só cessa a obrigatoriedade quando não for possível convocar a pessoa para interrogatório. Caso em que o investigado assume a qualidade de arguido logo que contra ele seja deduzida acusação ou requerida instrução – n.º 1 do art.º 57.º do CPP. Mandam as regras da boa hermenêutica que apenas se convoque a regra do art.º 57.º do CPP quando se verifique uma situação de impossibilidade de notificação do denunciado/investigado para interrogatório. Com efeito, o preceito tem de ser interpretado de acordo com a teleologia e a funcionalidade que presidiram à sua redacção como, de resto, acontece com todo o direito penal e processual penal. Assim, sempre é obrigatória a constituição de arguido, obrigatoriedade essa que apenas cessa nos casos de impossibilidade de convocação do denunciado. Só neste caso é que a acusação faz com que este assuma a qualidade de arguido – art.º 57.º do CPP. Ora, se, na fase de julgamento, se mostrarem infrutíferas as diligências para constituir o visado como arguido, deve este ser declarado contumaz nos termos do art. 335.º do CPP.
5- MV pode apresentar-se perante a justiça portuguesa, as imunidades não são obrigatórias para o beneficiário, que a elas pode renunciar. A natureza da prerrogativa assim o determina. Uma coisa é o levantamento ser proibido pela CRA antes de decorridos 5 anos sobre o fiim do mandato. Outra coisa é o beneficiário apresentar-se num ordenamento estrangeiro onde essa imunidade não vale. Aliás, prova disso é que, se a justiça portuguesa emitir um mandado de detenção internacional e MV for detido fora de Angola, será extraditado para Portugal ou, se ingressar voluntariamente em Portugal, será detido para se apresentar em juizo, nao tenhamos a minima dúvida!
6 - Por outro lado, não se coloca aqui, de modo nenhum, um problema de ataque à soberania do Estado Angolano, porque os factos passaram-se em Portugal e atingiram a sociedade portuguesa, sendo esta a lei primariamente competente, de acordo com as regras sobre conflitos positivos de competência em matéria penal (critérios de conexão para a aplicação da lei penal no espaço). A única coisa que liga o caso a Angola é a nacionalidade de MV. Reclamar a exclusividade para punir um cidadão nacional não é prerrogativa conferida pela soberania de um Estado. O Estado Angolano não é excepção. Mais, se as autoridades angolanas invocam o art. 55.º do Acordo de Cooperação em matéria Jurídica e Judiciária Angola - Portugal, quem não está a respeitar a soberania do Estado Português é o Estado Angolano, pois aplicar a sua lei penal a crimes cometidos por QUALQUER PESSOA no seu território, isso sim, é prerrogativa de um Estado e, como tal, exercício de soberania. Sobre o território de um Estado, a soberania é exclusiva. Já o direito de punir um cidadão de uma dada nacionalidade não é um exclusivo do respectivo Estado de origem.
7 – Por último, destacamos como particularmente ardilosa e soez a tentativa de confundir a questão da competência e prioridade dos ordenamentos jurídicos concorrentes a esta questão, com outra completamente diferente que é a questão das vicissitudes processuais que se possam demonstrar no âmbito do processo em curso. As autoridades angolanas não têm legitimidade para exigir a remessa do processo aos tribunais angolanos com base no facto de que MV não foi constituído arguido ou notificado seja do que for. Também (e menos ainda) lhes confere tal legitimidade o facto de MV gozar, no plano da lei da sua nacionalidade, de imunidades, seja de que tipo forem. Aliás, esse é, até, um argumento desfavorável às pretensões das autoridades angolanas. Dizer: “remetam-nos o processo, vocês não têm competência para julgar o caso, nós é que temos”, e alicerça essa pretensão no argumento de que MV goza de imunidades irrevogáveis é um contrassenso, pois que, assumindo que o processo era remetido aos tribunais angolanos, o que sucederia era um non liquet! A Justiça angolana não poderia fazer, tanto por causa das imunidades, como da lei da amnistia. Ora, tendo em conta que os factos atingem, apenas e só, o Estado Português, porque ali foram cometidos, parece claro qual é a parte que não está a ser razoável.
Herminio Rodrigues
  • Espero bem q o Sergio Raimundo conseguiu entender o q aqui foi escrito, seu bajulador sem escrúpulos.
    Está mais do claro q a intenção de JLO, é ilibar o MV por duas razões bem claras e ainda repetidas hoje neste lindo texto imparcial.
    Deixem o gatuno ser julgado onde os crimes foram detectados e cometidos, q é em Portugal. Qual é o medo? Malandros.
    • Imagem
      Bem disse a Milucha: se o Manuel Vicente abrir a boca, o Menos Pão Luz Água desaparece!
      Já, em tempos, o Quim Ribeiro afirmara: se amanhã, no Tribunal, eu abrir a boca, o país pára!
        • Imagem
          Por acaso eu li atentamente os argumentos jurídicos do senhor Raimundo ,e deduzi logo que estavam eivados de "falsidades".Uma espécie de "engodo" jurídico bem estruturado com o objetivo de enganar e confundir os menos atentos e pouco entendidos na matéria.O senhor Raimundo quer parecer uma espécie de advogado do "diabo" usando todo o seu "ardil" jurídico para tentar convencer meio mundo inclusive pessoas altamente qualificadas nas ciencias jurídicas ,que o Manuel Vicente não esta a ter um tratamento correto das autoridades judiciarias portuguesas.Ja a bastante tempo que venho acompanhando os seus pronunciamentos nos midia, sobre o caso Manuel Vicente e nota-se a sua tendência de fazer crer que os procedimentos legais por parte das autoridades portuguesas não estão a ser feitos de acordo os padroes juridicamente aceitáveis.Para enganer a opinião publica nacional.Conforme as coisas vao se desenrolando estou em crer que o Manuel Vicente sera mesmo julgado em Portugal,provavelmente a revelia,a menos que surja outros imprevistos , tudo e´ possível.Mas se o estado português manter a sua firmeza no caso Manuel Vicente estou em crer que o Estado Portugues saira mais prestigiado,e respeitado perante muita gente,ao invés de "ajoelhar-se" perante um "grande ardil e chantagem"de um estado do terceiro mundo que não sabe o que e´ uma verdadeira separação de poderes.Vamos aguardando atentamente como vai terminar esta "novela" com o nome de Manuel Vicente.Nota-se a aflição o desespero e nervosismo de toda "elite" do Mpla e do próprio executivo do João Lourenço na defesa a todo custo do Manuel Vicente,ponto mesmo em causa as boas relações entre os dois estados e povos.So pode haver "gato" escondido com o rabo de fora.Alguma coisa esta "elite" corrupta quer esconder a todo custo!!!!!!
            • Imagem
              Chamem a Milucha para defender o Manel Safado. Ela já disse que se esse vagabundo abrir o bico é merda no ar condicionado do BP do MPLA acho que ainda sobra uma boa quantia para o JL
                • Imagem
                  Excelente raciocínio. Adorei e aplaudo.

                Sem comentários: