segunda-feira, 16 de abril de 2018

TETE: UMA TERRA DE CONTRASTES


Centelha por Viriato Caetano Dias (viriatocaetanodias@gmail.com )
A exclusão, a fome e a pobreza corroem e são impeditivas de uma coesão nacional sadia – Miguel César Domingos Bembe
Estou em Tete, cidade rica que está ano após ano mais linda. Terra que guarda simbolicamente o meu cordão umbilical e que me preparou para os desafios deste « mundo cão », repleto de injustiças, mentiras e baixezas. Como diria o poeta Aguinaldo Fonseca, « É um mundo cheio de ladrões de destinos e quem nasce infeliz acaba também infeliz.”
Tete tem recursos naturais abundantes, património histórico e paisagístico de fazer inveja. A sua gente, de tradições culturais milenares, é a principal riqueza da província. Para uns, a indumentária, a gastronomia, a produção agrícola, os monumentos, geografia, o mar, a literatura, a rebeldia política, as rixas religiosas, constituem os seus cartões-de-visita, Tete notabiliza-se pela sua gente hospitaleira e trabalhadora. Tete é realmente terra de boa gente, não pela mitologia ou contos de fada, porque a bondade e a generosidade humanas (bonomia) estão na génese do povo nhúngue.
Um povo humilde que convive mergulhada na pobreza extrema. Um povo com tantos séculos de História que continua a ser vítima de alguns governantes medíocres e sem visão estratégica capaz de ver ao longe. Ou seja, dirigentes de vigor extraordinário com capacidades para agregar valores e potencialidades humanas para puxar pela economia da província. Um povo guardião de recursos, mas que está à leste do desenvolvimento. Governantes que não lutam pela dignidade de todos e dos mais fracos, mas sim pelo capital das empresas transnacionais.
Tete é uma terra de contrastes. As suas riquezas, como o carvão mineral, não chegam ao estômago da maioria das populações. O carvão tornaria ainda mais preta a situação de vida dos tetenses que se viram desterrados das suas habitações, onde ganhavam a vida, para dar lugar a exploração daquele minério. As populações reassentadas vivem hoje numa indecência extrema e sem a certeza do amanhã. Aliás, para aqueles nhúngues desfiliados aos “novos” espaços, o amanhã é sempre um amanhã tristonho.
Sem nunca ter soado o alarme sobre o baixo aprovisionamento da água na barragem de Cahora Bassa, o abastecimento de água potável na cidade de Tete é feito com restrições. A corrente eléctrica mantém-se um cancro maligno. O governo provincial gaba-se de ter electrificado quase a totalidade dos distritos, sucede-se que a electrificação cinge-se à sede do distrito e não aos bairros, postos administrativos e suas localidades que permanecem às escuras. Há milhares de moçambicanos, em vários distritos da província, que vivem uma vida de eremitas (fora do contexto social).
O turismo permanece moribundo. O turismo, para que possa dinamizar ganhos, deve ser publicitado. Tete precisa de apostar, num segundo plano, o conceito do “turismo verde”, que não cause impactes ambientais. Por exemplo, o turismo fotográfico, o alpinismo e o desporto aquático podem ser a chave para o desenvolvimento acelerado do país. Não podemos cair na ilusão de que o carvão mineral é panaceia dos problemas que carcomam o progresso de Tete, porque é um recurso efémero. A herança do sector mineiro, em qualquer parte do mundo, é um problema de saúde pública.
Em alguns locais por onde passei vi gente a produzir comida. Infelizmente, como acontece no Zóbuè, a população clama pela reabilitação das vias de acesso para o escoamento dos seus produtos agrícolas e de mercado para a sua comercialização. Os camponeses de Wiliamo, uma zona altamente produtiva do Posto Administrativo do Zóbuè, vêem-se na contingência de vender os seus produtos ao desbarato no vizinho Malawi devido à problemática das vias de acesso. Reconheço que fizeram-se muitas e boas estradas por este país fora: o interior não se desenvolveu ainda.
Nestas minhas centelhas, já propus a reedição da AGRICOM, uma empresa que se dedicava a comercialização de produtos agrícolas visando responder às necessidades de emergência e suprir eventuais défices alimentares no país. A AGRICOM era, em síntese, uma espécie de celeiro do Estado. O Governo criou, em substituição da AGRICOM, o Instituto de Cereais de Moçambique cujos resultados negativos estão à vista de todos. 
Tete tem o famoso Vale de Nhartanda que está inoperacional desde que o seu impulsionador, Samora Machel, morreu. Uma zona verde que, se funcional e capitalizada, daria comida e emprego a milhares de pessoas. Nhartanda tem uma particularidade: o acesso ao rio Zambeze. Soube há dias que, instigado pelo “vil metal”, o governo provincial vendeu aquele espaço para algumas empresas chinesas. Nascerá ali, naquele pulmão verde de Tete, residências e outras infra-estruturas.
Dados consultados indicam que aumenta o défice de pessoal de saúde em Tete. Distritos há que um enfermeiro está para cem mil habitantes. Uma pergunta: por que é que os estudantes do Instituto de Ciências de Saúde (ICS) de Tete, após a conclusão dos cursos, não têm colocação imediata no Aparelho do Estado? Quantos milhões de meticais são gastos pelo Estado para formar um estudante? Em Changara, Estima, Mágoè, Zóbuè, por exemplo, os medicamentos são comercializados em bancas por vendedeiras de tomate, cebola, alface, couve, etc. Paradoxalmente os técnicos de farmácias, formados pelo ISC de Tete, são educados para o desemprego. Não estarão, essas vendedeiras, a prescrever aos doentes “medicamentos que matam?”
Zicomo e um abraço nhúngue ao amigo Artur cujo serviço é dedicado ao ensino.
WAMPHULA FAX – 16.04.2018

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