domingo, 15 de abril de 2018

Brasil: a militarização da justiça?

OPINIÃO

Brasil: a militarização da justiça?

O Brasil entrou já em plena fase de transição autoritária, isto é, quando a gestão do sistema de poder que se diz democrático inclui práticas autoritárias e violentas.
O mais rápido dos processos Lava Jato, baseado segundo muitos juristas brasileiros, em provas muito frágeis (depoimentos feitos em regime de "delação premiada"), levou Lula à prisão. A rapidez do processo e a decisão de prender o réu logo depois de condenado numa 2.ª instância mas antes de ter esgotado todos os recursos na justiça tem tudo a ver com o facto de ele ser o candidato mais bem colocado em todas as sondagens para vencer nas eleições de outubro. Se ele triunfasse, fracassaria a campanha política, institucional, mediática e judicial para afastar o PT do poder, que forçou à demissão de uma Presidente democraticamente eleita (Dilma Rousseff) sem que sobre ela impendesse a acusação de prática de crime, e que agora quer impedir o regresso de Lula por via eleitoral. Como escreve a constitucionalista Eloísa Machado de Almeida, esta espécie de "agenda de moralização" assumida pela justiça está cheia de "decisões extravagantes [que] se mostraram, também, excecionais", adaptando-as casuisticamente: Aécio Neves (o candidato da direita derrotado por Dilma nas últimas eleições), "em idêntica situação à de Delcídio do Amaral [PT], não foi preso"; criou-se um "status de ministros sob medida para investigados do governo Michel Temer" que permite que estes não sejam presos ao contrário do que sucede com Lula (Nexojornal, 5.4.2018). É por isto que se fala de um golpe: afastada Dilma do poder, ofereceu-se a Temer o resto do mandato dela por cumprir (2016-18); percebendo que Lula poderia ganhar as eleições, era necessário prendê-lo. O PT paga hoje um preço que não pagam os seus antigos aliados políticos, com os quais achou ser inevitável aliar-se para conseguir chegar ao poder em 2003. Culpado ou não de corrupção, o operário paulista nascido no Nordeste (dois dos estatutos mais desprezados pela classe média-alta brasileira) que em 2009 se vangloriava de que "nunca [os empresários] ganharam tanto dinheiro como no meu governo", deixou-se armadilhar por um sistema político e social que, afinal, não ajudou a mudar e foi apanhado pela vaga de direitização radical da América Latina, que começou pela Venezuela, onde ainda não triunfou, passou pela Argentina, Brasil, Chile e Colômbia, e esbarrou na resistência da esquerda no Equador e na Bolívia.
Em fevereiro, Villas Bôas exigiu ainda que, no âmbito da ocupação militar do Rio de Janeiro decretada por Temer, os militares tivessem a "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade" no futuro - precisamente o que denunciou Marielle Franco logo antes de ser assassinada. Provavelmente, tem pouco com que se preocupar: "os juízes e os tribunais brasileiros têm recusado sistematicamente a abertura de processos a pedido de procuradores federais para julgar crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura de 1964-85" (Meyer).O Brasil entrou já em plena fase de transição autoritária, isto é, quando a gestão do sistema de poder que se diz democrático inclui práticas autoritárias e violentas que, com aparência de legalidade (normas que desafiam os limites da constitucionalidade e criam arbítrio) ou sem ela (violência praticada impunemente à margem da lei sobre ativistas políticos ou qualquer cidadão por forma a intimidar o conjunto da sociedade), mudam no essencial a natureza democrática do regime. Comecemos pela militarização da política. Há anos que se discute a "judicialização" da política, ou a "politização" da justiça (e esta é, afinal, tão antiga quanto os sistemas de justiça...), mas, no caso brasileiro, passámos ao lado da (re)entrada de chofre dos militares na vida política como sublinha Emílio Meyer, da Univ. Federal de Minas Gerais ("Militarization of Politics in Brazil", 5.4.2018, in https://ssrn.com/; agradeço a indicação de Luciano Abade). Dias antes da votação no Supremo Tribunal Federal (STF), o Comandante do Exército, gen. Eduardo Villas Bôas, usou o Twitter para advertir indiretamente os juízes contra "a impunidade" de Lula, numa ameaça gravíssima logo apoiada por vários outros comandos militares que condicionou uma sentença tomada por empate com voto de qualidade. Há meses, o Comandante já tinha deixado impune, esse sim, o gen. António Mourão quando, contra a Constituição, este apelou a que as Forças Armadas se encarregassem da "limpeza" da vida política e elogiou publicamente o torturador de Dilma, o cor. Brilhante Ustra, copiando o gesto indignante de Jair Bolsonaro, deputado federal e militar, que em 2016 dedicou a Ustra o seu voto a favor do impeachment. Bolsonaro candidato da extrema-direita que aparece em 2.º lugar nas sondagens, atrás de Lula, tem agora o caminho para a Presidência facilitado.




  1. Embora defendam a prisão de todos os políticos corruptos, inúmeros brasileiros preferem se esquivar das notícias que confirmam a enorme diferença entre o tratamento judicial dispensado à direita e o conferido à esquerda (“STJ tira Alckmin da rota da Lava Jato de São Paulo”). Nada é mais cômodo do que invocar argumentos calcados na isonomia e depois retirar da consciência os seus efeitos práticos.
  2. Desculpe, mas a importância de certos comentários não justificam em nada que eles sejam apagados.O Sr poderia então te-los transmitido com as letras minúsculas.
    1. Os moderadores não podem alterar comentários. Apenas aprovar ou rejeitar.
  3. Penso que este será o seu 3º comentário que rejeito por conter palavras em maiúsculas. Não quererá refazer o comentário obedecendo aos critérios de publicação?
    1. Isso é motivo ou o comentário que não agradou?
    2. Basta submeter novamente o comentário sem maiúsculas e fica a saber :)
    3. Depois de emitir um pensamento é muito triste e chato ter que refazer um texto apenas porque foi usadas palavras em maiúscula.Perdi o time.Sou pós graduando em Ciência politica, especialista em administração pública e estou vendo certos equívocos por parte dos comentaristas.Meu intuíto é esclarecer e não dizer que a minha verdade é absoluta. Também faço análises para jornais e TVs no Brasil como podes ver consultando o google.Não tenho partidos e nem sigo uma tendencia politica.
    4. Concordo que seja chato, mas então basta respeitar os critérios de publicação para que não volte a acontecer no futuro. Basta "clicar" no link abaixo da caixa de comentários para ler os critérios. Também é triste ser acusado de rejeitar um comentário por não concordar com ele, mas já estou habituado ;-)
ö

OPINIÃO

Brasil: o ataque à liberdade de ensinar

Engana-se quem julga que o que se passa no Brasil é um simples confronto político semelhante ao que ocorre em qualquer democracia.
"O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil." Este é o título de uma disciplina de opção que Luís Felipe Miguel decidiu organizar na Universidade de Brasília onde é professor, seguindo todos os procedimentos académicos. A intenção é fazer o que se espera de qualquer universidade: ajudar a explicar a realidade política e social em que se vive a partir de uma metodologia científica; neste caso, para discutir o processo histórico e político do impeachment contra a Presidente Dilma Rousseff que levou, como bem se está a perceber, à suspensão de toda a normalidade constitucional no Brasil. O ministro da Educação do governo Temer, achando que se estava a usar uma universidade pública para "fazer proselitismo político e ideológico", acionou nada menos que a Advocacia-Geral, o Tribunal de Contas e o Ministério Público Federal para apurar se os responsáveis pela criação do curso não estariam a incorrer no delito de "improbidade administrativa". Ou seja, o Governo brasileiro tenta censurar a atividade de um docente violando dois preceitos constitucionais básicos em qualquer democracia: a liberdade de expressão e a autonomia universitária.
Para agravar o ataque descarado à liberdade de ensino, um vereador direitista da Câmara de Salvador, cidade em que está sediada a UFBA, denunciou Carlos Zacarias na justiça. Ao fazê-lo, e num ambiente hoje politicamente tão crispado quanto o brasileiro, a intenção é duplamente intimidatória: intimado a justificar-se perante um juiz, o professor está a ser automaticamente transformado em alvo de "grupos de ódio, [...] de grupos de extrema-direita, grupos parafascistas, que estão se organizando, e nessa altura eu posso ser reconhecido pelas fotos que foram veiculadas e que transformaram meu nome e a minha figura em alguém que pode ser alvejado por essas pessoas com ódio" (Zacarias, entrevista à Revista Fórum, A reação de indignação foi imediata. Entre os primeiros a se solidarizarem com Miguel esteve Carlos Zacarias, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), um dos investigadores mais competentes, mais respeitados e civicamente mais empenhados da historiografia brasileira, com quem tenho o privilégio de trabalhar há já 12 anos. Desafiando corajosamente a intimidação do novo poder em Brasília, Zacarias decidiu replicar a iniciativa na UFBA. Em poucos dias, mais de 40 outras universidades brasileiras juntaram-se à iniciativa, desafiando a ameaça de um ministro que ficou conhecido logo em 2016 por ter concedido audiência ao ator porno Alexandre Frota (que muitos em Portugal se recordarão de uma imbecilidade televisiva) para ouvir as suas propostas sobre "o fim da doutrinação ideológica nas escolas"! Que um patético Frota confunda investigação científica com "doutrinação" decorre das limitações próprias da personagem; que um ministro federal queira sancionar funcionários públicos por "promoção de pensamentos político-partidários" já soa mais a Hermann Goering, que dizia puxar da pistola quando ouvia a palavra "cultura", ou a auto-de-fé disfarçado de cumprimento da legalidade. Não há opressão que não simule legalidade e que não invoque preocupação com o bem público.
Engana-se redondamente quem julga que o que se passa no Brasil desde há mais de dois anos é um simples confronto político semelhante ao que ocorre em qualquer democracia, com mais ou menos corrupção no meio. O que ocorre no Brasil, e em grande parte das Américas e da Europa, é uma verdadeira transição autoritária com um significado histórico semelhante ao de outros processos de natureza idêntica ocorridos há 40, 50 ou 90 anos atrás. Nuns lugares a pretexto da "luta antiterrorista", noutros (Espanha, Brasil) a pretexto da "defesa das instituições", e sempre em nome da "democracia", é a própria democracia que se ataca. A nova ordem brasileira, que não foi legitimada sequer, como costuma ocorrer com as transições autoritárias, por um qualquer processo eleitoral mais ou menos manipulado, assume hoje a posição de Carrero Blanco, o número dois de Franco, em 1973, prototípica de qualquer ditadura: "Não aceitamos as interpretações subjetivas que do nosso Regime fazem ou possam fazer determinados grupos e indivíduos; só aceitamos a interpretação institucional."
"A universidade é hoje um foco de resistência contra o Estado de exceção que começa a se configurar no Brasil", diz Zacarias. "Se não há o direito de a gente ensinar sobre o golpe [...] é porque a gente vive em um Estado de exceção." Não lhe falta a solidariedade de muitos colegas brasileiros. A minha (e, estou certo, a de muitos portugueses que o conhecemos bem) manifesto-lha aqui. Incondicional!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Não existe ataque ao ensino e sim contra a doutrinação. As Universidades públicas devem seguir aos princípios constitucionais de impessoalidade e moralidade. A maioria dos professores são de esquerda e tem uma visão pessoal do processo de impeachment. O corporativismo também impera. Baixa produtividade e desconexão com a realidade é o que.ocorre nestas universidades. Publique o programa da UnB no site. Esquerda atrasada, corrupta e utópica. Um atraso pro Brasil.

OPINIÃO

Democracias "consolidadas"

Vive-se por todo o Ocidente um ambiente generalizado de paranóia controladora que torna a democracia um puro simulacro.
O relatório do Comité de Prevenção da Tortura do Conselho da Europa sobre Portugal, em particular sobre o comportamento das autoridades policiais e a atuação do Governo relativamente aos fenómenos de violência policial, de que somos o pior caso na Europa Ocidental, e os abusos praticados contra os afrodescendentes e os estrangeiros, foi divulgado numa semana que fechará com umas eleições italianas no centro das quais está o avanço do racismo. Estes dois casos relançam a discussão sobre a qualidade da democracia, da nossa e daquelas às quais, com pouquíssima seriedade intelectual, se tem chamado "democracias consolidadas".
Vamos a alguns exemplos europeus. Bem antes dos atentados de 2015, a França equipou-se em 2008 com legislação que permite prorrogar a detenção para lá da pena a pretexto da "perigosidade" do detido. Em Portugal, "medidas de segurança" desta natureza existiam sob a ditadura e eram geridas pela PIDE. Submetida a um estado de emergência desde 2015, que Macron decidiu "legalizar" transpondo para a lei comum muitas das normas excecionais previstas naquele, limitou-se a liberdade de informação e de manifestação e sucedem-se os abusos praticados pelos serviços de informações e pelas polícias, que afetam os suspeitos de terrorismo ou de "colaboração" ou "auxílio" em atos como tal designados, mas também ativistas sociais e políticos, jornalistas, cidadãos de todo o tipo. Em 2015, o Governo francês acionou o art. 15.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que permite a um Estado aderente cessar a aplicação da convenção "em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação", juntando-se a um grupo de bons exemplos, como a Albânia, a Geórgia, o Reino Unido, a Ucrânia ou a Turquia de Erdogan (a qual, aliás, só o fez sete meses depois da França).Desde o 11 de Setembro, assistimos à escala internacional a um processo de transição autoritária em que, a pretexto da segurança e da "guerra contra o terror", se abrem duas etapas: na 1.ª, excluem-se os outros (imigrantes, refugiados, minorias étnicas) do âmbito de reconhecimento da cidadania democrática, empurrados para o limbo do arbítrio do Estado e dos poderosos; numa 2.ª etapa, caminha-se inevitavelmente para a ampliação do arbítrio para as áreas de atividade social, política e cultural de todos aqueles que se oponham à nova ordem securitária, sujeitando-os a regras de controlo típicas das ditaduras mas sem nunca se prescindir da aparência de democracia.
É ao abrigo deste estado de emergência tornado regra, desta normalização da exceção, que temos vindo a assistir em algumas das chamadas democracias "consolidadas" à criminalização da opinião, do humor e de manifestações artísticas. Exatamente como em qualquer ditadura. A Espanha é das recordistas de abusos neste campo — para já não falar da prisão dos independentistas catalães. O último dos exemplos é o do rapper espanhol Valtònyc, detido em 2012 pelos crimes de "apologia do terrorismo e do ódio ideológico", "incitação à violência" e "injúrias" ao rei de Espanha deduzidos das letras das suas músicas. Em 2017 foi condenado a 3,5 anos de cadeia, que, depois de recurso, acabam de ser confirmados há uma semana pelo Tribunal Supremo. Que no meio disto Rajoy tenha marchado nas ruas de Paris sob o lema de Je suis Charlie diz tudo da sinceridade dos princípios democráticos de algumas das democracias "consolidadas"...
Vive-se por todo o Ocidente um ambiente generalizado de paranóia controladora que, desjudicializando o controlo dos processos de vigilância que, por definição, deveriam ser muito restritos, viola descaradamente os direitos dos cidadãos, promove o "Estado securitário dentro do Estado", "institucionaliza o arbítrio" e torna a democracia um puro simulacro. Como diz William Bourdon (Les dérives de l'état d'urgence, 2017), pretende-se fazer crer aos cidadãos "que as liberdades estão mais bem protegidas se a elas renunciarmos". Toda esta ambiência autoritária tem sido sacudida pelo discurso político e mediático dominante para cima de Erdogan, de Putin ou de Maduro mas nunca aparece descrita para países como a França ou a Espanha, raramente os EUA. É como se a "democracia iliberal" de que há anos fala o tão elogiado Fareed Zakaria se limitasse a parceiros menores na Europa pós-comunista (Hungria, Polónia, Eslováquia...) e não se tivesse instalado no coração das democracias que se julgam "consolidadas".
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Historiador
  1. Joao
      Portugal 
    Muito bem! Para mim, ainda o mais repugnante é a manipulação da informação, a omissão dos factos, a criação de narrativas, as mentiras repetidas vezes sem conta... o mais nojento é a censura, a auto censura, a perseguição e o apagamento dos que alertam para essas censuras e manipulações.... tudo para que as maiores sebentices e os maiores crimes, os extermínios e mortes de milhões sejam omitidos ou apresentados de forma "confortável" ao público e a opinião pública seja moldada (Shape) segundo os interesses gananciosos e ignóbeis.
  2. Jorge Sm
      Portugal 
    Muito bem.
  3. Este que nos diga, quais as democracias que lhe têm servido de referência

OPINIÃO

O Curdistão espanhol

Se a Turquia de Erdogan é um exemplo evidente da regressão autoritária dos últimos anos, recordemos que a Espanha tem presos nove deputados catalães
Nove deputados do Parlamento da Catalunha estão presos. O último é o próprio  Carles Puigdemont, presidente da Generalitat da Catalunha suspenso das suas funções pelo Governo espanhol, preso desde domingo na Alemanha por ordem da justiça espanhola, aguardando decisão sobre pedido de extradição. Se a Turquia de Erdogan é um exemplo evidente da regressão autoritária dos últimos anos (regimes que assumem procedimentos ditatoriais fingindo manter a aparência de formalidade democrática), recordemos que a Espanha tem presos nove deputados catalães (de um total de 135), a todos tendo retirado, sem sequer os haver julgado, os direitos políticos (nenhum deles pode comparecer no Parlamento para qualquer votação ou candidatar-se ao cargo de presidente); e que Erdogan mantém presos há um ano exatamente o mesmo número de deputados curdos (de um total de 550)! A Turquia tem sido repetidamente condenada por organismos internacionais e pelos vários Estados da UE; a Espanha tem sido repetidamente advertida pela ONU e pelo Conselho da Europa, mas nenhum governo da UE se tem atrevido a condenar esta atuação completamente indigna e ilegítima!
A estes deputados (sete homens, duas mulheres) soma-se Jordi Cuixart, presidente da associação Ómnium Cultural, preso desde 17 de outubro com Jordi Sánchez, presidente da maior associação catalã. Por terem convocado, antes ainda do referendo de 1 de outubro, uma manifestação que contestava a invasão policial do Departamento de Economia e a detenção de funcionários que estava a decorrer, foram acusados de "sedição" e de "rebelião". Pouco importa que não tivesse havido violência, e menos ainda que tenham sido os próprios Jordis a pedir aos manifestantes que desmobilizassem para permitir a retirada das forças policiais. Duas semanas depois, a polícia prendeu oito membros do governo catalão; ao fim de um mês, seis foram libertados com fianças de centenas de milhar de euros (reunidos em coleta cívica); quatro voltaram a ser presos há uma semana. Dois outros mantêm-se presos há cinco meses. Um deles, já na prisão, deu positivo no teste da tuberculina, o que não fez demover o juiz: a sua libertação poderia dar origem a manifestações que poriam em causa a "ordem pública" pelo que o melhor é mantê-lo preso! Qualquer semelhança com uma banal ditadura deve ser pura coincidência...
Além de Puigdemont, seis outros ativistas políticos catalães partiram para o exílio. Emitido em novembro um primeiro mandado de detenção europeu, a justiça belga deixou claro que não aceitaria extraditar nenhum deles pelo crime de "rebelião", o qual, no próprio Código Penal espanhol, implica ter-se recorrido à violência. A justiça espanhola decidiu retirar o mandado para evitar a humilhação de ter de aceitar abandonar a acusação que lhe permite prender incondicionalmente toda esta gente e os tratar publicamente (magistrados, governo, oposição socialista, media...) como "golpistas" ou como se fossem "terroristas". Em fevereiro passado, a Espanha recebeu outra lição: por ter uma "natureza política", a Suíça advertiu que rejeitaria o pedido de extradição de uma antiga deputada da CUP, Anna Gabriel, que se recusou a acatar a convocação do Supremo Tribunal e fugira do país. Outra das exiladas, Clara Ponsatí, ministra da Educação do governo Puigdemont e professora numa universidade de Edimburgo, foi convocada por um juiz escocês para dar cumprimento ao mandado emitido pela Espanha, e saiu em liberdade ao fim de uma hora para aguardar a decisão definitiva sobre a extradição. A imprensa britânica tem, de resto, assumido a mesma atitude da alemã a propósito de Pugdemont, refletindo a opinião maioritária fora ou dentro das coligações de poder: o Estado espanhol passou todas as marcas na sua campanha punitiva do independentismo catalão, especialmente desde que o nacionallismo espanhol foi tão claramente derrotado nas eleições que Rajoy convocou na Catalunha depois de ter suspendido a autonomia, na esperança, perfeitamente explícita, de "decapitar" (expressão da vice-presidente do Governo) o movimento independentista. Não é coincidência que, uma vez renovada a vitória independentista, as prisões se encham.
Um funcionário numa das prisões onde estão detidos estes presos políticos, escreveu há dias "[sentir] uma vergonha democrática tal por ter que sofrer o espetáculo de cinco homens fechados numa prisão por 'crimes' políticos que me é insuportável ir todos os dias cumprir o meu horário de trabalho” (José Ángel Hidalgo, ctxt, 27.3.2018). Eu, por mim,
sinto vergonha pela solidariedade dos governos europeus (a começar pelo português) com semelhante indignidade.
Historiador
  1. El PIB per capita medio en España fue en 2016 de 24100 euros. El PIB per capita de Cataluña en el mismo año fue de 28590 euros. Comparar la situación de Cataluña, una de las regiones más ricas de la Unón Europea, con la del Kurdistán solo puede deberse a una inmensa mala fe, a un enorme sectarismo o a una profunda ignorancia. Posiblemente a las 3 causas juntas. Pero lo peor es que la comparación minimiza y desprecia la situación de los kurdos. ¿Les parecería normal un titular sobre el Algarve que dijera; el Kurdistán portugués?
  2. En España no hay presos políticos sino políticos presos por sus delitos: la abolición de la Constitución y del Estatuto de Autonomía en contra del 52% de los votantes catalanes. Unos 2 millones de votantes catalanes pretenden decidir sobre España sin contar con los otros 34 millones de votantes españoles (y a eso le llaman democracia). Ándense con cuidado con los nacionalismos populistas y supremacistas no vaya a ser que cualquier día el presidente de Madeira o de Azores o de Padania o de Baviera empiecen a declarar independencias. Sería una maravillosa Europa de unos 350 estados según los independentistas catalanes. Si el presidente de Madeira declarara la independencia sin contar con el resto de los portugueses y violando la Constitución, ¿los tribunales portugueses no actuarían?
  3. Jonas Almeida
      Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 
    Subscrevo a conclusão e vergonha de Manuel Loff "sinto vergonha pela solidariedade dos governos europeus (a começar pelo português) com semelhante indignidade". Isto torna-nos objetivamente cúmplices de um crime contra a Liberdade e a Justiça sobre o qual o registo da História não terá contemplações: a complacência dos cidadãos é em última instância a razão pela qual estes maus hábitos regressam mais uma vez aos mesmos países europeus onde têm tradições históricas. A eurozona assume aquilo que sempre quis ser.
    1. Jonas Almeida
        Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 
      No meio desta Turquia europeia, a Suíça, bem no coração desta nova ditadura, merece uma nota de admiração pela sustentação de hábitos centenários de Democracia e respeito da Liberdade dos seus cidadãos. As duas coisas andam sempre juntas.
    2. The Adventures of Michael Collins
       Enviado especial a repúblicas imaginárias governadas por pokémons
      E pelas lavagens de dinheiro não merece elogios a sua Suíça?
  4. Sempre achei este tipo um idiota.Ele encarrega-se de o ir confirmando
  5. Joao
      Portugal 
    Muita razão. Para mim o terror e tristeza que sinto ao ver estas nojeiras sobrepõem-se à vergonha de termos o lideres, por cá e pela Europa, do mais nojento que existe.
    1. Joao
        Portugal 
      Para mim isto acabou no dia seguinte ao referendo quando chegaram da Europa os apoios ao sebento Rajoy. Todos corruptos e criminosos que falam em nosso nome… claro que o libidinosamente corrupto Rajoy pertence ao mesmo clube do senhor Luxleaks, do Corkleaks claro, do Waiterleaks como é óbvio… tudo na boa tradição e exemplo do criminoso Cherne Barrosão.
    2. Joao
        Portugal 
      É aterrador e triste assistir ao que se passa nos media e nos opinadores por essa Europa, um servilismo triste em vez de ser um esclarecimento, uma luz, um apontador… Não é só cá em casa, na vizinha Espanha e por exemplo mesmo na França… os media, drogados e servis, com narrativas adormecentes e hipócritas sempre omitindo o que não lhes seja útil para anestesiar o público e sempre salientando e apelando ao choradinho de lencinho no canto do olho e ao “patriotismo” agora serodiamente recuperado para estes fins sebentos.
    3. Joao
        Portugal 
      É aterrador e triste não só presenciar essa manipulação hedionda da opinião pública como, e talvez sobretudo, a instrumentalização dos serviços judiciais. Quer a manipulação da informação pública quer a instrumentalização política da justiça são usados abundantemente pelo lideres sebentos para, como sendo um “tapis de bombes” do método Macron, soterrar e perseguir os que tentam, se esforçam e insistem em melhorar e defender os valores que tanto custaram a alcançar ou apenas estar ao alcance, liberdade, vida, democracia, das pessoas e populações.
    4. Jonas Almeida
        Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 
      Concordo João, "Para mim isto acabou no dia seguinte ao referendo quando chegaram da Europa os apoios ao sebento Rajoy". Especificamente como Português, o espanto e vergonha foram para mim agravados com o telefonema filipino de Marcelo. Nem esse detalhe da bajulação para com um rei idiota em pleno século XXI escapou à vergonha - e revolta!
  6. The Adventures of Michael Collins
     Enviado especial a repúblicas imaginárias governadas por pokémons 
    Mais um articulista hipócrita. Para quem é tanto contra a direita e extrema-direita, gostaría que o sr. Manuel Loff me justificasse porque raio tem sido a extrema-direita europeia, na sua maioria, a apoiar o Piupiumont e companhia. Ou sr. Loff esqueceu-se da visita de um destacado membro da AdF ao Piupiumont esta semana?
    1. Jonas Almeida
        Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 
      A Liberdade não é um valor de direita vs esquerda, é a diferença entre os que vivem de pé e os que mal se aguentam de cócoras.
    2. The Adventures of Michael Collins
       Enviado especial a repúblicas imaginárias governadas por pokémons
      Já reparei que tomou o seu conveniente duche de hipocrisia hoje.
    3. The Adventures of Michael Collins
       Enviado especial a repúblicas imaginárias governadas por pokémons
      E mude os óculos de cebola que está lá bem escrito extrema-direita.
  7. O señor articulista podría ser un buen candidato a la presidencia de la Generalitat, que está vacante en estos momentos, dada su simpatía absoluta con la causa separatista. Señor articulista, la realidad no es tan simplona como usted la presenta.
    1. Minhoto#
        Minho/Galiza
      A realidade é bem mais tenebrosa: acrescente a descrito no artigo, a prisão de músicos, como é o caso dos rapeiros Valtonyc. ou de Pablo Hasél, da censura de obras de arte, como aconteceu na ARCO, a prisão por dois anos por queimar a fotografia do rei, ou a tristemente célebre "Lei Mordaça", que condiciona as mais elementares liberdades democráticas. E sim, o estado espanhol é a Turquia da Europa ocidental.
    2. Jonas Almeida
        Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 
      Caro Sr Juan, os critérios de publicação são muito claros quanto á necessidade de escrever aqui em Português exceto no caso citações ou referências entre aspas.
    3. Caro Juan, cuando yo escribo en los periódicos españoles, lo hago en español, porque no intenta en portugués? No és tan duro así, pero vosotros estais acostumbrados a imponer vuestro idioma donde quer que vayan...
  8. Todos os democratas deveriam sentir vergonha.
  9. Minhoto#
      Minho/Galiza 
    Também eu sinto vergonha pela passividade portuguesa perante esta barbaridade antidemocrática. Muitos parabéns pelo artigo, que deveria ser de leitura obrigatória, e não colocado nos fundos. Abraço
    1. Quais fundos homem? É o terceiro artigo das crónicas de opinião. Não está escondido. Eu li. (vou reler com vagar).
    2. Minhoto#
        Minho/Galiza
      Cara: quem menospreza o camarada Omar Souleyman não merece o meu mínimo respeito. Um homem que está em todo o lado, e nos sítios mais surpreendentes (vê o vídeo todo, que vale bem a pena) - Omar Souleyman - Warni Warni (Official Video)
    3. Vou reler com vagar. E ver o que dizes. :(
    4. Minhoto#
        Minho/Galiza
      Camarada: olha que estava a ser irónico. Abraço
    5. Ok... A ver se arranjo vagar para ir ver com atenção. :)
    6. Já reli. Já vi o Omar. O que é que este gajo tem a ver com a Catalunha? Não percebi. Estou lerda camarada...
    7. Minhoto#
        Minho/Galiza
      (vem na sequência da troca de galhardetes de ontem. Não tem nada a ver com a Catalunha)
    8. (tong. tong. Já apanhei. Dormi mal. Sempre boa desculpa para quando não apanhamos à primeira)
  10. correcção: excelente título.
  11. Excelente artigo, como sempre, e excelente .
  12. A História os e nos julgará.
    1. Jonas Almeida
        Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 
      verdade, a ausência de resistência para com este novo fascismo europeu torna-nos culpados. Altura de começar a pensar nisso. A resistência digital oferece oportunidades assimétricas interessantes.



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