terça-feira, 17 de abril de 2018

Notas à propósito d’“Os Últimos dias de Uria Simango” de Adelino Timóteo

Partes da nossa história pra serem devidamente contadas e serem conhecida por todos.
"HISTÓRIA, MEMÓRIA E IDENTIDADE: Notas à propósito d’“Os Últimos dias de Uria Simango” de Adelino Timóteo

Caras amigas, caros amigos,
Começo esta minha modesta intervenção por manifestar a minha honra por ter sido convidado a apresentar esta obra com o título “Os Últimos dias de Uria Simango”. Para um simples professor de Antropologia esse convite aparece como uma tarefa hercúlea mas prazerosa. Também gostaria de mencionar o passamento, ontem, de Winnie Madikizela Mandela. Uma personagem carismática, igualmente controversa mas que constitui verdadeiro exemplo de convicção que influenciou grandemente a Historiografia Contemporânea da África do Sul.
A obra de Adelino Timóteo resgata a sua relevância em dois pilares fundamentais. Por um lado o contributo que representa para o alcance de uma fórmula de reconciliação de nível nacional e, por outro lado, a reformulação do paradigma dominante na Ciência Histórica produzida em Moçambique.
Como Nação o alcance da nossa maturidade – algo que o vulgo denominaria a “entrada nos ENTAS” – encerra em si desafios que são tão urgentes quanto capitais. Os mais de 40 anos de independência exigem que produzamos uma reflexão sobre o nosso passado de uma forma proactiva e frutuosa. Que possamos cravar o nosso amadurecimento num maior conhecimento do nosso percurso não com a intenção de caçarmos bruxas ou culpados para os nossos prováveis infortúnios, mas para que estejamos em melhor condição para enformar o futuro que desejamos para nós como, nas palavras de Severino Ngoenha, “comunidade de destino”.
O nosso trajecto está pejado de dor, de incongruências, de mal entendidos, de injustiças e até de revolta mas, ainda assim, ele constitui o NOSSO trajecto, o trajecto que é nossa posse. É por isso que “Os Últimos dias de Uria Simango” é relevante: porque ele nos faz lembrar que nem tudo foi belo na nossa viagem. Ele nos reaviva a memória e destaca que já fomos maus uns para com os outros, que já nos odiamos e destruimos. Todavia esse é o caminho que os sábios desenharam para ser seguido por quem deseja uma verdadeira reconciliação. Devemos conseguir olhar para as feridas que já nos infringimos não apenas para valorizá-las mas para que a partir daí estejamos em melhor condição para perspectivarmos um futuro em comum. Dessa forma caminharemos para uma reconciliação consciente e que usa os nossos próprios erros como obstáculos facilmente contornáveis no Futuro.
É mister que identifiquemos as circunstâncias específicas sob as quais a nossa Nação viu a luz do dia, porque apenas assim poderemos ver os desafios que hoje devemos enfrentar precisamente por conta desse contexto. No final trata-se de um imperativo nacional e uma tarefa incontornável da genuína reconciliação o lançamento dessa luz sobre a nossa História para que todos, nós e as vindouras gerações, possam dela tirar as devidas lições.
É importante que reconheçamos que a nossa Identidade foi construída pelo princípio de Unidade ligado à homomgeneidade e à supressão das microidentidades localizadas. Apenas assim poderemos nos aperceber que é possível construir uma identidade de cariz nacional que resulte da valorização da diversidade por soma de todos os microcosmos. A “Nação do Arco-Íris” ou o “Ubuntu” não são necessariamente criações originais do último quartel do século XX.
Adelino Timóteo também contribui para a reavaliação de uma das características da nossa, até ontem, jovem Nação: uma Historiografia monolítica e dogmática. Por imperativos políticos, ideológicos ou de simples desejo de construção de uma Nação Una e Indivisível; habituamo-nos a construir uma História “a uma só voz” para usar uma linguagem popular. Apesar de propalarmos uma fórmula a que designamos “Materialismo DIALÉTICO” sempre ostracizamos e cobrimos de escárnio a voz dissonante. Prezamos a crítica e ensinamo-la nas universidades mas somos implacavelmente contra manifestações que se desalinhem da ortodoxia.
Nessa linha devemos considerar a grande contribuição d’Os Últimos dias de Uria Simango: a necessidade de a escrita, o debate e a divulgação da História de uma Nação fazer o maior uso do poder heurístico da polifonia. Um processo de levantamento e confrontação de um cada vez maior número de vozes de que apenas pode resultar um conhecimento acrescentado e melhor alicerçado, graças às várias nuances apresentadas. Quando o vulgo procura a “novidade” ou “a bombástica revelação” o Historiador analisa minuciosamente o material que se apresenta e busca cada minúscula peça e cada pormenor para acrescentar ao grande puzzle que é a construção da história de um país.
Em suma a obra de Adelino Timóteo é um convite à reflexão colectiva que não pretende ser o mote para um novo (e às vezes sangrento) ciclo de batalhas pela verdade legitimada, antes um contributo para esse grande edifício que é a História de Moçambique. A leitura em si nem sempre é facilitada pela gigantesca quantidade de notas de rodapé, mas o prazer de contemplar uma nova perspectiva supera a arrelia.
Termino com as palavras do psiquiatra, filósofo, ensaísta e Africanista Caribenho Frantz Fanon:
"Cada geração deve, a partir de uma relativa obscuridade, descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la" (…)
Muito Obrigado
Kudumba Root
Maputo, 3 de Abril de 2018"
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Comentários
Fernando Filipe Franco Essa obra deveria ser lida obrigatoriamente por todos os "camaradas".
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Fibonacci Tancredo Oque acontece é que muitos não sabem ler e não tem a cultura, talvez fazer via filme.

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