quinta-feira, 22 de março de 2018

Quero ser o Florindo!


(Ao Filipe Ribas)
Já defini as minhas prioridades para este ano: quero abandonar esta vocação paciente de lavrador que é a escrita. Escrever dói. É como se uma adaga insurgente nos esventrasse ininterruptamente. Escrever é, para mim, uma droga antiga. E, confesso, sou dependente. Vou me internar numa clínica de reabilitação. Sairei limpo. Olharei de esguelha aos meus amigos de outrora: Dante Alighieri, Franz Kafka, Frantz Fanon, Edgar Allan Poe, Ezra Pound, T. S. Eliot, só para citar alguns.
Eles que me aguardem…
A escrita não me consegue pôr comida à mesa. Prende-me. Embrutece-me. Eu era um rapazinho precoce quando me foi apresentado o Corto Maltese, o Tio Patinhas, o Pato Donald, Mickey Mouse, os irmãos Metralha….isto viciou-me. Esta droga arrastou-me por anos a fio. Arruinou-me a vida. Perdi família. Não tenho casa própria. Sou um farrapo humano.
Por isso quero ser o Florindo. Pertencer a alta roda do nosso jet- set doméstico. Os jet-setistas não lêem. Não precisam desses labirintos da escrita. Não vão ao teatro. Não ouvem música erudita. A sua genialidade está em nomear marcas de bebidas: Bacardi, Jack Daniels, Hennessy, Moët & Chandon, Grey Goose, Fernet-Branca…
O Florindo não precisa de um Curriculum Vitae. Para quê? Basta-lhe o nome de família. Também quem disse que vai concorrer. Amanhã, querendo, num leve estalar de dedos a multinacional é que vem ter com ele. Essas de gás, tipo Anadarko. A multinacional é que vai ajoelhar para o Florindo ser PCA. Vocês não vêem os carros que usa? Altas máquinas. Os ralis são feitos em plena Avenida Vinte e Cinco de Setembro. E fá-lo com beneplácito do comandante-geral da PRM. Até lhe assegura ajudantes do campo.
Ele pertence ao refinado jet-set. É um ilustre. Marimbou-se para as mais elementares regras de trânsito. Também não precisa. Nunca precisou de trabalhar para ter as ditas altas máquinas. Quem disse que somos todos iguais perante a lei? Esse quadro legal só é aplicável para os que não pertencem ao jet-set. Ao povo. À estatística. Quero ser o Florindo, preencher com o meu vazio, o vazio das colunas sociais!
Quero ter aqueles fatos de Itália. Com um lencinho a espreitar do bolso do casaco, sugerindo que de lá podem sair maços de dólares. Não precisarei mais de ser simpático. Não precisarei da aprovação da sociedade. Quem disse que um jet-setista precisa da aprovação de quem quer que seja? Terei o infinito em minhas mãos. Olharei o mundo como se fosse um grão de areia.
No meu mural do Facebook passarei a postar tudo: eu no Dubai; Hong Kong; Manhattan; no mundo…
Vou renegar todos os princípios que mos ensinou o príncipe Hamlet. Isso de que o importante é o que você é, é uma falácia. É um pensamento terceiro-mundista. Eu quero aparentar. Não preciso de ser feliz. Tenho que parecer feliz. Quero compartilhar cada micro-movimento da minha vida para que o mundo faça “Likes”. Quero essa fascinação contemporânea pelas redes sociais. Ter cem mil amigos no Facebook.
Depois de tudo isto, chego à triste conclusão de que ser louco é a única possibilidade de ser sadio neste mundo doente!(Laurindo Macuacuas)

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